quarta-feira, 30 de novembro de 2005

Recorribilidade ou âmbito do recurso

No Supremo Tribunal de Justiça (designadamente na 5.ª Secção) têm-se defrontado duas posições sobre um tema de grandes consequências práticas.

Tendo o arguido sido condenado pela prática, em concurso real de infracções, de vários crimes puníveis com pena de prisão até 5 anos e de um crime punível com pena superior a 5 anos de prisão, condenação confirmada pela Relação, recorre para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso que é seguramente admissível em função da pena infligida pelo crime.

Segundo uma das posições (a dominante neste momento), o Supremo Tribunal só deve conhecer do recurso quanto ao crime mais grave e, se for caso, em relação à pena única. Invoca-se o disposto na al. e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP (irrecorribilidade dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 5 anos).

De acordo com a outra posição, a invocada al. e) do n.º 1 do art. 400.º dirige-se somente à admissibilidade do recurso, como reza o corpo do n.º 1 e esgota o seu campo de aplicação com a decisão sobre a (in)admissibilidade do recurso. Admitido o mesmo, a questão passa a ser a do âmbito do mesmo recurso e tal problema apela, não para o art. 400.º, mas sim para o art. 402.º do CPP que, como a sua epígrafe anuncia, trata exactamente do âmbito do recurso e que dispõe no n.º 1 «sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, o recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão», no caso, todos os crimes.

Quid iuris?

As listas negras do Fisco

1. A imprensa diz que a Administração Fiscal (AF) está a ponderar a divulgação pública, através da Internet, dos nomes dos contribuintes que não pagaram os impostos, o que abrangeria um universo de cerca de 800 mil pessoas. Tal começaria a suceder a partir do início do próximo ano.
O Director-Geral dos Imposto terá afirmado que a lista não deverá incluir os contribuintes com dívidas cobertas por garantia nem os sujeitos passivos que impugnaram ou reclamaram dessa dívida e cujo processo corre os seus trâmites normais.

Não está em causa, bem pelo contrário, o propósito do Governo de fazer aplicar o princípio da verdade e da igualdade no pagamento dos impostos. A Constituição é clara quando afirma que “a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos”.
Todos vamos, porém, tendo a percepção – espera-se que errada – de que os impostos são cobrados ao cêntimo àqueles que têm os rendimentos visíveis, mas que a Administração Fiscal pouco investiga as situações dos que se escapam – investigações burocráticas ou mesmo hoje as que se socorrem dos meios informáticos revelam-se insuficientes – sendo muitas vezes aqueles os que mais deviam pagar.

2. Questão algo diferente será a das “listas de não pagantes” ora em causa, as quais respeitarão não aos que se evadem não declarando, mas àqueles em que houve liquidação mas não pagaram.

O que agora interrogo é sobre a base legal existente para a publicitação de tais listas.
É que a mesma Constituição afirma o princípio da defesa das “garantias dos contribuintes” – artigo 103º, n.º 2 – o que é reiterado na lei ordinária quando explicita que “a administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes...”

Não tenho dúvidas que os dados constantes dessas eventuais listas, especialmente e na medida em que liguem a identificação civil de alguém a uma dívida fiscal, são “dados pessoais” sujeitos à Lei de Protecção de Dados Pessoais (LPDP), que hoje abarca não apenas os dados informatizados como também os detidos em suportes manuais.

Ora, olhando para essa LPDP, verifico que mesmo para fins de investigação policial – e ainda não estaremos aí, mas apenas na fase de solicitar a alguém que pague o que deve ao Estado – o tratamento dos dados pessoais deve limitar-se ao necessário para a prevenção de um perigo concreto ou para a repressão de uma infracção determinada, para o exercício de competências previstas no respectivo estatuto orgânico da AF ou que haja uma disposição legal a autorizar.

Por outro lado, os funcionários estão sujeitos ao sigilo profissional cuja violação está prevista e é punida criminalmente nessa Lei – artigos 17º e 47º.
Existe, porém, outra lei especial que se sobrepõe? O Governo deve explicar.

Certo que as pessoas se podem queixar para a Comissão Nacional de Protecção de Dados e que esta possui poderes para, se for caso disso, ordenar o bloqueio, apagamento ou destruição dos dados, bem como o de proibir, temporária ou definitivamente, o tratamento de dados pessoais, ainda que incluídos em redes abertas de transmissão de dados a partir de servidores situados em território português.

3. Mas poderemos passar a discussão para um plano superior: eticamente é adequado este procedimento, ainda que esteja apoiado numa norma legal?
Todos concordaremos que o pagamento de impostos deve ser exigido aos cidadãos na medida do que for justo. E que o Estado tem a obrigação de providenciar pela cobrança usando os meios legítimos.
Em face, porém, dos valores que suportam a vivência numa sociedade em que cada cidadão é suposto dispor de um reduto de dignidade que não pode ser atingido, é admissível que a AF coloque listas dos não pagantes em “locais” públicos (a Internet não pode deixar de ser considerada como tal), nas quais incluirá não apenas os relapsos (e mesmo para estes é de ponderar) como muitos outros cidadãos que, pelos motivos mais variados, alguns deles porventura bem justificáveis, não conseguiram saldar as dívidas ao Fisco?
Esta forma de envergonhar publicamente está de acordo com aquele princípio, ou com o da tolerância, ou o da preservação da vida privada? Esta forma de pressão/prevenção é proporcionada aos interesses que estão em jogo?

Ou estaremos a ratificar o que alguns comerciantes adoptaram quanto aos seus devedores privados (aí com dívidas apenas sujeitas a um “apuramento” unilateral), colocando a lista na montra do estabelecimento, ou o que fez época no PREC com as listas dos procurados pelas milícias populares?

De modo algum se procura encapotar aqueles que podendo não pagam ao Fisco ou os que pagam quantias irrisórias face aos seus proventos. Mas o que me parece não se poder dar guarida é a uma AF que age de forma preguiçosa, por processos que colidirão com princípios que também desejamos salvaguardar.

