segunda-feira, 31 de outubro de 2005

quarta-feira, 26 de outubro de 2005

UM DIREITO PENAL DE EXCEPÇÃO

Com este título, um dos textos da secção de Apontamentos do último número (53, de Julho de 2005) da revista Jueces para la Democracia (Informacion y Debate), a propósito das propostas de legislação de excepção que estão em debate na Inglaterra na sequência dos atentados terroristas e da renovação recente, nos Estados Unidos da América, da Lei Patriótica, aborda os seguintes traços da actualidade do direito penal e processual penal:
"El derecho penal sustantivo ha respondido a las innovaciones científicas implantando los tipos penales de riesgo, que pronto se han ido apoderando de nuestro texto punitivo. De modo que la anticipación punitiva es uno de los rasgos que mejor definen la situación del ordenamiento penal en la actualidad, frente a los sistemas causalistas de corte clásico. En una sociedad que respira incertidumbre por todos sus poros por hallarse el riesgo profundamente incrustado en la propria cultura de la productividad, del ocio e del consumo, se busca dar tranquilidad y seguridad al ciudadano con un derecho penal simbólico centrado en la punición del mero peligro.
Tales pautas se han transmitido también al ámbito procesal implantando un derecho cautelar invasivo que restringe la libertad del ciudadano en cuanto aparece cualquier vestigio de un futuro delito en el horizonte. Y así, se ha endurecido el régimen de la prisión provisional, pasando de ser sólo una medida cautelar ocasional que garantiza la presencia del imputado en el juicio, a una posible medida de seguridad que puede aplicarse cuando únicamente concurre el mero riesgo de que el imputado pueda cometer otros delitos mientras que se sustancia el proceso. Asimismo, se implantan medidas cautelares restrictivas de liberdad ante qualquier nimio incidente familiar que permita atisbar a largo plazo una reacción violenta del cónyuge infractor. Y también, como se ha argumentado, se instaura un derecho procesal excepcional para neutralizar el poder mortífero que los avances técnicos han puesto en manos de los grupos terroristas.
Se assiste, pues, también en el ámbito procesal a un incremento de la aplicación del castigo antes de que se pruebe el hecho delictivo y la autoría. Se pretende con ello paliar la sensación de inseguridad del ciudadano con medidas cautelares talionales que desplazan a un segundo plano la relevancia del juicio y las exigencias garantistas que impone una sentencia firme. Se penaliza así la probabilidad o la mera posibilidad de la ejecución del hecho delictivo y no su constatación mediante un juicio en toda regla".
E conclui, de forma porventura demasiado optimista quanto às opções futuras:
"A tenor de lo que antecede, quizá más que reformas procesales con nocivos efectos rebote y con escasa eficacia para los fines que se pretenden alcanzar, ha llegado el momento de reordenar la escala de valores y de proyectar y realizar transformaciones culturales de fondo que permitan atajar el pánico que nos invade y esa especie de locura colectiva que se avecina".

domingo, 23 de outubro de 2005

Constitucionalista diz que é preciso aprofundar esquemas de transparência e combate à corrupção

Canotilho defende revisão profunda da Constituição


O constitucionalista Joaquim Gomes Canotilho defende a necessidade de uma "profunda revisão constitucional", mas de sentido diferente ao que "se anda a agitar no dia-a-dia nos jornais", como é a questão dos poderes do Presidente da República.

"Eu penso que há problemas de organização do poder político, mas que não são estes que são agitados", afirmou ao PÚBLICO, antecipando uma intervenção que fará em breve no Porto. Em seu entender, o que necessita de intervenção são questões ligadas sobretudo à fiscalização do Estado. "É preciso aprofundar a ideia da transparência das instituições, introduzir esquemas de combate eficaz à corrupção. É todo um conjunto de esquemas que hoje fazem parte da chamada "excelência da governação" que não está a ser introduzida no país", advoga.

Um dos instrumentos que o professor de Coimbra considera essencial ser transportado para o aparelho de Estado é o controlo de avaliação das instituições. "É um controlo que está a ser experimentado em tudo, que as empresas privadas têm, que está em curso nas Universidades, mas que devia ser alargado a todos os sectores do Estado, inclusive do Governo", defende. "O engenheiro Sócrates anda a dizer que ele próprio devia ser avaliado [enquanto primeiro-ministro], mas isso deve ser feito com esquemas mais profundos, mais institucionais e formais", considera.

A "excelência da governação", especifica, passa pela consagração da ideia da responsabilidade, de avaliação das instituições, da comparabilidade das instituições. Em termos de avaliação e responsabilidade no sistema actual, dá como exemplo o sector da Justiça: "O juiz presta contas a alguém? E o procurador? Quem é que responde perante o povo", questiona. Para defender que "temos de inovar, introduzindo um sistema de perguntas que há no sistema americano. Cá está uma dimensão presidencialista".

No próprio aparelho de Estado, Gomes Canotilho considera que é preciso mexer tanto a nível central como local e regional, desde o regime de financiamento das autarquias aos objectivos do Conselho de Estado. "O Parlamento não precisa de um staff melhor para exercer as suas funções de controlo, mesmo que seja à custa da diminuição do número de deputados?", interroga. Para afirmar que "há uma série de tópicos que é preciso agitar para renovar verdadeiramente a organização do sistema político".


Não é preciso revisão dos poderes do Presidente

Do que a Constituição não precisa, segundo Gomes Canotinho, é de revisão dos poderes do Presidente da República (PR). "Tudo o que se tem falado para Portugal está testado na França e as conclusões muitas vezes vão em sentido contrário às que estão a ser agitadas na imprensa portuguesa", afirmou ao PÚBLICO. Por exemplo, a possibilidade de o PR participar no Conselho de Ministros - que deixou de ser possível em Portugal a partir de 1982 -, "é precisamente o problema do regime francês, onde o PR tem esse poder, bem como o de dinamizar duas pastas, (as política externa e a segurança e defesa), o que tem dado imensos problemas de coabitação".

"É óbvio que o sistema que temos não é fácil, porque é um sistema de equilíbrio, mas o que me parece é que, depois dos testes e das revisões todas, há um certo equilíbrio e o problema está na "sagest" do Presidente: como é que ele interpreta os dados, como se relaciona com o Governo e com a Assembleia, como é que vê os problemas do país", afirma Canotilho. "Mas para isso não há códigos nem regras, depende muito do contexto e da sabedoria do PR", remata.

Por Leonete Botelho, no Público de hoje

A derrocada

Numa guerra aberta sem precedentes, terá lugar, na semana que ora se inicia, a maior manifestação de sempre contra o Governo por parte da Justiça, que não promete parança. Depois da implosão, ficarão os escombros da anomia. E uma tarefa sumamente árdua para o próximo Presidente da República.
Oxalá tenha força e vigor para a "super" empreitada.

Casa da Suplicação XLXI

abeas Corpus — providência excepcional — tráfico de droga — declaração de especial complexidade — transito em julgado parcial — cumprimento de pena

1 ― O habeas corpus, tal como o configura a lei (art. 222.º do CPP), é uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, que tem, em sede de direito ordinário, como fundamentos, que se reconduzem todos à ilegalidade da prisão (art. 222.º do CPP), que deve ser actual, actualidade reportada ao momento em que é apreciado aquele pedido.

2 – Esta providência funciona como remédio excepcional para situações em si mesmas também excepcionais, na medida em que se traduzam em verdadeiros atentados ilegítimos à liberdade individual das pessoas, só sendo por isso de utilizar em casos de evidente ilegalidade da prisão.

