domingo, 8 de fevereiro de 2009

Por uma política criminal mais justa



Um dos princípios fundamentais do direito penal é o da igualdade nas decisões da justiça e de ausência de disparidades injustificadas na aplicação das penas. O cidadão comum não percebe muitas vezes as decisões judiciais porque casos semelhantes têm soluções completamente díspares, sendo umas pessoas castigadas com grande severidade e outras beneficiando de uma especial brandura.

O parlamento alemão está presentemente a discutir duas propostas da ministra da justiça Brigitte Zypries de modificação do código de processo e do código penal alemães. Ambas obedecem ao mesmo propósito: promover uma política criminal mais justa, assente na transparência da actuação do Ministério Público e na uniformização dos critérios de aplicação da lei. Por um lado, concretiza-se os critérios de actuação do Ministério Público e do juiz nas soluções de consenso. Ficam deste modo claros os deveres dos sujeitos processuais nestes casos e quais os efeitos jurídicos das soluções de acordadas entre o Ministério Público e o arguido e controladas pelo juiz. Por outro lado, procura-se adaptar os limites máximos da diária da pena de multa às novas realidades do crime económico (como a corrupção, o insider trading e a manipulação de mercados), criando uma tábua de valores mais transparente e realista, tendo em conta a totalidade da situação dos arguidos. Assim, consegue-se uma justiça verdadeiramente igualitária que trata igualmente o que se assemelha e diferentemente o que se distingue.

É certo que Portugal dispõe desde 2007 de um instrumento fundamental para concretizar uma política criminal racional e democrática. Trata-se da nova lei de política criminal. Deste modo, deu-se finalmente cumprimento a uma norma constitucional que previa que o Ministério Público deve participar na execução da política criminal. Por outro lado, deu-se satisfação às sucessivas recomendações do Conselho da Europa, que desde 1977 vinham insistindo na necessidade dos Estados membros estabelecerem no seu direito interno programas de política criminal quer no âmbito preventivo quer no âmbito repressivo.

O pivot fundamental para a execução desta lei é o Ministério Público. É o Ministério Público que concretiza no dia-a-dia e em cada processo concreto as orientações desta lei. Esta solução não conduz à politização do Ministério Público. Pelo contrário, esta solução realiza o propósito fundamental do legislador constituinte de ter uma política criminal definida por um órgão de soberania com legitimidade democrática (a Assembleia da República).

Assim, a actuação do Ministério Público na fase de julgamento é submetida a uma orientação clara no sentido de o Ministério Público dar preferência a sanções não privativas da liberdade nas promoções sobre certos tipos de crimes de pequena gravidade, como a difamação e a injúria, e certos tipos de agentes especialmente frágeis, como uma mulher grávida ou uma pessoa de idade inferior a 21 anos ou superior a 65 anos e de recorrer quando esse entendimento não é acolhido.

Falta concretizar essa política criminal em orientações concretas para os tipos dos crimes mais graves e, em especial, a criminalidade violenta e económica, como o homicídio, o tráfico de droga e a corrupção. Não podemos preocuparmo-nos apenas com a criminalidade cometida pelos mais fracos, devemos também atacar a criminalidade mais grave. E devemos fazê-lo com base numa política criminal científica e democraticamente legitimada e com respeito pelo princípio da igualdade.

Manuel Simas Santos, Juiz Conselheiro do STJ
Paulo Pinto de Albuquerque, Professor da UCP e do Illinois College of Law
Saído no Jornal Expresso de sábado passado.

1 comentário:

Unknown disse...

Dentro das soluções de consenso, e ao nível da SPS, mais importante que tudo é consagração da obrigatoriedade do MP em enunciar os factos suficientemente indiciados e as disposições legais violadas (à semelhança do processo abreviado ou sumaríssimo), e isso mesmo dar a conhecer ao arguido, antes da suspensão: em suma, uma acusação, a fixar o "tema do processo" e o "tema da prova", a seguir por todos os sujeitos processuais, em caso de fracasso da SPS.

A não ser assim - e como vamos assistindo com alguma preocupação - a SPS é, por vezes, um instrumento de uso pessoal, quantas vezes solução fácil (sem contraditório e com adesão do arguido, atraído por uma lógica de "mal menor") para um caso difícil, e destinado a sucumbir à mínima contradita.

E então, à boa intenção sucede a desigualdade e a pura descricionariedade...e teremos de regressar ao Princípio da Legalidade como maior garante da igualdade dos cidadãos.