Acima de tudo creio que os cidadãos precisam de ser esclarecidos sobre os fundamentos duma medida que a AF já admite como muito provável a partir de um futuro próximo, a fim de poderem reagir.
Formulamos votos de que tudo não passe de um mal entendido.

segunda-feira, 28 de novembro de 2005

A Justiça, as palavras e o Presidente

1. Muito já se disse e escreveu nos últimos tempos sobre as reformas da Justiça e o ambiente que as rodeia.
Passaram-se cerca de quatro anos a trabalhar e ambicionar um Pacto para a Justiça que este Governo deitou fora de uma vez.
Voltou-se ao princípio e nomeou-se uma Unidade de Missão com um coordenador beneficiário de estatuto de “secretário de Estado”.
E agora o VII Congresso dos Juízes Portugueses...
Não consegui encontrar o discurso do ministro da Justiça na sessão de encerramento e a busca no site do ministério resultou infrutífera – o portal da Justiça encontra-se em remodelação (só o portal, entenda-se) e em breve estará disponível um novo portal.
Mas colhi da imprensa a indicação de que o ministro da Justiça apelou ao diálogo para reformar o sector e que os magistrados responderam com indiferença. O ministro não aplaudiu intervenções de magistrados e estes ter-lhe-ão retribuído quase na mesma moeda.
Aos jornalistas acrescentou que tem o apoio do Governo e do Primeiro Ministro e que vai continuar o programa definido por José Sócrates para o sector – palavras dele – indiferente às críticas. Mais incisivo ainda: "Aplico com entusiasmo as orientações do primeiro-ministro na área da Justiça", afirmou.

Entretanto, o Presidente da República prosseguiu a saga da sua tentativa de levar a procissão a sair do adro e que os intervenientes não deitem o andor ao chão.
Que os magistrados gozam do “apreço da República pela função que têm desempenhado na consolidação da democracia”; que as disfunções e necessidades de reforma persistem; que a confiança dos cidadãos na Justiça está abalada com as reformas que não se fazem – da responsabilidade do Poder Político – e com alguns desempenhos individuais de magistrados a merecerem censura social; que o PR tem consciência das diversas carências com que os magistrados judiciais se confrontam e compreende a mágoa respeitante ao tratamento que lhes tem sido dado relativamente a certos pontos.
Por isso apelou, por seu lado, à “serena reflexão” sem se escusar de afiançar que por bem conhecer todos os pressupostos e enquanto Presidente da República tem “a responsabilidade de promover e garantir o regular funcionamento das instituições, incluindo os tribunais”.
E termina concitando ao “restabelecimento do diálogo entre todos os responsáveis pelo funcionamento da Justiça, e sobre as condições de promoção de um consenso de longo prazo quanto ao seu figurino global. As reformas não podem esperar, e, sem consenso, ficarão sempre aquém, pelo menos da sua boa execução”.
2. Olhando para tudo isto, o que temos como saldo?
§ Um acirrar da crispação dos representantes de cada instituição envolvida, acentuado no próprio Congresso, e a degradação óbvia do ambiente de trabalho e da produtividade dos tribunais;
§ Um aparente cumprimento do programa do Governo, contra a comunidade forense mas, segundo o mesmo Governo – ministro da Justiça e Primeiro Ministro – “a bem da Nação” e contra uma classe de conservadores e privilegiados;
§ Os poderes do Estado a caírem na rua numa discussão em que a desconsideração ou a ignorância recíproca de pontos de vista, vão tomando o lugar da urbanidade e do trabalho conjunto.
O Senhor Primeiro Ministro toma o partido do seu ministro – o que pode ter-se como normal – passando indiferente a tudo o resto, o que já o não é, nomeadamente à rarefacção das instituições, para que também contribui.
Portanto, as esperanças concentram-se, apesar do fim do mandato que se avizinha, no Senhor Presidente da República e Advogado, Dr. Jorge Sampaio. O futuro breve dirá se os dez anos de “discursos” em prol de um consenso alargado para as reformas da Justiça chegam a um happy end. Ainda que fosse uma luzinha ao fundo do túnel.

sexta-feira, 25 de novembro de 2005

Violação e coacção sexual?

Fiz aqui referência, em Junho passado, a um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que colocava uma questão interessante, desde logo pelo teor da discussão travada no colectivo de juízes e traduzida nas declarações de voto.
Decidira-se, nesse acórdão de 2-6-2005, proc. n.º 1564/05-5 , relatado por mim e também subscrito pelo Cons. Costa Mortágua, na parte que interessa, e de acordo com o sumário, que:
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«2 - Se, depois de tentar violar a ofendida, quer através de cópula, quer através de coito anal, o que não conseguiu dada a sua resistência, estando os dois parcialmente desnudados, beija esta enquanto se masturba até ejacular, tendo-a ameaçado de morta, verifica-se igualmente o crime de coacção sexual do n.º 1 do art. 163.º do C. Penal.
3 - Na verdade, perante a impossibilidade de concretizar a violação por cópula ou coito anal, decidiu o arguido satisfazer os seus instintos sexuais, forçando a ofendida a sofrer acto sexual de relevo, numa nova motivação gerada por aquela impossibilidade. E seguindo-se à tentativa de violação, não se pode ter a conduta sequente como abrangida no processo de execução daquela.»
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Já o Cons. Santos Carvalho exprimiu no seu voto que:
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«Voto a decisão e os seus fundamentos, com excepção das considerações feitas sobre a qualificação jurídica dos factos (ponto 2.3 do acórdão), que me suscitam algumas reservas. Se é certo que "perante a impossibilidade de concretizar a violação por cópula ou coito anal, decidiu o arguido satisfazer os seus instintos sexuais, forçando a ofendida a sofrer acto sexual de relevo, numa nova motivação gerada por aquela impossibilidade", acho desproporcionado considerar que estamos face a dois crimes, um de violação tentado e outro de coacção sexual. Na verdade, o direito penal, embora parta de construções teóricas e abstractas, não deve afastar-se da realidade da vida e, por isso, parecer-me-ia mais razoável considerar que se está perante um único crime continuado, já que o arguido realizou esses dois crimes, mas os mesmos protegem fundamentalmente o mesmo bem jurídico e foram executados por forma essencialmente homogénea e no quadro de uma mesma situação exterior que diminui consideravelmente a culpa do agente (a excitação sexual que ficou para além, "et pour cause", do crime frustrado, já que permaneceu junto a si, ainda que intimidada a pessoa que lhe provocou o desejo insatisfeito e que encontrava parcialmente despida).»
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e o Cons. Rodrigues da Costa, que:
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«Voto a decisão e os seus fundamentos, mas não as considerações tecidas acerca da qualificação jurídica.Quanto a mim, existe um único crime: o de tentativa de violação. A auto-masturbação não representa senão o culminar do fracasso do acto a que o arguido se propusera. A implosão desse acto, ainda que o arguido tivesse querido colher uma fosforescência nas suas ruínas, é, afinal, o reconhecimento desse fracasso, vivido em escala descendente como auto-satisfação.Acresce que, para quem quis realizar cópula com a ofendida, ejaculando-se dentro dela, a auto-masturbação que se segue a esse acto falhado não tem qualquer relevância típica.»
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perguntou-se então como seria?
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Esse post foi lido e acaba de ser publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 15, n.º 2, págs. 299 a 328, um extenso e interessante comentário da Dr.ª Helena Moniz, docente da Faculdade de Direito de Coimbra que se pronuncia a favor da solução encontrada no mesmo acórdão.
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É de todo o interesse a leitura desse comentário, que teve a sua génese na leitura de um blog...