3 – Tratando-se de crimes a que alude o n.º 1 do art. 54.º do DL n.º 15/93, os prazos de prisão preventiva elevam-se nos termos do n.º 3 do art. 215.º do CPP, independentemente de declaração judicial que reconheça a especial complexidade (Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.° 2/2004, de 11-2-2004 (DR IS-A, n.° 79, de 2-4-2004).

4 – Em relação aos arguidos não recorrentes para o Supremo Tribunal de Justiça têm-se por transitado parcialmente em julgado o acórdão condenatório recorrido, pelo que se devem considerar os mesmo em cumprimento de pena.

Ac. do STJ de 20.10.2005, Proc. n.º 3365/05, Relator: Cons. Simas Santos

Abuso de confiança — suspensão da pena — condição da suspensão da execução da pena

1 - Não é razoável condicionar a suspensão da execução da pena ao pagamento de uma quantia que excede o vencimento mensal da arguida para amortização da indemnização devida pelos prejuízos causados com a prática do crime de abuso de confiança agravado, mas já estará perfeitamente enquadrada nas suas possibilidades daquela o pagamento de uma quantia idêntica à do seu vencimento

2 - Tal quantia não faz repercutir de forma indevida sobre o agregado familiar o cumprimento da referida condição, pois que só o vencimento da arguida fica afectado e, por outro lado, há que contar com a medida do seu enriquecimento, pois pelo menos o património da arguida foi indevidamente enriquecido com a avolumada quantia de que se apropriou.

Ac. do STJ de 20.10.2005, proc. n.º 2111-05 – 5ª , Relator: Cons. Rodrigues da Costa

Matéria de facto — poderes do Supremo Tribunal de Justiça — silêncio do arguido — tráfico de menor gravidade — medida da pena

1 − Como é jurisprudência pacífica e constante, não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça, em recurso de revista conhecer da questão de facto, designadamente quando já teve lugar recurso para a Relação que dela conheceu definitivamente, mesmo se o recorrente invoca os vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP, que o Supremo Tribunal de Justiça só conhece oficiosamente e não enquanto fundamentos do recurso.

2 − Um arguido que mantém o silêncio em audiência, não pode ser prejudicado, pois não é obrigado a colaborar e goza da presunção de inocência, mas prescinde assim de dar a sua visão pessoal dos factos e eventualmente esclarecer determinados pontos de que tem um conhecimento pessoal. Daí que quando tal suceda não possa pretender que foi prejudicado pelo seu silencia.

3 − O privilegiamento do crime de tráfico de estupefacientes dá-se, não em função da considerável diminuição da culpa, mas em homenagem à considerável diminuição da ilicitude da conduta, que se pode espelhar, designadamente:

– Nos meios utilizados;

– Na modalidade ou nas circunstâncias da acção;

– Na qualidade ou na quantidade das plantas, substâncias ou preparações.

4 − Não ocorre tráfico de menor gravidade quando se traficam quantidades significativas de heroína e cocaína, durante um dilatado período de tempo, vendendo directamente ao consumidor mas também a outros vendedores.

5 − É susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação. A questão do limite ou da moldura da culpa está plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.

Ac. do STJde 20.10.2005, proc. n.º 2939/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

Furto qualificado — modo de vida

1 - Tendo o arguido praticado 7 crimes de furto num espaço de tempo muito pequeno – um espaço de pouco mais de três meses – tal não permite a largueza suficiente para se concluir que ele fez do crime de furto modo de vida, muito embora a prática repetida de vários crimes de furto seja um dos elementos a considerar para alicerçar esse juízo.

2 - Por outro lado, não estando provado que o arguido viveu à custa desses furtos, ao menos parcialmente (isto é, em regime de part time), sabendo-se, isso sim, que ele estava dependente de heroína e que alimentou parte do seu vício com os furtos praticados, uma tal situação pode mais facilmente remeter para «um acto de desespero» momentâneo, do que propriamente para um esquema de vida, uma opção que ele tenha feito para viver à custa dos proventos assim obtidos.

3 - Os furtos por ele praticados poderiam vir mais por «pressão» do vício - e é o mais normal que assim seja – do que por um modo de vida, que implica sempre uma opção no sentido de estruturar a vida quotidiana, total ou parcialmente, na prática desses actos ilícitos, como forma de angariar os «proventos necessários à vida em comunidade». Tal implica, de facto, uma estabilidade, no sentido de regularidade e permanência, ainda que essa prática não tenha durado por um grande lapso de tempo.

Ac. do STJ de 30.10.09.2005, Proc. n.º 2030/04 – 5, Relator: Cons. Rodrigues da Costa

Tráfico de estupefacientes — “correio” de droga — Jovem delinquente — Atenuação especial da pena

1 - O regime penal especial para jovens delinquentes não é de aplicação automática, devendo o Tribunal de equacionar a sua aplicação ao caso concreto se o agente tiver aquela idade. O Tribunal deve começar por ponderar a gravidade do crime cometido, aferida pela medida da pena aplicável, e , depois, só deverá aplicar a atenuação especial a jovens delinquentes quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.

2 - Por isso, haverá que apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes

3 - Se a arguida tem apenas 20 anos de idade, é delinquente primário, confessou os factos integralmente e sem reservas, está arrependida e estava desempregada ao tempo dos factos (introdução em Portugal por via aérea de cerca de 2 kg em Portugal), apesar da gravidade da sua conduta é de atenuar especialmente a pena, como jovem delinquente e aplicar a pena de 3 anos e 6 meses de prisão.

Ac. do STJ de 20.10.2005, Proc. n.º 2966/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

Tráfico de estupefacientes — escutas telefónicas — fundamentação (meios de prova) — medida da pena

1 - Tendo o Tribunal da Relação concluído que o respectivo juiz de instrução se não se circunscreveu a um papel de mero «tabelionato» no controle das escutas telefónicas, pois não só as ordenou como as seguiu segundo um processo que ficou descrito na decisão da Relação, em que avulta o facto de aquele juiz ter ordenado as respectivas transcrições na parte que interessava, depois de se certificar do seu conteúdo, nomeadamente através da audição dos respectivos CD-RM, mandando desmagnetizar as que não interessavam e tendo essas operações sido efectuadas com indicação pela entidade policial das passagens das gravações consideradas relevantes para a prova, nenhuma nulidade foi cometida, tendo em vista os números 1 e 2 do art. 188.º do CPP.

2 - É de concluir como estando enunciadas as razões de necessidade das intercepções telefónicas na inventariação dos passos que levaram à autorização daquelas, em que avulta o facto de haver fortes suspeitas de que os arguidos, nem todos identificados, se dedicavam ao tráfico, escondendo a droga num local ainda não determinado e usando como veículo privilegiado do contacto entre eles o telefone móvel, havendo, assim, razões para crer na especial operatividade desse meio de prova.

3 - Não tendo sido anuladas as escutas telefónicas e as provas delas dependentes e desse modo ficando de pé, intacta, toda a prova mais relevante em que assentou a decisão de facto, não interessaria que o tribunal «a quo» se debruçasse sobre cada um desses meios de prova, sendo bastante a remissão para a fundamentação da convicção do tribunal da 1ª instância com a invocação sumária do sentido que se colhia de todas as provas produzidas, quer as imediatamente resultantes das escutas telefónicas e consubstanciadas nas respectivas transcrições, quer as outras provas para além dessas e que terão resultado, em grande parte, das primeiras.