Fixação de jurisprudência

Inquérito - falta de interrogatório como arguido - nulidade - insufiência de inquérito
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O Supremo Tribunal de Justiça fixou, na sessão de 23.11.2005, proc. n.º 2517/02-3, Relator: Cons. Oliveira Mendes, a seguinte jurisprudência:
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A falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no art. 120.º, n.º 2, al. d do CPP [insuficiência de inquérito]»

Fixação de jurisprudência

Fraude na obtenção de subsídio - consumação
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O Supremo Tribunal de Justiça fixou na sessão de 23.11.2005, proc- n.º 603/03-3, Relator: Cons. Oliveira Mendes, a seguinte jurisprudência:
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«O crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção previsto no art. 36.º do DL 28/84 de 20Jan consuma-se com a disponibilização ou entrega do subsídio ou subvenção ao agente»

quarta-feira, 23 de novembro de 2005

Fixação de jurisprudência

Liberdade condicional obrigatória - 5/6 de pena superior a 6 anos - ausência ilegítima do preso

O Supremo Tribunal de Justiça tirou hoje, por maioria de 9 votos a favor e 6 contra com mudança de Relator, um acórdão que fixou a seguinte jurisprudência:
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«Nos termos dos números 5 do artigo 61.º e 3 do artigo 62.º do Código Penal, é obrigatória a libertação condicional do condenado logo que este, nela consentindo, cumpra cinco sextos de pena de prisão superior a seis anos ou de soma de penas sucessivas que exceda seis anos de prisão, mesmo que no decurso do cumprimento se tenha ausentado ilegitimamente do estabelecimento prisional»
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Processo n.º 3330/05, 5.ª Secção, Relator: Cons. Santos Carvalho

terça-feira, 22 de novembro de 2005

PSICOLOGIA FORENSE

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PSICOLOGIA FORENSE é o título do livro que acaba de ser editado pela Quarteto (Coimbra), com coordenação dos professores de psicologia da Universidade do Minho, Rui Abrunhosa Gonçalves e Carla Machado.Nas razões deste livro, que aborda as diferentes áreas de intervenção da psicologia forense, dizem os coordenadores que "procura, em primeiro lugar, colmatar uma lacuna no panorama editorial português, onde são conhecidos desde há muito manuais de psiquiatria forense e onde a psicologia forense é citada mas não consubstanciada. Por outro lado, e atenta a actualidade jurídica portuguesa, onde cada vez mais os psicólogos são chamados a pronunciar-se e a executar perícias ou exames forenses em casos cíveis e criminais, pareceu-nos que poderia ser de extrema utilidade a apresentação de "roteiros de avaliação psicológica" que pudessem de algum modo "guiar" a intervenção dos profissionais em tais tarefas".

Um livro que é instrumento valioso para psicólogos e juristas!

sábado, 19 de novembro de 2005

Um livro actual

Los Paraísos Fiscales - Uso de las jurisdicciones de baja tributación
Autor: Martínez Selva, José María
Editorial: Dijusa
Fecha Edición: 01/11/2005
Páginas: 589
PVP: 67,60 € (IVA incluido)

Desde hace años se habla mucho de los paraísos fiscales y centros offshore y sin embargo, sus características y forma de funcionamiento son poco conocidas en nuestro país:
En su primera parte contiene una descripción completa de las características de los centros financieros offshore y de los servicios que prestan. - Se dedican capítulos específicos a los servicios bancarios, apertura y uso de cuentas, así como a la constitución de los distintos tipos de sociedades y trusts offshore, y su utilización. - Se expone igualmente las contramedidas que los países más desarrollados y diferentes organismos internacionales aplican para limitar el uso de los paraísos fiscales, dirigidas tanto a combatir el blanqueo de dinero como la evasión de impuestos.
En la segunda parte se exponen las características más destacadas de las principales jurisdicciones de baja tributación. - El libro contiene igualmente un apéndice legislativo en la tercera y última parte, con las principales disposiciones españolas y europeas relativas a las jurisdicciones de baja tributación.

sexta-feira, 18 de novembro de 2005

terça-feira, 15 de novembro de 2005

Sine Die

É a designação de um novo blawg surgido, em boa hora, na blogosfera jurídica portuguesa, que não deixa de crescer.
O número e a valia dos seus membros são a garantia do sucesso que se espera e deseja.
Boa sorte!

sexta-feira, 11 de novembro de 2005

Comunicação social e direito penal

LOS MEDIOS DE COMUNICACIÓN Y EL DERECHO PENAL, de Juan L. Fuentes Osorio, Profesor (doctor) de Derecho Penal, Universidad de Jaén.

SUMARIO: 1. Introducción. 2. Los medios de comunicación y la percepción de la realidad criminal. 2.1. La cotidiana comunicación del delito. 2.2. La transmisión de una imagen distorsionada de la realidad criminal. 2.3. La creación de estereotipos de víctimas y delincuentes. 3. La influencia de los medios de comunicación en la agenda política. 3.1. Acceso y permanencia del delito en la agenda pública. 3.2. La fijación mediática del delito como cuestión permanente de la agenda política. BIBLIOGRAFÍA CITADA.

RESUMEN: Este artículo plantea cómo los medios de comunicación se concentran en el fenómeno criminal. Ello puede tener el efecto positivo de dar visibilidad a un «problema social». Ahora bien, la información sobre la realidad criminal es inexacta, poco plural y adulterada por los intereses particulares de los medios y de aquellos que los controlan. El autor concluye que esta forma de comunicación del fenómeno criminal puede contribuir al desarrollo y potenciación de errores cognitivos, a la aparición y refuerzo del miedo personal y preocupación social por el delito, a la adopción de cambios en el comportamiento de la posible víctima y a la solicitud de una mayor intervención penal.

quinta-feira, 10 de novembro de 2005

Depois da greve dos magistrados

Por Rui do Carmo, no Público de 10.Nov.2005
A forte adesão à greve realizada por juízes e magistrados do Ministério Público nos dias 24 a 27 de Outubro foi um importante sinal de protesto contra uma política de afrontamento indiscriminado dos profissionais que exercem funções nos tribunais, podendo ter contribuído para a abertura do caminho à compreensão de que só pelo diálogo se podem mobilizar aqueles de quem depende o funcionamento do sistema de justiça para as profundas reformas de que necessita.
O processo que conduziu à convocação da greve não foi, contudo, isento de erros, cuja identificação e debate são necessários para que o futuro possa ser encarado de forma diferente.
A verdade é que as associações sindicais se deixaram fazer reféns da agenda política do Governo, respondendo sempre e da forma por este esperada a cada nova acha que era lançada para alimentar o discurso do "combate aos privilégios". A verdade é que foi feita, desde início, a opção por formas de reacção que sublinham o estatuto de funcionário dos magistrados. A verdade é que houve um claro menosprezo pela necessidade de esclarecimento dos cidadãos, tendo a comunicação sido desenvolvida quase exclusivamente para o "interior do conflito". A verdade é que se assistiu à secundarização da reflexão, debate e divulgação sobre o diagnóstico e as necessárias reformas da justiça.
E estes erros pagam-se caro, na medida em que são susceptíveis de poderem lançar a dúvida na opinião pública quanto ao que é prioritário nas preocupações de juízes e procuradores.
Procurar, pela via da negociação, o reequilíbrio possível entre estatuto sócio-profissional e deveres e incompatibilidades estatutários continua a ser um objectivo legítimo, cabendo ao Governo, nesta matéria, avançar no cumprimento do seu programa, abrindo o debate sobre "a consagração do princípio da carreira plana dos magistrados judiciais e do Ministério Público, permitindo uma progressão profissional não condicionada pelo grau hierárquico dos tribunais e conferindo maior liberdade de escolha dos magistrados segundo critérios de competência e vocação profissional" (do Programa do Governo). Mas, o enquistamento nas questões sócio-profissionais distrai as atenções da política de justiça propriamente dita e subestima a urgência desse debate, que o Governo não quer promover com a sua política de constante provocação do conflito.
O combate central terá de ser o da implementação das medidas necessárias à resolução, do ponto vista da satisfação dos direitos dos cidadãos, dos problemas de funcionamento da justiça que assenta, neste momento, numa estrutura organizativa anquilosada, em que não faz sentir falar genericamente de trabalhar mais mas sim de trabalhar melhor, que só não é mais lenta e mais ineficaz pelo empenho, responsabilidade e dedicação profissional da grande maioria dos que nela exercem funções. Medidas que contribuam de forma séria para superar os factores que geram insatisfação, como sejam os problemas do acesso à justiça, a lentidão, a complexidade e a dificuldade no tratamento das novas realidades. E a crítica pública à prática judiciária reforça a nossa obrigação de participar, de pleno direito, nesse debate, que terá de ser também um exercício de autocrítica mas não de autoflagelação.
Olhando para o sistema de justiça como cidadão e como magistrado do Ministério Público, entendo serem questões centrais que devem merecer, com igual prioridade, atenção:
- A plena efectivação do direito constitucional de acesso ao direito e aos tribunais por parte de todos os cidadãos;
- O(s) processos(s) de ingresso na magistratura, o plano de formação desenvolvido pelo Centro de Estudos Judiciários, a formação contínua, a formação especializada e sua relação com a carreira profissional;
- A modernização do processo e dos métodos de trabalho e condições de funcionamento dos tribunais, associada a uma reorganização da estrutura judiciária e à qualificação e transparente gestão de recursos humanos;
- O funcionamento dos Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público e o cabal cumprimento das suas atribuições constitucionais e legais;
- A lei de definição da política criminal e todas as questões respeitantes à sua filosofia e execução;
- A ponderação sobre as condições existentes e as necessárias para uma efectiva afirmação do interesse público na actividade judiciária, representado pelo Ministério Público, em especial nas áreas penal e administrativa.

segunda-feira, 7 de novembro de 2005

Fixação de Jurisprudência

Contra-ordenações - aplicação da lei no tempo - regime concretamente mais favorável - aplicação em bloco

O Supremo Tribunal de Justiça fixou, por unanimidade, na sessão de 3 de Novembro de 2005, proc. n.º 4299/04-5, Relator: Cons. Simas Santos, a seguinte jurisprudência:
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«Sucedendo-se no tempo leis sobre o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, não poderão combinar-se, na escolha do regime concretamente mais favorável, os dispositivos mais favoráveis de cada uma das leis concorrentes».
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Casa da Suplicação LII

Abuso sexual de crianças — crime continuado — crime de trato sucessivo — medida da pena — circunstâncias atenuantes — idade avançada do arguido
1 - Tendo o arguido abusado sexualmente durante dois anos das suas duas netas, menores de 8-10 e 12-14 anos de idade, mais correcto teria sido considerar cada um dos dois crimes, p.p. nos artigos 172º, n.º 1 e 2, 177º, n.º 1, alínea a), do CP, como um único crime de trato sucessivo e não como um crime continuado. No crime continuado há uma diminuição de culpa à medida que se reitera a conduta, mas não se vê que tal diminuição exista no caso do abuso sexual de criança por actos que se sucedem no tempo, em que, pelo contrário, a gravidade da culpa parece aumentar à medida que os actos se repetem.
2 - A 1ª instância condenou o arguido nas penas parcelares de 10 e 11 anos de prisão e na pena única de 18 anos de prisão, mas não valorizou suficientemente o facto de aquele ter na altura dos factos entre 78 e 80 anos e, agora, 81 anos de idade.
3 - Esta idade avançada, aliada à ausência de antecedentes criminais, embora não constitua motivo suficiente para uma atenuação especial da pena, não pode deixar de constituir uma forte atenuante de carácter geral.
4 - O Código Penal de 1886 previa como circunstância atenuante de carácter geral ter o arguido mais de 70 anos de idade, pois «compreende-se que uma idade avançada, fazendo voltar como que a uma segunda infância, produza sobre a imputabilidade efectivas consequências».
5 - O não ter sido indicada expressamente esta circunstância como atenuante no texto do C. Penal, mercê da nova técnica utilizada a propósito, não lhe retira actualmente o valor atenuativo que acima se analisou.
6 - Uma pena única de 9 anos de prisão (correspondente às penas parcelares de 6 e 7 anos de prisão) já tem uma suficiente duração para evidenciar a gravidade da ilicitude e para satisfazer a prementes necessidades de prevenção geral do crime de abuso sexual de crianças, mas tem uma dimensão mais humanizada, principalmente face à diminuição da culpa que resulta da avançada idade do arguido, com ausência de antecedentes criminais, circunstância essa pouco sopesada na sentença recorrida. Como também não se ponderou que a idade avançada do arguido faz diminuir a necessidade da pena, já que há menor exigência de prevenção especial.
7- E não é demais relembrar que nenhuma pena pode ultrapassar o grau de culpa do arguido, ainda que por vezes haja quem reclame dos tribunais a aplicação da chamada “pena exemplar”.
Ac. do STJ de 3.11.2005, proc. n.º 2952/05-5, Relator: Cons. Santos Carvalho