4 - Sendo a pena aplicada tangente ao limite mínimo exigível para dar satisfação às expectativas comunitárias de reafirmação da norma jurídica violada, é completamente irrealista o seu abaixamento para um limite muito próximo do mínimo abstracto da moldura penal, de mais a mais tendo havido um duplo grau de jurisdição e sendo os poderes de cognição do STJ nesta matéria do quantum da pena limitados à verificação da violação das regras da experiência ou da desproporção evidente da quantificação efectuada.

Ac. do STJ de 06.10.2005, proc. n.º 1266/05–5, Relator: Cons. Rodrigues da Costa

Rejeição do recurso — manifesta improcedência

É manifestamente improcedente o recurso quando é clara a sua inviabilidade, quando no exame necessariamente perfunctório a que se procede no visto preliminar, se pode concluir, face à alegação do recorrente, à letra da lei e às posições da jurisprudenciais sobre as questões suscitadas, que aquele recurso está votado ao insucesso. O que sucede quando o recorrente impugna a pena concretamente aplicada e que se situa junto do limite mínimo da respectiva moldura e pede a fixação de uma pena de 3 anos suspensa na sua execução, quando aquele limite mínimo é de 4 anos.

Ac. do STJ de 20.102005, Proc. n.º 2886/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

quinta-feira, 20 de outubro de 2005

Tribunal Constitucional

  • Acórdão n.º 351/2005 – DR 202 SÉRIE II de 2005-10-20: Julga inconstitucional, por violação dos artigos 13.º, n.º 2, e 26.º, n.º 1, da Constituição, a norma do artigo 175.º do Código Penal, na parte em que pune a prática de actos homossexuais com adolescentes mesmo que não se verifique, por parte do agente, abuso de inexperiência da vítima e na parte em que na categoria de actos homossexuais de relevo se incluem actos sexuais que não são punidos nos termos do artigo 174.º do mesmo Código.
  • Acórdão n.º 356/2005 – DR 202 SÉRIE II de 2005-10-20: Nega provimento a recurso de decisão judicial que recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, da norma decorrente dos artigos 339.º, n.º 4, e 358.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, ambos introduzidos pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, quando interpretada no sentido de que é admissível qualquer alteração desfavorável da qualificação jurídica da acusação na audiência de julgamento que implique o agravamento da moldura penal do crime ou dos crimes imputados ao arguido ou a imputação de novos crimes com base em mera comunicação prévia da alteração ao arguido pelo tribunal e, quando requerido, a concessão de tempo de defesa.
  • Acórdão n.º 358/2005 – DR 202 SÉRIE II de 2005-10-20: Não julga inconstitucionais as normas dos artigos 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 86/2004, de 17 de Abril.
  • Acórdão n.º 359/2005 – DR 202 SÉRIE II de 2005-10-20: Nega provimento a recurso em que se suscita a inconstitucionalidade do trecho do artigo 442.º, n.º 2, do Código Civil, que prevê a opção pelo chamado "valor da coisa" ("[...] ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre elas, determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago").

PT e Concorrência: Estado português condenado pelo Tribunal de Justiça

No Acórdão de hoje decidiu-se:

Ao não assegurar a transposição do artigo 4.°‑D da Directiva 90/388/CEE da Comissão, de 28 de Junho de 1990, relativa à concorrência nos mercados de serviços de telecomunicações, na redacção que lhe foi dada pela Directiva 96/19/CE da Comissão, de 13 de Março de 1996, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem.

sexta-feira, 14 de outubro de 2005

REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Já se encontra em distribuição o n.º 103 da Revista do Ministério Público.
O ÍNDICE pode ser consultado aqui.

quarta-feira, 12 de outubro de 2005

Um anteprojecto

1. Lê-se no site do Ministério da Justiça que “REFORMA PENAL JUNTA ESPECIALISTAS”, isto a propósito de uma primeira reunião da Unidade de Missão para a Reforma Penal, coordenada por Rui Pereira, que teve lugar no passado dia 3 de Outubro, para análise do anteprojecto da lei-quadro da política criminal. Os “especialistas” terão sido uma amálgama de representantes do Gabinete do Ministro, Conselho Superior da Magistratura, Conselho Superior do Ministério Público, Ordem dos Advogados, Polícia Judiciária, Centro de Estudos Judiciários, Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, Instituto de Reinserção Social, Instituto Nacional de Medicina Legal, Gabinete para as Relações Internacionais, Europeias e de Cooperação, Gabinete de Política Legislativa e Planeamento, PSP e GNR. Desconhecem-se os critérios que presidiram à escolha desses “representantes” e quais os currículos que os ornamentam.

2. O anteprojecto da chamada “lei-quadro da política criminal”, sobre que se debruçam tais “especialistas”, parte da constatação de que «nem todos os crimes acabam por ser punidos, até por causa da limitação dos recursos disponíveis», e parece apostado sobretudo em «não permitir a manipulação de processos concretos» ou, por palavras mais eufemistas, em «definir prioridades na investigação criminal e no exercício da acção penal», através do estabelecimento, bienalmente, de «objectivos, prioridades e orientações, tendo em conta, em cada momento, as principais ameaças aos bens jurídicos protegidos pelo direito penal» e, no que respeita à chamada pequena criminalidade, através da «formulação de orientações genéricas […] sobre a suspensão provisória do processo, o arquivamento em caso de dispensa de pena, o processo sumaríssimo e o julgamento por tribunal singular de processos por crimes puníveis com pena de prisão superior a cinco anos».
Muito embora o anteprojecto proclame o respeito pelo princípio da legalidade e pela independência dos tribunais, e até pela autonomia do Ministério Público, não deixa de salientar que «o seu destinatário é o Ministério Público, enquanto titular da acção penal, uma vez que dele depende a iniciativa de recorrer aos chamados mecanismos de oportunidade». Isto apesar de reconhecer que as “orientações” dirigidas ao Ministério Público «não estão dotadas de força obrigatória geral e não vinculam os tribunais».
Esta iniciativa do Governo de «apresentar a proposta de objectivos, prioridades e orientações» assumirá a forma de proposta de resolução a apresentar à Assembleia da República e, depois de aprovada, vinculará, para além desta, o Governo, o Ministério Público, na qualidade de “co-responsável pela execução da política criminal”, e “todos os órgãos de polícia criminal que têm o dever funcional de o coadjuvar”. Esta vinculação «estende-se do plano da estrita prevenção, pré-processual, ao domínio da instauração do processo e da condução do inquérito, abrangendo a concomitante investigação criminal». E o Procurador-Geral da República, «a quem compete emitir as directivas, ordens e instruções destinadas a fazer cumprir as resoluções», apresentará «ao Governo e à Assembleia da República um relatório sobre a sua execução, as dificuldades experimentadas e os modos de as superar». A Assembleia da República, por sua vez, «pode dirigir ao Governo recomendações sobre a execução da política criminal».