Crimes fiscais e contra a Segurança Social — inexistência de inquérito — poderes constitucionais do Ministério Público — punição do crime continuado — suspensão da execução da pena — condição de pagamento das importâncias devidas — constitucionalidade
1 – Nos crimes fiscais e contra a segurança social, cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal, a direcção do inquérito, actuando estes sob a directa orientação daquele e os preceitos do RJIFNA e do TGIR não descaracterizam esse poder de direcção, sendo o agente competente da administração na qualidade de órgão de polícia criminal, presumindo legalmente delegada a “prática de actos que o Ministério Público pode atribuir àqueles órgãos”.
2 – Assim, a instauração do processo de averiguações fiscais por parte da respectiva entidade administrativa competente enquanto um acto praticado a coberto da legitimidade do Ministério Público, como também o vem entendendo o Tribunal Constitucional, que teve como constitucionais as normas dos art.ºs 43.º e 44.º do RJIFNA.
O Ministério Público pode conferir a órgãos de polícia criminal o encargo de procederem a quaisquer diligências e investigações relativas ao inquérito (n.º 1 do art. 270.º do CPP), com excepção dos actos da competência exclusiva do juiz de instrução (art.ºs 268° e 269° do CPP), bem como receber depoimentos ajuramentados, ordenar a efectivação de perícia, assistir a exame susceptível de ofender o pudor da pessoa, ordenar ou autorizar revistas e buscas e quaisquer outros actos que a lei expressamente determinar que sejam presididos ou praticados pelo Ministério Público (n.º 2).
3 – Nesse esquema, não é necessário que o Ministério Público, em concreto, dê qualquer directiva ou ordene qualquer diligência de investigação, salvo quanto à prática de actos de competência exclusiva do Ministério Público ou de diligências de exclusiva competência do juiz de instrução. E a delegação presumida consiste somente na autorização para o exercício de um poder, susceptível de ser avocado a todo o momento.
4 – Não pode falar-se em “administrativização” da fase do inquérito, decorrente da autonomização do chamado processo de averiguações e sua subtracção aos poderes de controlo e fiscalização do M.º P.º. Antes resulta uma maior autonomia da investigação por parte da Administração Fiscal e Segurança Social, que dão início e procedem às competentes averiguações sem necessidade de para tal solicitar a par e passo a autorização do Ministério Público, o que se justifica pelo carácter técnico das matérias em causa, sem o impedir, porém, de exercer as suas competências de direcção do inquérito, sempre que o julgar oportuno.
5 – Se o Tribunal conheceu na medida de pena de todas as questões que lhe competia decidir e não exorbitou desse âmbito; poderia ter errado na escolha e medida da pena, não valorando devidamente todas as circunstâncias do caso, mas então estar-se-ia perante um erro de julgamento e não perante excesso ou omissão de pronúncia.
6 – Se a medida penal abstracta no caso não prevê em alternativa a pena privativa e não privativa da liberdade, não é convocado o art. 70.º do C. Penal.
7 – A punição do crime continuado é encontrada, nos termos do art. 79.º do C. Penal na moldura penal correspondente à conduta mais grave que integra a continuação, mas são tidas em consideração todas as condutas englobadas no crime continuado e não somente a conduta mais grave.
8 – O princípio da igualdade, enquanto limite objectivo da discricionariedade legislativa, não impede que a lei possa estabelecer distinções de tratamento, desde que material, objectiva e razoavelmente fundadas, mas implica que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diversamente o que for diferente. Impõe à lei ordinária a proibição do arbítrio, as discriminações ou diferenciações fundadas em categorias ou situações meramente subjectivas, materialmente infundadas, sem um fundamento sério, sem um sentido legítimo, sem uma fundamentação razoável, segundo os critérios de valor objectivo constitucionalmente relevantes.
9 – Assim, não procede a invocação de inconstitucionalidade das normas dos arts. 11.º, n.º 7, referido ao n.º 8, do RJIFNA e 14.º do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias), traduzida na alegada consagração legal de privilégio indevido para o Estado enquanto credor lesado.
10 - A importância de interesses públicos em causa, constitucionalmente reconhecidos, envolvendo a prossecução de funções fundamentais do Estado em favor da generalidade dos cidadãos, importa fundamento legítimo da adopção da lei pela discriminação positiva do Estado, traduzido na imposição de condicionamento da suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais e dos benefícios obtidos.
11 - A obrigatoriedade da imposição do referido condicionamento (independentemente da verificação da razoabilidade da exigência do pagamento total) não envolve ofensa do princípio da culpa que enforma todo o sistema penal como exigência incontornável do respeito pela eminente dignidade da pessoa humana, não importando a inconstitucionalidade da norma (constante do art. 11.º, n.º 7 do RJIFNA e do art. 14.º, n.º 1 do RGIT, por violação dos arts. 1.º e 27.º da CRP.
12 – E inexiste inconstitucionalidade, por ofensa do art. 13.º da CRP, resultante de tratamento desigual dos arguidos que por dificuldades económicas não possam satisfazer a condição de pagamento das prestações tributárias não entregues e desencaminhadas.
13 - A referida opção legal da obrigatoriedade do condicionamento da suspensão nos aludidos termos não atinge o limite do arbitrário, situando-se ainda na margem de liberdade das opções de política criminal possivelmente reclamadas pela premência da satisfação dos interesses protegidos pela incriminação, reconhecido como é actualmente o papel determinante da política criminal, desde que as respectivas finalidades e proposições se compatibilizem séria e razoavelmente com os interesses, valores e princípios fundamentais com expressão constitucional.
14 - É o que resulta nomeadamente das circunstâncias seguintes:
– o já referido relevo, a nível constitucional, das obrigações tributárias como instrumento para o cumprimento pelo Estado de funções fundamentais;
– a frequência e a amplitude da violação dos deveres fiscais;
– estar-se face a uma imposição legal aplicável a todo e qualquer arguido condenado pelos referidos crimes fiscais;
– tratar-se de prestações tributárias que foram efectivamente recebidas e apropriadas por cada um dos específicos condenados.
15 - Como se tem acentuado, nomeadamente na jurisprudência do TC – sendo embora indiscutível face ao nosso sistema legal que uma eventual prisão por dívidas viola os princípios constitucionais da previsão e da necessidade das restrições dos direitos fundamentais (art. 18.º, n.º 2, da CRP), bem como o princípio da culpa decorrente da dignidade humana (arts. 1.º e 27.º da CRP) –, a impossibilidade legal da prisão por dívidas não abrange as obrigações não contratuais, derivadas da condenação por ofensa de interesses jurídicos com protecção jurídico-criminal, como é o caso de condenação por crime de abuso de confiança fiscal.
16 - No caso de não pagamento de quantia indemnizatória, a que se condicione a suspensão da execução, a efectivação da prisão em virtude da falta de pagamento dessa quantia não configura, manifestamente, «prisão por dívidas», uma vez que a prisão é cumprida por força da condenação que o Tribunal efectua ao determinar a pena por crime praticado.
Ac. do STJ de 3.11.2005, proc. n.º 2646/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

Recorribilidade — âmbito do recurso — sequestro — coação grave — regime de jovem delinquente — atenuação especial da pena
1 – O juízo sobre a admissão do recurso interposto funda-se essencialmente no teor dos art.ºs 399.º e 400.º do CPP. Admitido o recurso à luz desses normativos que se destinam a resolver a questão da recorribilidade da decisão impugnada. A indagação seguinte já não se prende com a recorribilidade, mas sim com o âmbito do recurso, questão diversa a resolver face ao teor do art. 402.º do mesmo diploma. Com efeito, é o normativo ínsito no n.º 1 desse artigo que define o âmbito do recurso admitido, dispondo que o recurso interposto (admitido) abrange toda a decisão recorrida esses recursos abrangem a totalidade da decisão recorrida, salvo o que dispõe o n.º 2, não sendo de excluir o conhecimento dos crimes punidos até 5 anos, mesmo que o recurso já tenha passado pela Relação.
2 – Com o crime de sequestro visa-se fundamentalmente proteger a liberdade individual, mais propriamente a liberdade física, o direito de se não ser aprisionado, encarcerado ou de qualquer modo fisicamente confinado por determinado período temporal, que relevantemente afecte a liberdade individual de locomoção a certo e determinado espaço.
3 – Cometem esse crime os arguidos que, aproveitando o sentimento de pânico evidenciado pelos ofendidos, os empurraram em direcção ao veículo automóvel determinando a abertura das portas e obrigando todos os ofendidos a acondicionarem-se no banco traseiro, o que estes fizeram, conduzindo o veículo cerca de 45 minutos, tendo trancado as portas quando se aperceberam que um dos ofendidos propusera aos restantes que saíssem da viatura aquando de paragem perante semáforo.
4 – Cometem o crime de coacção agravada, violentando a livre determinação da vontade e a livre expressão da mesma por parte dos ofendidos, os arguidos que, depois daquele sequestro ameaçam os ofendidos com ofensas graves da integridade física e morte os ofendidos para que não participem os crimes de sequestro e de roubo às autoridade, colocando os ofendidos em estado de choque, não tendo nenhum deles ousado apresentar queixa e chegando mesmo a negar reconhecer os arguidos, vindo a retractar-se posteriormente e no âmbito do inquérito, perante o respectivo Magistrado do Ministério Público.
5 - O regime penal especial para jovens delinquentes não é de aplicação automática, devendo o Tribunal equacionar a sua aplicação ao caso concreto se o agente tiver aquela idade. O Tribunal deve começar por ponderar a gravidade do crime cometido, aferida pela medida da pena aplicável, e, depois, só deverá aplicar a atenuação especial a jovens delinquentes quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
6 - Por isso, haverá que apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes.
7 - O art. 72.º do C. Penal ao prever a atenuação especial da pena criou uma válvula de segurança para situações particulares em que se verificam circunstâncias que, relativamente aos casos previstos pelo legislador quando fixou os limites da moldura penal respectiva, diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, por traduzirem uma imagem global especialmente atenuada, que conduz à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa.
8 - As circunstâncias exemplificativamente enumeradas naquele artigo dão ao juiz critérios mais precisos, mais sólidos e mais facilmente apreensíveis de avaliação dos que seriam dados através de uma cláusula geral de avaliação, mas não têm, por si só, na sua existência objectiva, um valor atenuativo especial, tendo de ser relacionados com um determinado efeito que terão de produzir: a diminuição acentuada da ilicitude do facto ou da culpa do agente.
Ac. do STJ de 03.11.2005, proc. n.º 2420/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

Opção pela pena de multa — burla informática — condução sem carta — rejeição do recurso — manifesta improcedência
1 – Sendo aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta proteja de forma adequada e suficiente os bens jurídicos e assegure a reintegração do agente na sociedade. Se o arguido já cumpriu diversas penas de prisão e está até detido no momento do julgamento, não é adequada a opção pela de multa quanto aos crimes de burla informática e condução sem habilitação legal, crime este que já motivara uma outra condenação.
2 – É manifestamente improcedente o recurso quando é clara a sua inviabilidade, quando no exame necessariamente perfunctório a que se procede no visto preliminar, se pode concluir, face à alegação do recorrente, à letra da lei e às posições da jurisprudenciais sobre as questões suscitadas, que aquele recurso está votado ao insucesso.
Supremo Tribunal de Justiça
Ac. do STJ de 03.11.05, poc. n.º 3264/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

domingo, 6 de novembro de 2005

Juez de corazón grande

En memoria de Federico Carlos Sainz de Robles

Perfecto Andrés Ibáñez (magistrado)

EL PAÍS - Gente - 06-11-2005

Hay momentos, de esos que solemnemente se acostumbra a calificar de históricos, en los que las personas y los grupos se sitúan por encima de sus posibilidades previsibles y dan a los propios actos una dimensión que trasciende el umbral de lo cotidiano y de lo que de ellos cabría esperar en términos de experiencia corriente. A la magistratura española del transfranquismo le cupo protagonizar una de esas situaciones el día de 1980 en que los recién elegidos vocales del primer Consejo General del Poder Judicial, en un pleno inaugural, decidieron elegir como presidente a Federico Carlos Sainz de Robles. Un magistrado profundamente atípico en el contexto: por ajeno a los medios de la oligarquía judicial del momento, por su excepcional formación humanística, por su sensibilidad democrática y por su probada capacidad de independencia, que encarnaba a la perfección el modelo ideal de juez constitucional.

Las circunstancias precedentes hacían imprevisible algo semejante. Por eso, el nombramiento de Sainz de Robles fue una verdadera sorpresa para los que le conocíamos de cerca y sabíamos de sus ejemplares actitudes profesionales y académicas, en particular las que tuvieron a Valladolid como escenario. Porque Federico Sainz de Robles, de hondas raíces madrileñas, pero ciudadano sin fronteras, vacunado por cultura de campanilismos, y sanamente agnóstico de cualquier otro patriotismo que no fuera el machadiano del trabajo y el inespacial de los afectos, derrochó en la ciudad del Pisuerga un magisterio de excepcional calado, en la jurisdicción y en la Universidad. En ésta se acreditó como enseñante por la calidad y amplitud de sus conocimientos, por su singular finura de jurista, y por su capacidad de comunicación. En tiempos de efervescencia política, un estudiantado nada propenso a sucumbir a los encantos de lo jurídico y con escasa fe en el derecho vigente, llenó siempre sus clases de administrativo.