3. Este Anteprojecto, redigido numa linguagem elíptica e protésica, suscita, numa primeira abordagem, algumas perplexidades e interrogações.
Desde logo, a confusão que estabelece entre um problema prático de gestão de meios e definição de prioridades, próprio de qualquer serviço público, com uma questão impropriamente chamada de política criminal, que V. Liszt define como «conjunto sistemático dos princípios fundados na investigação científica das causas do crime e dos efeitos da pena, segundo os quais o Estado deve levar a cabo a luta contra o crime por meio da pena e das instituições com esta relacionadas», e F. Dias, em palavras mais singelas, mas não menos expressivas, como «a definição das estratégias de controle social do fenómeno da criminalidade, cujas quotas aumentam por todo o lado». Como é bem de ver, o que está na preocupação do Governo, na elaboração desde anteprojecto, é, perante e a pretexto da constatação de uma incapacidade de lutar eficazmente contra o crime, mais a preocupação de «não permitir a manipulação de processos concretos» (vá-se lá saber porquê e com que razões concretas), o que nada tem a ver com a definição de uma adequada e séria política criminal.
Depois, muito embora se afirme piamente que «a autonomia do Ministério Público, consagrada nos termos do n.º 2 do artigo 219.º da Constituição, é salvaguardada por não poderem ser emitidas directivas, ordens ou instruções referentes a processos determinados, seja pelo Governo seja pela Assembleia da República» (era o que faltava! nem no tempo de Salazar isso acontecia!), haverá forma mais descarada de atentar contra a autonomia do Ministério Público do que esta preconizada fixação de “objectivos, prioridades e orientações” para, verdadeiramente, obstar a uma alegada e pretensa “manipulação de processos concretos”, por parte, entenda-se, do Ministério Público?
Estabelece-se uma obrigação de o Procurador-Geral da República, no termo de cada ciclo de dois anos, apresentar ao Governo e à Assembleia da República um relatório sobre a execução daqueles “objectivos, prioridades e orientações”, as dificuldades experimentadas e os modos de as superar. Mas não é que o Procurador-Geral da República não elabora e publica já um relatório anual onde, bem ou mal, dá conta de toda a actividade desenvolvida pelo Ministério Público e onde aponta as dificuldades (crónicas) experimentadas e os modos de as superar? O que é preciso é que alguém o leia, particularmente os sucessivos governos, o analise e dele retire as necessárias consequências, deixando de continuar a fazer ouvidos de mercador e empenhando-se em dotar as instituições de investigação e acção penal dos necessários recursos humanos e materiais. Ou será que, agora, com este novo relatório, tudo se vai resolver a contento duma boa administração da justiça penal?
No articulado do anteprojecto consta uma norma do seguinte teor: O Ministério Público, nos termos do respectivo estatuto, e os órgãos de polícia criminal, de acordo com as correspondentes leis orgânicas e as directivas, ordens e instruções do Governo, assumem os objectivos e cumprem as prioridades e orientações constantes das resoluções sobre política criminal e afectam aos processos por crimes a que estas se reportam os recursos humanos e materiais necessários. Quanto à afectação de recursos humanos e materiais, tudo bem; mas quanto às “directivas, ordens e instruções do Governo” a pretexto de uma impropriamente chamada política criminal, ou seja, quanto à actuação dos órgãos de polícia criminal no âmbito do processo penal, tudo mal. É que assim dá-se uma machadada mortal na orientação e dependência funcional dos órgãos de polícia criminal a cargo do Ministério Público no processo penal, desvirtuando-se uma das pedras de toque do vigente Código de Processo Penal.

4. Este anteprojecto representa um ataque descabelado à autonomia do Ministério Público, constitucionalmente consagrada, e uma tentativa de menorização e domesticação desta magistratura. E parece constituir mais um passo na senda seguida pelo actual Governo de desmoronamento do já frágil e periclitante sistema de justiça que temos, sem que se vislumbre algo de novo e diferente a ser construído em sua substituição.
Melhor seria que os nossos responsáveis pela política criminal restabelecessem canais de diálogo e cooperação com a Procuradoria-Geral da República, para além das outras instituições judiciárias, na busca de soluções mais eficazes e eficientes. As prioridades, essas sim, de política criminal certamente que surgiriam, sem grande esforço, naturalmente e em ambiente de harmonia institucional.
O país teria a ganhar com isso e a esperança de tempos melhores no mundo da justiça talvez começasse a ganhar alento. O resto é passagem, e dos fracos não reza a história.

Fixação de Jurisprudência - Recurso de matéria de facto - Prorrogação do prazo de interposição

O Supremo Tribunal de Justiça, fixou na sessão de 11 de Outubro de 2005, no processo n.º 3127/04, Relator: Cons. Heneriques Gaspar, a seguinte jurisprudência:
.
«Quando o recorrente impugne a decisão em matéria de facto e as provas tenham sido gravadas, o recurso deve ser interposto no prazo de quinze dias, fixado no artigo 411º, nº 1 do Código de Processo Penal, não sendo subsidiariamente aplicável em processo penal o disposto no artigo 686º, nº 6 do Código de Processo Civil».

O direito dos juízes à greve

Por Octavio Castelo Paulo, com José Rodrigues da Silva, António Ferreira Girão, Soreto de Barros, Bettencourt Faria, Noronha Nascimento, OrlandoAfonso, Afonso Henrique Ferreira, antigos presidentes e secretários-gerais da ASJP, no Público de hoje:

A greve dos juízes é possível não porque sejam titulares de órgãos de soberania, mas porque o exercício dessa titularidade tem na base uma carreira profissional a que se ascende por concurso público

(Continuar a ler aqui, para quem for assinante da edição on line do Público)

terça-feira, 11 de outubro de 2005

Casa da Suplicação XLX

Apreciação de recurso pelo Supremo Tribunal de Justiça — envio oficioso pelo Tribunal recorrido — Inexistência de recursos interpostos
1 – Se o Supremo Tribunal de Justiça anula a decisão da Relação, quanto à questão de facto e julga prejudicado o conhecimento das questões de direito suscitadas em recurso para si interposto, e a Relação renova a decisão sobre a questão de facto e mantém a decisão anterior no restante, quem quer ver reapreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça as questões decididas na decisão anterior da Relação tem de interpor novo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
2 – Se o não fez, mesmo que a Relação tenha ordenado: «Transitado este acórdão devolva os autos ao Supremo Tribunal de Justiça face ao recurso interposto pelas arguidas (fls. 2076 a 2080)», o Supremo Tribunal de Justiça não pode conhecer desses recursos.
3 – Esses recursos já haviam sido apreciados pelo Supremo Tribunal de Justiça que anulou a decisão parcialmente e os julgou prejudicados no restante e este Tribunal não reaprecia decisões enviadas oficiosamente pelo tribunal a quo.
4 – Depois, tendo a Relação mantido a decisão anterior, com trânsito em julgado, não pode agora ser modificada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Ac. do STJ de 11.10.2005, proc. n.º 4716/04-5, Relator: Cons. Simas Santos

segunda-feira, 10 de outubro de 2005

Encontro

Revista do Ministério Público
25 anos


21 de Outubro


Hotel Holliday Inn Lisbon Continental
Rua Laura Alves, n.º 9, Lisboa

Programa e Ficha de Inscrição (para jantar)

Legislação do dia (selecção)

Lei n.º 52-A/2005. DR 194 SÉRIE I-A 1º SUPLEMENTO de 2005-10-10 – Assembleia da República: Altera o regime relativo a pensões e subvenções dos titulares de cargos políticos e o regime remuneratório dos titulares de cargos executivos de autarquias locais

Tribunal Constitucional

  • Acórdão n.º 242/2005 – DR 194 SÉRIE II de 2005-10-10: Nega provimento a recurso em que se suscita a inconstitucionalidade quer do n.º 1 do artigo 407.º [alínea i)] do CPP quer do n.º 2 do mesmo artigo, na interpretação segundo a qual não sobe imediatamente o recurso da parte da decisão instrutória respeitante a nulidades arguidas antes do despacho de pronúncia (na instrução e no debate instrutório), por não estar abrangido nas hipóteses recortadas naquele n.º 1 e a sua retenção não o tornar absolutamente inútil [Recentemente, o Acórdão de fixação de jurisprudência, do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 7/2004, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 2 de Dezembro de 2004, fixou a jurisprudência de que "sobe imediatamente o recurso da parte da decisão instrutória respeitante às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias e incidentais, mesmo que o arguido seja pronunciado pelos factos constantes da acusação do Ministério Público"].
  • Acórdão n.º 302/2005 – DR 194 SÉRIE II de 2005-10-10: Nega provimento a recurso em que se suscita a inconstitucionalidade, por violação dos princípios da tutela jurisdicional efectiva e da igualdade, consagrados, respectivamente, nos artigos 20.º, n.º 1, e 13.º da Constituição, da norma do artigo 24.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, na redacção do Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 de Novembro, quando interpretada em termos de não admitir o recurso para o pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo da decisão proferida por uma das suas subsecções, na parte em que, pela primeira vez, condena uma das partes como litigante de má fé.

Jurisprudência Constitucional: novo número acaba de sair

Acaba de sair o nº 5 da revista "Jurisprudência Constitucional", com o seguinte conteúdo:

La Corte in-politica
Gustavo Zagrebelsky

Anotações

"Indemnização por prisão preventiva injustificada" (Anotação ao
Acórdão TC n.º 12/2005)
Maria Paula Ribeiro de Faria

"Quando a Constituição cala, a Assembleia da República consente?
(sobre a prisão preventiva de deputado)" (Anotação ao Acórdão TC n.º
418/2003)
Carla Amado Gomes

"Criminalização de actos homossexuais com adolescentes" (Anotação ao
Acórdão TC n.º 247/2005)
Paulo Saragoça da Matta

"Suspensão do mandato do presidente de câmara candidato a eleições
legislativas (da importância da epígrafe ou a mesma norma, duas
epígrafes, duas soluções)" (Anotação ao Acórdão TC n.º 34/2005)
Jorge Miguéis

Informação de Jurisprudência - Tribunal Constitucional ( 2.º Semestre 2004)
Mário Torres, Cristina Máximo dos Santos e António Rocha Marques

É NO DIA 21 DE OUTUBRO O ENCONTRO QUE ASSINALA OS 25 ANOS DA REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

"A IMPORTÂNCIA DAS REVISTAS JURÍDICAS DAS ASSOCIAÇÕES DE MAGISTRADOS NO DESENVOLVIMENTO DO DIREITO E DA JUSTIÇA" é o tema do encontro que, no dia 21 de Outubro, vai assinalar os 25 anos da Revista do Ministério Público, e que terá lugar no Hotel Holliday Inn Lisbon Continental, situada na Rua Laura Alves nº 9, em Lisboa.

PROGRAMA:

17h

- A Revista do Ministério Pùblico (1980-2004)
Alberto Esteves Remédio, Procurador-Geral Adjunto, membro do Conselho de Redacção da RMP de 1995 a 2004

- Jueces para la Democracia (Espanha)
Perfecto Andrés Ibañez, Juiz do Tribunal Supremo de Espanha (Sala Penal), coordenador do Conselho de Redacção da revista Jueces para la Democracia

- Questione Giustizia (Itália)
Edmondo Bruti Liberati, Substituto do Procurador Geral de Milão, membro do Conselho de Redacção da revista Questione Giustizia


20h

Jantar de confraternização e de reconhecimento pelo trabalho desenvolvido pelos Dr.s Artur Maurício, Mário Torres e Eduardo Maia Costa como Directores da Revista do Ministério Público ao longo dos seus primeiros 25 anos.


Entrada livre no encontro.

Inscrições para o jantar no SMMP, pelo telef. 213814101 ou pelo e-mail smmp.estela@kqnet.pt

sábado, 8 de outubro de 2005

U.S. Supreme Court Center

É um portal de pesquisa da suprema jurisprudência americana. Curiosamente, a página inicial assinala cerca de uma trintena de blogs sobre a actividade do US Supreme Court. Mas outros recursos de utilidade podem ser aí encontrados.

sexta-feira, 7 de outubro de 2005

Sobre Blawgs

Jonathan Glater escreve hoje sobre blawgs no New York Times [link].

Casa da Suplicação XLIX

Concurso de infracções — Cúmulo jurídico — Princípio do juiz natural — Caso Julgado — Contraditório — Pena suspensa — Proporcionalidade e necessidade da pena — Princípio da acumulação — Princípio da exasperação
1 – Não há violação de lei se na nova sentença e no novo cúmulo jurídico se não aplicar a medida de suspensão da pena decretada em sentença anterior, nem violação de caso julgado, por a suspensão o não formar de forma perfeita, já que a suspensão pode vir a ser alterada, quer no respectivo condicionalismo, quer na sua própria existência se ocorrerem os motivos legais referidos nos arts. 50° e 51° ou 78° e 79° do C. Penal.
2 – As condições em que é determinada a medida da pena (audiência do processo principal, ou audiência destinada a proceder ao cúmulo, oferecem as mesmas garantias de respeito pelo princípio do contraditório, como o esquema previsto para a revogação da suspensão da execução da pena.
3 – E são igualmente respeitados os princípios do juiz natural, da proporcionalidade e necessidade, pois é o comando do art. 77.º do C. Penal que impõe a consideração dos factos abrangidos pelo concurso, na sua globalidade e no desenho que ajudam a traçar da personalidade do agente, enquanto factores a ter em conta no juízo de censura unitário que o tribunal é chamado a proferir e no qual pondera os referidos princípios da proporcionalidade e necessidade.
4 – A pena unitária que deve ser aplicada quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é determinada atendendo, em conjunto, aos factos e à personalidade do agente. Mas são também atendíveis os elementos a que se refere o art. 71.º do C. Penal, como as condições pessoais do agente que se reflectem, aliás no caso sujeito, na sua personalidade.
5 – Importa ter em atenção a soma das penas parcelares que integram o concurso, atento o princípio de cumulação, a fonte essencial de inspiração do cúmulo jurídico em que são determinadas as penas concretas aplicáveis a cada um dos crimes singulares, construindo-se depois uma moldura penal do concurso, dentro do qual é encontrada a pena unitária
6 – Sem esquecer, no entanto, que o nosso sistema é um sistema de pena única em que o limite mínimo da moldura atendível é constituído pela mais grave das penas parcelares (numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação – a punição do concurso correrá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes, sem que possa ultrapassar a soma das penas concretamente que seriam de aplicar aos crimes singulares).
Ac. do STJ de 06.10.2005, proc. n.º 2107/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

Expediente dilatório — Processamento em separado — Remessa dos autos à 1.ª Instância
Se um arguido vê a sentença condenatória confirmada até ao Supremo Tribunal de Justiça e aí interpõe recurso para o Tribunal Constitucional visando apreciar a constitucionalidade do art. 21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93, que nunca suscitara, e argúi a nulidade do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça , por ter aplicado o art. 374.º, n.º 2 do CPP, quanto à fundamentação da matéria de facto, numa interpretação inconstitucional, bem sabendo que o recurso para aquele tribunal visara somente a matéria de direito, deve ser ordenada a baixa dos autos à 1.ª Instância para cumprimento do julgado e prosseguirem os incidentes em separado, nos termos do n.º 2 do art. 720.º do CPC, aplicável por força do disposto no art. 4.º do CPP.
Ac. do STJ de 06.10.2005, proc. n.º 2432/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

Incidente de recusa de juiz — Promoção do juiz recusado — Impossibilidade superveniente da lide
Se, no decurso de um incidente de recusa de juiz num processo que corre termos num tribunal de 1.ª Instância, o juiz recusado é nomeado juiz auxiliar de um Tribunal de Relação, verifica-se impossibilidade superveniente da lide, pelo que deve julgar-se extinta a instância do incidente.
Ac. do STJ de 06.10.2005, proc. n.º 909/05-5, Rel. Cons. Simas santos