En el desempeño de la jurisdicción, fue a romper con el tedioso estándar chatamente burocrático y formulario del discurso jurisprudencial al uso, sustituyéndolo por el terso y refrescante de su castellano libre en la expresión y artesanalmente trabajado, creando un estilo. Pero, sobre todo, demostró estar vacunado de cutres aspiraciones de carrera y profesar una fe de carbonero en los valores de la jurisdicción, que entonces no es que cotizasen, precisamente, en bolsa. Así, promovió decisiones incómodas, cargadas de razón, amparando derechos de cualificados exponentes de la oposición universitaria injustamente represaliados. Y, en señal de protesta, ante la presión intolerable del ministro de Justicia, pidió la excedencia y ejerció durante años como abogado.

Con este ethos humano y profesional, asumió la tarea no fácil de presidir ese primer Consejo, obligado a navegar en aguas que fueron turbulentas merced al influjo de una doble instrumentalización: la de la derecha judicial heredada, empeñada en cristalizar su posición de poder en el palacio de justicia y rentabilizarla políticamente, y la de la entonces nueva mayoría socialista, con demasiada prisa para respetar dentro de aquél las reglas del juego que había postulado en la oposición.

Sainz de Robles asumió con plena consciencia el reto envenenado de pilotar la defensa de la independencia judicial, claro valor en riesgo. A sabiendas de que, en tales circunstancias, el esfuerzo tenía bastante de suicida. Pero convencido de que, como la historia de estos años ha demostrado, lo que allí estaba en juego desbordaba el estrecho marco de la torturada coyuntura. Su acerada lucidez no le permitía ignorar que, en ese momento y en ese contexto, reclamar un espacio autónomo para el Consejo General del Poder Judicial y para la jurisdicción como instancia constitucional de garantía era presentarse ante la opinión mayoritaria como un resistente frente al progreso de la democracia. Pero lo hizo sin dudar un momento. Como tampoco dudó un segundo a la hora de hacer que la institución que presidía fuera la primera en publicar su lealtad constitucional en la difícil primera hora del 23-F.

Era su estilo. De hombre ferviente en la creencia. Tan firme en los principios como sanamente escéptico acerca de sus posibilidades de realización práctica y, sin embargo, firme en la voluntad y dispuesto a asumir el riesgo de padecer por ellos. Un ser humano de corazón grande, de impulso generoso, al que nadie que le haya conocido dejará de reservar un espacio en lo mejor de sus recuerdos.

Droga y rigor penal

EL PAÍS - Opinión - 06-11-2005

La Sala de lo Penal del Tribunal Supremo ha planteado al Gobierno la reforma del artículo 368 del Código Penal, que castiga con un mínimo de tres años de cárcel el tráfico de droga a pequeña escala, como la venta de una sola papelina de droga. La reforma pretende corregir la desproporción de esa pena y sus efectos más indeseados, en especial la imposibilidad de suspender la condena de quienes, en muchos casos, son drogodependientes que sufragan con esa actividad delictiva su adicción y a quienes se les corta de raíz la posibilidad de rehabilitarse si la única alternativa es su ingreso inmediato en prisión.

La propuesta del Supremo al Gobierno es rebajar a dos años la actual pena mínima de tres o, como alternativa, facultar a los tribunales para imponer la pena inferior en grado, atendiendo a la gravedad del hecho delictivo y a las circunstancias penales del culpable. Eso permitiría suspender la condena de los no reincidentes y facilitar su acceso a programas de deshabituación si son drogodependientes. Se trata de una propuesta razonable, que tiene el aval de una larga experiencia en el tratamiento penal de las diversas formas de narcotráfico, y que merece ser tenida en cuenta por la comisión que prepara la reforma del Código Penal prevista para 2006.

El rigorismo penal, sobre todo si es indiscriminado,es especialmente injusto en el caso del narcotráfico,pues no se puede tratar igual al gran mercader que al pequeño. Estos últimos constituyen el grueso de la población reclusa por delitos vinculados con la droga, aproximadamente una cuarta parte de los más de 61.000 presos actuales. A este rigorismo ha contribuido el Supremo en los últimos años con la aplicación del criterio de la "dosis mínima psicoactiva" o cantidad a partir de la cual la droga surte efecto en el organismo. El exclusivo criterio cuantitativo se ha convertido en referencia doctrinal de obligado seguimiento por el resto de los tribunales. Esa orientación, que también debe ser cambiada, ha convertido al consumidor en traficante, con la posibilidad de pasar tres años en la cárcel.

quinta-feira, 3 de novembro de 2005

Austeridade ou “luta contra os privilégios”

«Só que o governo e em particular Sócrates, introduziu um irritante muito especial, nos conflitos sociais. E não havia necessidade nenhuma de o introduzir, porque parece bom para o governo, mas é mau para nós todos. Para isolar a contestação às suas medidas de contenção e ganhar a opinião pública, apresentou-as como instrumentos de combate aos “privilégios e mordomias”, como medidas igualitárias, contra meia dúzia de privilegiados.
Conseguiu o que queria: ter a opinião pública consigo, tornando as greves e manifestações impopulares. Só que gerou outro efeito que pode passar despercebido, mas que a prazo se verá corno sobrelevará a impopularidade circunstancial das medidas — radicalizou a contestação classe a classe, grupo profissional a grupo profissional muito para além do que seria necessário. Transformou uma incomodidade e uma dificuldade numa irritação que o isolamento das corporações ainda mais atiça.
Se tivéssemos uma comunicação social menos situacionista, a amplitude e veemência dos conflitos, o tamanho das manifestações seria um sinal de alarme. Só que, como os grevistas e manifestantes não têm consigo a opinião pública, toda a máquina do consenso governamental funciona contra eles e rádios, jornais, televisões podem dar-se ao luxo de ocultar a amplitude do movimento. Outro dia vi uma enorme manifestação na rua, que me surpreendeu pelo número de manifestantes, mas debalde a procurei nos noticiários de televisões e rádios. Claro que o que o governo fez foi deitar achas no sempre popular e demagógico igualitarismo, sem cuidar que talvez as pessoas aceitassem melhor as medidas de contenção se elas fossem justificadas apenas como medidas de austeridade num momento difícil, onde se exige o esforço de todos. Não haveria assim uma humilhação profissional evitável.
Mas o governo na ânsia de popularidade foi mais longe, tratou-as de “privilégios”, esquecendo que cm muitos casos essas medidas foram contrapartidas de outras e foram benesses do Estado, nas quais há muita responsabilidade dos principais partidos de govcrno O que hoje existe não é difícil de entender, Na cultura cívica dos portugueses o igualitarismo é muito forte, o que aliás é típico dos países pobres. Logo, todos os portugueses se levantam em uníssono a clamar que todos sejam iguais e contra os malvados dos privilegiados, enquanto que cada um, em particular e no seu grupo profissional, defende com unhas e dentes o seu direito a ser desigual. Nada que não venha nos livros. Atiçando este caldeirão, o governo tem a opinião pública (e a comunicação social) com ele, e está todo contente e pode prometer a maior firme7.a. Só que chegará a altura em que para progredirmos, para andarmos para a frente, temos mesmo dc ser diferentes, e o governo, se chegar a essa fase, perceberá como deitou fora o menino e a água do banho. »