Tipo legal de crime — Bens jurídicos — Roubo — Burla informática — Concurso real de infracções
1 – O direito penal tem por missão proteger bens jurídicos indispensáveis para a convivência humana na comunidade, podendo os preceitos penais tutelar um ou vários bens jurídicos.
2 – No crime de burla informática do art. 221.º, do C. Penal, o bem jurídico protegido é não só o património – mas concretamente, a integridade patrimonial – mas também os programas informáticos, o respectivo processamento e os dados, na sua fiabilidade e segurança.
3 – Se depois de roubarem uma carteira, os agentes descobrem nela um cartão multibanco e respectivo código e decidem então utilizá-lo até esgotarem o saldo, o que executam, sem estarem autorizados, cometem um crime de roubo e, em concurso real, um crime de burla informática.
4 – No caso há igualmente uma autonomia e pluralidade de resoluções que sempre afastaria a consumpção da burla informática pelo roubo.
Ac. do STJ de 06.10.2005, proc. n.º 2253/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

Tráfico de estupefacientes — Cocaína — Correio de droga — Atenuação especial das pena — Medida da pena — Cidadão da União Europeia — Pena acessória de expulsão
1 - O art. 72.º do C. Penal ao prever a atenuação especial da pena criou uma válvula de segurança para situações particulares em que se verificam circunstâncias que, relativamente aos casos previstos pelo legislador quando fixou os limites da moldura penal respectiva, diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, por traduzirem uma imagem global especialmente atenuada, que conduz à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa.
2 - As circunstâncias exemplificativamente enumeradas naquele artigo dão ao juiz critérios mais precisos, mais sólidos e mais facilmente apreensíveis de avaliação dos que seriam dados através de uma cláusula geral de avaliação, mas não têm, por si só, na sua existência objectiva, um valor atenuativo especial, tendo de ser relacionados com um determinado efeito que terão de produzir: a diminuição acentuada da ilicitude do facto ou da culpa do agente.
3 - Não é de atenuar especialmente a pena a um correio que introduziu 6813,969 gramas de "cocaína" em Portugal, por via aérea, confessou esse comportamento, está arrependido, tinha três filhos menores, sem antecedentes criminais. (5) - É nesse caso de aplicar, pelo crime de tráfico, a pena de 5 anos e 6 meses de prisão.
4- De acordo com o DL n° 60/93, de 3 de Março, que estabelece o regime jurídico de entrada, permanência e saída de nacionais da União Europeia, e com o DL n° 244/98, de 8 de Agosto, que regulamenta a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros, é legalmente admissível a expulsão daqueles cidadãos da União Europeia como pena acessória em caso de condenação em pena de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes, mas haverá que ponderar ainda razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública que justifiquem a aplicação dessa pena de expulsão.
5 - Se o Tribunal a quo afastou a atenuação especial da pena da arguida, tendo em consideração a culpa, a ilicitude e a circunstância de tratar de uma mera "transportadora", mas já não a confissão integral, o arrependimento, a ausência de antecedentes criminais e a idade (20 anos) da arguida, nada dizendo sobre a possibilidade de aplicação, ou não, ao caso, do regime especial para jovens adultos previsto no DL n.º 401/82, de 23/9, configura-se ostensiva omissão de pronúncia que implica a nulidade da decisão recorrida, face ao preceituado na al. c), do n.º 1 do art. 379.º do CPP.
Ac. do STJ de 6.10.2005, proc. n.º 2632/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

quinta-feira, 6 de outubro de 2005

A VERSATILIDADE DO DIREITO

Um post de Rui do Carmo, já do pasado dia 24/9, no Mar Inquieto:
Lê-se hoje no Expresso, a propósito do processo de Fátima Felgueiras, que o seu advogado terá afirmado que a decisão judicial "é irrecorrível, porquanto a lei só permite o recurso da aplicação da prisão preventiva e não da sua revogação".

Há, de facto, quem assim interprete o artº 219º do Código de Processo Penal, que tem o seguinte texto:

"... da decisão que aplicar ou mantiver medidas [de coacção] há recurso, a julgar no prazo máximo de 30 dias a partir do momento em que os autos forem recebidos".

Mas o sentido desta norma é, tão-só, o de definir uma tramitação mais célere para os recursos das decisões que apliquem ou mantenham medidas de coacção - fixando o prazo máximo de 30 dias para o seu julgamento pelo Tribunal da Relação.

As decisões que revoguem ou substituam medidas de coacção são igualmente recorríveis, por força do disposto no princípio geral que consta do artº 399º do mesmo código:

"É permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei".

É o caso!

Novo director do SIS

Segundo noticia o Público de hoje, Antero Luís, porta-voz do Conselho Superior de Magistratura e juiz do Tribunal da Relação do Porto, será o novo director do SIS, em substituição de Margarida Blasco, por indigitação do director dos Serviços de Informação da República Portuguesa, Júlio Pereira.

quarta-feira, 5 de outubro de 2005

O discurso do Presidente da República por ocasião da cerimónia Comemorativa do Aniversário da Implantação da República...

... pode ser lido aqui.

"O Meu Monte"

Um blogue hoje criado, da autoria do juiz de direito no Círculo Judicial de Beja, Vítor Sérgio Sequinho dos Santos. Promete.

Palavras

Por Manuel António Pina, no JN de ontem
Até o leitor. Se pensar bem há-de ter em qualquer sítio alguma coisa que lhe pode ser tirada para pagar o défice. Talvez, quem sabe?, a colecção de moedas ou a colecção de calendários.…Já se coleccionar acções, ou conselhos de administração, pode estar sossegado que a política de austeridade não chega a tanto. Está mais virada para luxos como reformas, assistência médico-social, medicamentos, emprego e coisas do género.

Na campanha maccarthista de denúncias de "privilégios" que por aí vai, soube-se outro dia por um advogado que escreve nos jornais (ou um jornalista que exerce advocacia) que até a taxa de justiça que os portugueses pagam nos tribunais vai para os bolsos dos juízes. A ideia era, fazendo jus à injustificada fama que os advogados têm de meter as mãos nos bolsos alheios, metê-las no por assim dizer bolso judicial e tirar de lá a taxa para a entregar ao défice. Ora não se veio a apurar que, afinal, a taxa de justiça vai, em boa parte, para a Caixa de Previdência dos advogados? Só no ano passado, por exemplo, os advogados foram lá buscar 8,6 milhões de euros e, a crer nas declarações de IRS de muitos deles, bem devem ter precisado da ajuda.…

E os deputados? Afinal também beneficiam (sabe-se lá porquê) dos "privilégios" dos Serviços Sociais do Ministério da Justiça, e recebem senhas de presença, ajudas de custo, subsídios de residência, viagens em 1.ª classe, reformas, eles e os autarcas, antes dos 65 (e até, como recentemente Santana Lopes, antes dos 50 ou dos 40).

Somos todos "privilegiados", ou ainda menos...

A greve dos juízes

A opinião-aviso de Vital Moreira, aqui.

Portugal no seu melhor...

Autárquicas em Cartaz

Várias Notas

Costuma-se dizer, em jeito de sentença popular, que há males que vêm por bem. Tenho pensado nisso a propósito do que se tem passado entre o governo e as magistraturas. Nem tudo, neste afrontamento de posições, deve ser contabilizado em negativo. A meu ver há muito de positivo a extrair de toda esta dura experiência por que passamos. Assim se saibam colher os ensinamentos necessários sem qualquer espécie de complexos.
Em primeiro lugar, os magistrados, em Portugal, a começar pelos juízes, ainda se não habituaram bem à ideia de viverem fora da órbita dos outros poderes e, nomeadamente, do poder executivo. É um resquício que vem de trás, de longos anos de subalternização e que não foi banido com o «25 de Abril», tal como o poder judicial também não foi verdadeiramente beliscado com a revolução, só nesta última década tendo vindo a ser «posto em causa» com o incremento dos media na área dos tribunais e com a irrupção da «crise de justiça», que muito embora não seja específica do nosso país, tem factores próprios que vêm de todo o nosso clássico atraso, da cultura de submissão e de falta de cidadania, por um lado, e de arrogância dos poderes instituídos, por outro, que foi alimentada durante décadas, e por fim das forças libertadas com a Revolução, que se traduziram numa outra vivência da realidade judiciária. Se o paradigma em que assentava todo o edifício judiciário se vinha revelando desajustado em grande parte dos países da Europa Ocidental, como não haveria de manifestar-se com particular intensidade e desconcerto no nosso país, por força de anomalias disfuncionais de toda a ordem, que a aceleração provocada pelo 25 de Abril, uma ou duas décadas depois, viria contribuir par pôr em evidência?
Ora, este afrontamento, com muitos aspectos de acinte, pode ao menos servir para se colherem as lições de uma outra forma de estar. Os representantes do poder judicial devem aprender finalmente a comportar-se responsavelmente e de uma forma verdadeiramente independente, sem enquistamentos corporativos e sem «cumplicidades» comprometedoras com os outros poderes, nomeadamente com o poder executivo. Destes só há que reclamar o que deles pode e deve ser exigido: o estabelecimento das condições necessárias ao exercício eficaz e independente (também do ponto de vista económico e financeiro) do poder judicial, o que não significa alheamento à prestação de contas à comunidade dos cidadãos, que detém a totalidade da soberania, de que o poder judicial é uma parcela.
E não tenhamos dúvidas: se o sector da administração da justiça é um dos mais resistentes à mudança, como se diz, também outros importantes sectores da sociedade, onde se contam as chamadas «elites», resistem arrogantemente à independência do poder judicial. Como, de resto, se tem visto ao longo dos últimos anos. Ora, é preciso que cada um tenha a noção do seu lugar e que os representantes do poder judicial aprendam de uma vez por todas a ocupar o que lhes compete, sem servilismos de nenhuma espécie, com dignidade institucional, e não temendo as críticas que lhes façam chover sobre as cabeças (venham as que forem bem intencionadas, ainda que contundentes e, quanto às mal intencionadas, deixemo-las com os seus autores, que, mais cedo ou mais tarde, se deslustrarão com elas) e muito menos as ameaças e as pressões, sejam elas explícitas ou camufladas, directas ou em forma de aviso retorcido. É reconfortante cumprirmos o nosso papel com isenção e independência, sem devermos nada a ninguém. Mas temos de reconhecer que esse papel é difícil, sobretudo porque exige uma maturidade cívica e um espírito crítico capaz de forjar independência mesmo em relação às formas mais subtis e refinadas de pressão – os pequenos recados, mandados muitas vezes por vozes «autorizadas», as pequenas insinuações, os elogios de conveniência, etc.

*

Numa assembleia da Ordem dos Advogados, em Coimbra, o oficioso crítico da Justiça em Portugal, António Marinho e Pinto (dizem que a sua formação é anarxista), estilhaçou o ambiente de concórdia que, pelos vistos, se estava pacatamente estabelecendo, quando ele entrou. Na sequência do seu decisivo discurso, relataram as gazetas que se levantaram vozes de apoio. E António Manuel Arnaut falou, a propósito dos juízes, na incapacidade técnica de muitos, aí residindo uma das feridas que era preciso pôr a sangrar, nem que fosse com a ponta feroz de uma unha. Pois bem! O que me pergunto é se a incapacidade técnica dos juízes é algo de saliente em relação à incapacidade técnica de quaisquer outros profissionais, nomeadamente dos advogados. Será que a referida incapacidade técnica se concentrou nos juízes, a ponto de não sobrar nenhuma para as outras profissões forenses? Será ela tão gritante, nesse corpo profissional, que ultrapasse escandalosamente aquela quota de incompetentes que há em todas as profissões e também, naturalmente (peço a devida vénia para o dizer), no seio dos advogados? No meu juízo, isso afigurava-se como evidente, lendo e analisando, por dever de ofício, tanta motivação de recurso e tanto requerimento, muitas vezes salvos – pensava eu – à conta da complacência do tribunal e de uma jurisprudência que só não é taxada de permissiva por estarem em causa direitos fundamentais dos arguidos. No meu modesto entender, haveria uma escassíssima percentagem de peças excelentemente argumentadas, uma fatia maior de peças razoáveis e um número considerável de peças que estão no limiar do tolerável ou abaixo desse nível, tanto mais que qualquer licenciado pode advogar no Supremo, certamente por força da presunção de que todos os advogados estão em pleno gozo da capacidade técnica.
«Que trabalhem! Que trabalhem!» - exaltaram-se algumas vozes nessa assembleia. Como se esses exaltados trabalhassem noite e dia. Como se fossem uns mouros de trabalho. Vistas, porém, as coisas pelo lado fiscal esses esforçados facturam pouco, ou porque realmente trabalhem em permanente abnegação, ou porque o seu trabalho não é devidamente recompensado.

*

Miguel Sousa Tavares escreveu, entre outras pérolas, na sexta-feira passada, que os juízes e magistrados do Ministério Público, em dez anos, desbarataram todo o capital de confiança que neles a população depositava, segundo as sondagens. Porém, Miguel de Sousa Tavares esquece aqui o papel da comunicação social, de que ele é um brilhante (e convictamente brilhante) profissional. Esquece o papel, nem sempre coerente, da comunicação social no condicionamento da opinião pública. Na verdade, a comunicação social, na primeira metade da década de 90, não fez outra coisa que não fosse exaltar os novos juízes (cultos, brilhantes, desinibidos, arrojados) e os novos magistrados do Ministério Público, que desencadeavam processos contra gente poderosa, bem colocada e normalmente imune à acção da justiça. Não se lembram das entrevistas aos magistrados nas salas de audiências?; em casa, na sala de jantar ou no escritório, em frente de recheadas bibliotecas?; em férias, no areal de uma praia? Não se lembram da curiosidade da comunicação social pelas vidas privadas dos juízes e magistrados do Ministério Público?, de como glorificavam a sua grande cultura, o seu espírito desempoeirado, a sua audácia a cortar direito pelos interesses instalados? Pois eu lembro-me. Foi uma fase de casamento feliz entre as magistraturas e a comunicação social. Foi aquela fase em que um grupo de deputados da maioria então no governo trouxe ao Parlamento Alain Mainc para falar da conjunção sinistra entre a comunicação social e os magistrados. Não se lembram? Então, as sondagens traduziam o enorme apreço da opinião pública pelos juízes e magistrados do Ministério Público.
Como é que, a partir de 1995, a comunicação social inverteu essa posição para encher a boca e o ecrã com a «crise da justiça»? Como? Porque a crise começou a ser instalada, umas vezes a partir de factos reais, que reflectiam um desajustamento evidente, e outras vezes, a partir de factos induzidos, como manifestações de altas personalidades contra presumidas perversidades do sistema – e mais do que isso: dos próprios magistrados. Não se lembram das manifestações em prol de Leonor Beleza? Pois! Depois vieram as prescrições das grandes fraudes comunitárias, as acusações sistemáticas ao Ministério Público por parte de personalidades envolvidas em processos- crime (o Ministério Público chegou a ser a nova PIDE!), o processo Otelo, e por aí fora até aos dias de hoje. Como é que a comunicação social passou da referida posição encomiástica para uma posição completamente inversa? É que o que caracteriza a comunicação social nos nossos dias, como se fartou de dizer o sociólogo Pierre Bourdieu, é uma amnésia permanente. Passam bruscamente de um acontecimento a outro como se nada fosse. E às vezes criam mesmo o acontecimento. Como diz o mesmo sociólogo, «Encaminhamo-nos cada vez mais para universos em que o mundo social é descrito-prescrito pela televisão, em que esta se transforma no árbitro do acesso à existência social e política.» Daí que esta seja cada vez mais «um instrumento de criação de realidade» (Sobre a Televisão, Celta Editora, p. 15). E o jornalismo escrito está irremediavelmente prisioneiro dessa lógica, devido à supremacia da televisão, como também refere o citado autor.
As flutuações da opinião pública não terão nada a ver com este comportamento típico da comunicação social?