Pacheco Pereira - SÁBADO - 28NOV05

"Eles" estão entre nós e usam beca...

O advogado Marinho Pinto tomou-se no exorcista de serviço às TV, para esconjurar os demónios que se acoitam nos corredores da justiça a atazanar arguidos, queixosos, testemunhas e advogados. Cabe-lhe a honra de ter sido o único a aperceber-se de que a beca é o disfarce ideal para o Mafarrico (pois lhe pois lhe permite esconder a cauda sem levantar suspeitas). As televisões pelam-se por personagens destas, capazes de impedir qualquer debate de resvalar para a monotonia própria das discussões sérias. No momento certo, o moderador pronuncia as palavras mágicas “juiz” ou “magistrado” e desencadeia uma sucessão vertiginosa de reacções pavlovianas no advogado Pinto, que começa a agitar-se na cadeira balançando o tronco para a frente e para trás e pondo e tirando os óculos de ver ao perto, até arrancar como uma locomotiva a vapor, no meio de nuvens de fumaça e chinfrineira de ferragens, investindo contra as Torres Gémeas do eixo do mal, a Magistratura Judicial e a Magistratura do Ministério Público, culpando-as de todos as desgraças que afligem a Humanidade, do buraco do ozono ao pé de atleta e à queda do cabelo. O país precisa de gente de tal têmpera, de gente, como o advogado Pinto ou como Jardim, que no se cala (o problema é justamente esse, calá-los...)

Manuel António Pina - POR OUTRAS PALAVRAS - JN 31OUT05

quarta-feira, 2 de novembro de 2005

Exercício de funções públicas por aposentados

Decreto-Lei n.º 179/2005 (DR 210 SÉRIE I-A de 2005-11-02) – Ministério das Finanças e da Administração Pública: Altera os artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, definindo as condições de exercício de funções públicas ou de trabalho remunerado por aposentados, em quaisquer serviços do Estado, pessoas colectivas públicas ou empresas públicas.

DEPOIS DA GREVE. CONTRIBUTO PARA A REFLEXÃO.

1. A forte adesão à greve realizada por juízes e magistrados do Ministério Público nos dias 24 a 27 de Outubro foi, na minha leitura, um importante sinal de protesto contra uma política de afrontamento indiscriminado dos profissionais que exercem funções nos tribunais, podendo ter contribuído para a abertura do caminho à compreensão de que só pelo diálogo se podem mobilizar aqueles de quem depende o funcionamento do sistema de justiça para as profundas reformas de que necessita.
2. Contudo, no processo que acabou por conduzir à convocação da greve foram cometidos erros que não seria bom varrer para debaixo do tapete, até porque só identificando-os e debatendo-os será possível encarar o futuro de forma diferente.
3. Na minha perspectiva, foram quatro os erros cometidos pelo movimento associativo de magistrados: ter-se deixado fazer refém da agenda política do Governo, respondendo sempre e da forma por este esperada a cada nova acha que era lançada para alimentar o discurso do “combate aos privilégios”; a opção, desde início, por formas de reacção que sublinham o estatuto de funcionário dos magistrados; o menosprezo pela necessidade de esclarecimento dos cidadãos, tendo a comunicação sido desenvolvida quase exclusivamente para o ”interior do conflito”; e a secundarização da reflexão, debate e divulgação sobre o diagnóstico e as necessárias reformas da justiça.
4. Penso que, neste momento, há que continuar a procurar, pela via da negociação, o reequilíbrio possível entre estatuto sócio-profissional e deveres e incompatibilidades estatutários. Quanto ao Governo, seria a altura de, nesta matéria, avançar no cumprimento do seu programa, abrindo o debate sobre “a consagração do princípio da carreira plana dos magistrados judiciais e do Ministério Público, permitindo uma progressão profissional não condicionada pelo grau hierárquico dos tribunais e conferindo maior liberdade de escolha dos magistrados segundo critérios de competência e vocação profissional” (do programa do Governo para a área da justiça).
5. Mas o combate central deverá ser o da implementação das medidas necessárias à resolução dos problemas de funcionamento do sistema de justiça do ponto de vista da satisfação dos direitos dos cidadãos, que terá de ser também um exercício de autocrítica.
6. E parecem-me pertinentes os seguintes alertas: a crítica pública à prática judiciária não nos pode inibir de participar de pleno direito no debate sobre a justiça, nem a autocrítica deve transformar-se num auto-flagelo; a tentação de enfatizar factos marginais à actual política para o sector da justiça para a desacreditar pode ter efeitos contrários aos esperados; o enquistamento nas questões sócio-profissionais distrai as atenções da política de justiça propriamente dita e subestima a urgência da participação nesse debate.
7. Olhando para o sistema de justiça como cidadão e como magistrado do Ministério Público, entendo serem questões centrais que devem merecer atenção:
- O(s) processos(s) de ingresso na magistratura, o plano de formação desenvolvido pelo Centro de Estudos Judiciários, a formação contínua, a formação especializada e sua relação com a carreira profissional;
- A modernização do processo e dos métodos de trabalho e condições de funcionamento dos tribunais, associada a uma reorganização da estrutura judiciária e à qualificação e transparente gestão de recursos humanos;
- O funcionamento dos Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público e o cabal cumprimento das suas atribuições constitucionais e legais;
- A lei de definição da política criminal e todas as questões respeitantes à sua filosofia e execução;
- A ponderação sobre as condições existentes e as necessárias para uma efectiva afirmação do interesse público na actividade judiciária, representado pelo Ministério Público, particularmente nas áreas penal e administrativa.

Este é o meu contributo para o debate que, após a greve, tem de ser organizado de forma ampla e participada.