*

O António Marinho e Pinto voltou à carga com os ataques descabelados aos magistrados. A sua cegueira é de tal ordem que, como D. Quixote, viendo en su imaginación lo que no veía ni había, fantasma coisas mirabolantes a propósito dos magistrados, transformados nos moinhos de vento em cujas velas vai espadeirando a torto e a direito com a sua pena. Desta vez, para além do habitual chorrilho de impropérios, é o «escândalo» das custas judiciais, que segundo ele vão para os bolsos dos magistrados, porque vão enriquecer os cofres dos seus serviços de saúde. Mas, tal como sucedia a D. Quixote, a cutilada que o António Marinho e Pinto desferiu volveu-se em dano próprio. É que foi a maneira de toda a gente ficar a saber que parte das custas cíveis vão, afinal, em maior percentagem do que para os Serviços Sociais do Ministério da Justiça, para os cofres da Caixa de Previdência da Ordem dos Advogados. Assim, o Ministro já disse que ia acabar com esse «desvio» e o António Marinho e Pinto prestou, como se vê, um grande serviço à sua classe.

*

É evidente que os ataques sistemáticos que têm vindo a ser feitos aos magistrados, acentuando injustamente a ideia de que não trabalham e não fazem nada (esta tecla foi batida também pelo Miguel de Sousa Tavares e está a generalizar-se na opinião pública) têm uma consequência imediata (e por mim falo): vão fazer com que os magistrados (pelo menos os que trabalhavam no duro) olhem mais pela sua vida e a encarem também numa perspectiva licitamente lúdica (fins-de-semana, feriados, férias). Ao menos isso. «Se não podem ser beneficiados, também não podem ser prejudicados», foi mais ou menos isto que disse o Procurador-Geral da República, já não sei em que programa televisivo. Às mudanças que se impõem, incluindo o que o presidente da República uma vez designou de «fim do temor reverencial», tem de corresponder um outro figurino de magistrado, menos inspirador de reverência, mas também mais homem comum.
Na prossecução desse objectivo, penso que nos devemos deixar de floreados teóricos nas decisões, de erudição jurídica e de grandes relatórios, assim como é preciso ser mais rigoroso no exame preliminar dos recursos (no caso dos tribunais superiores), deixando prosseguir os que devem prosseguir, mas rejeitando os manifestamente improcedentes (e não estou a falar de expedientes para evitar trabalho), pois tem havido um critério muito lasso nesta apreciação. De contrário, chegaremos às férias com uma porção de processos por decidir e teremos depois, de uma assentada, os que ficaram retidos nas mesmas férias.

*

O debate televisivo sobre a justiça no programa «Prós e Contras» de ontem correu melhor do que o primeiro. Fátima Campos Ferreira é muito interventora, gosta de brilhar pessoalmente e de ser a protagonista do programa, quando os protagonistas deveriam ser os convidados dela. É uma inversão de valores muito comum na comunicação social, em especial na televisão. Os jornalistas ou animadores de programas querem «levar a água ao seu moinho», como se estivessem implicados na defesa de uma causa, e às vezes estão mesmo, e até pior do que isso: estão conluiados politicamente com certas forças partidárias.
Fátima Campos Ferreira, cedendo a esse seu arreigado hábito, tentou na primeira parte do programa instrumentalizá-lo a favor dos seus objectivos, interrompendo constantemente, esvoaçando como é seu costume e metendo aqueles seus apartes que mostram logo de que lado é que ela está (quando não devia estar em lado nenhum). Porém, a segunda parte foi menos má, por força da intervenção do representante dos funcionários judiciais, primeiro, e sobretudo pela intervenção de João Pedroso, que ela escutou sem interromper e que teve o mérito de separar as águas, inibindo-a de prosseguir na senda de questiúnculas secundárias, mas muito rendosas em termos de audiência, que é muito próprio dela. Assim, alguma coisa se salvou.
O Cluny esteve abaixo das expectativas e começou por cometer aquela «gafe» indecorosa de se demarcar do sentimento da classe, ao mesmo tempo que atirou para o ar a acusação (alheia, das bases) de que o governo estaria a retaliar por causa da acção dos magistrados em certos processos que tinham como alvo pessoas de relevo. Depois, teve a preocupação excessiva de piscar o olho ao ministro, exibindo uma espécie de cumplicidade que já se vinha notando nas entre-linhas dos seus discursos.
O presidente da Associação Sindical dos Juízes, a que não pertenço, teve melhor «prestação», como agora se diz, embora caindo em contradições de princípio, que têm a sua raiz na necessidade sentida de mascarar reinvidicações de estatuto sócio-económico (mal assumidas) com nobres objectivos pertinentes ao estatuto funcional. O governo, por seu turno, mascara a sua política com o nobre objectivo da vinculação ao interesse geral, ao interesse dos utentes. Mas sempre assim foi. É o trabalho da ideologia.

Artur Costa (entre os dias 1 e 4 de Outubro)

terça-feira, 4 de outubro de 2005

Faleceu aos 84 anos

Um percurso exemplar, o de Constance Baker Motley, que faleceu em Setembro e cuja intervenção jurídica não se desliga da sua dimensão cívica e política (será possível tal cisão para quem viveu em épocas de sistemática e flagrante violação de direitos fundamentais ?).
Cita-se o post do 13th juror:

«Constance Baker Motley, a civil rights lawyer who fought nearly every important civil rights case for two decades, winning the desegregation of schools, buses and lunch counters, and then became the first black woman to serve as a federal judge, died Wednesday in Manhattan. She was 84.In 1950, when she was just four years out of law school, she prepared the draft complaint for what would become Brown v. Board of Education. As we all know, the Supreme Court ultimately ruled in her favor in 1954 in a decision credited with toppling public school segregation in America.She personally argued the 1960 case that resulted in the enrollment of James Meredith at the University of Mississippi (and the desegregation of many state university systems, including Florida’s) and the 1957 case in Little Rock, Arkansas, that led President Eisenhower to call in federal troops to protect nine black students at Central High. Also in the early 1960s, she successfully argued for 1,000 school children to be reinstated in Birmingham, Alabama, after the local school board expelled them for demonstrating. She represented “Freedom Riders'” who rode buses to test the Supreme Court’s 1960 ruling prohibiting segregation in interstate transportation.»