sexta-feira, 22 de julho de 2005

O Conselho Superior da Magistratura e a crise institucional

Por FERNANDO ARAÚJO BARROS, JUIZ CONSELHEIRO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, no Comércio do Porto de hoje

No dia 1 do corrente mês de Julho, o Conselho Superior da Magistratura emitiu o seguinte comunicado:

"O Conselho Superior da Magistratura, órgão máximo de gestão e disciplina da Magistratura Judicial, reunido em Plenário, na sua sessão de 30 de Junho de 2005, deliberou, por maioria, com doze votos a favor e três votos contra, face ao ambiente de crispação existente entre os juízes portugueses em virtude de medidas legislativas anunciadas pelo Governo:

1. Lembrar o esforço, a dedicação e o empenho dos Magistrados Judiciais no funcionamento dos Tribunais como órgãos vitais do Estado de Direito, reconhecidas as dificuldades funcionais e normativas vividas no actual "sistema de justiça", o qual assenta em grande parte naqueles e demais intervenientes da Justiça;

2. Manifestar ao Ministro da Justiça a preocupação do Conselho Superior da Magistratura com o ambiente de desmotivação e crispação existente no seio da judicatura e alertar o mesmo para as graves consequências decorrentes da implementação das deliberações assumidas pelos representantes associativos dos juízes, para o funcionamento dos Tribunais, com os consequentes reflexos negativos na resolução dos litígios dos cidadãos;

3. Apelar para a resolução em diálogo dos problemas existentes, insistindo na urgência de publicar a Lei Orgânica do Conselho Superior da Magistratura, instrumento imprescindível à dinamização das funções que constitucionalmente lhe competem;

4. Apelar ao Ministro da Justiça para, em prazo razoável, divulgar os resultados do Estudo do Observatório Permanente da Justiça sobre a contingentação cível, encomendado em 2002, face à impossibilidade de o Conselho Superior da Magistratura elaborar - por si e com os seus meios - uma proposta de contingentação;

5. Insistir junto do Ministério da Justiça e da Assembleia da República pela aprovação de um conjunto de reformas legislativas, nomeadamente a efectiva implementação do gabinete ou funcionário de apoio ao juiz, como forma de rentabilizar o seu trabalho e, dessa forma, melhorar o sistema de justiça".

Este comunicado constitui um claro aviso ao Ministro da Justiça de que, ao contrário do que afrontosamente vem sendo propalado, os juízes portugueses (é óbvio que as excepções existem), mau grado as deficientes condições que lhes são proporcionadas, exercem a sua função de administrar a justiça de forma esforçada, dedicada e empenhada.

E revela, ao mesmo tempo, uma notável intenção pedagógica, ao apelar ao diálogo para a adequada resolução dos graves problemas existentes na área da Justiça (é de destacar que, ainda recentemente, foi criado no âmbito do Ministério da Justiça um grupo de reflexão constituído por 23 personalidades, sem que o referido grupo fosse integrado por um único elemento oriundo da magistratura, e que se reuniu completamente à margem dos Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público).

Dirão os usuais detractores que se trata de mais uma manifestação de corporativismo, de uma decisão de protecção à classe que o Conselho Superior da Magistratura dirige e coordena.

Não pode, no entanto, esquecer-se que o Conselho Superior da Magistratura, órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial, é presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e composto ainda por 2 vogais designados pelo Presidente da República, sendo um deles magistrado judicial, 7 eleitos pela Assembleia da República e outros 7 eleitos de entre e por magistrados judiciais segundo o método proporcional (um dos quais será o Vice-Presidente).

Esta composição do Conselho Superior da Magistratura esbate manifestamente (se não elimina de todo) a representação classista unitária, própria do corporativismo, conferindo-lhe uma natureza política pluralista e democrática, se bem que com os defeitos necessariamente advindos de uma democracia como a nossa, claramente partidocrática em que a disciplina de voto é imposta mesmo fora da Assembleia da República (fácil é adivinhar quais foram os 3 Conselheiros que votaram contra a deliberação do Conselho).

Impõe-se, pois, que o Ministro da Justiça apreenda, à luz dos sinais dos tempos, as lições que vêm a ser ministradas pelos mais directos responsáveis de uma magistratura que na Constituição se consagra como independente e abandone, em definitivo, a posição autista em que, desde o início do cargo se tem colocado.

É mais do que tempo de ultrapassar divergências (que todos os operadores judiciários e o Governo sabem donde vêm) de esquecer questiúnculas mais ou menos graves, e, sobretudo, importa pensar que o cidadão aguarda, muito pacientemente aliás, que a justiça seja feita de modo rápido e eficaz.

Se assim não for esvazia-se a garantia constitucional a todos concedida de poderem recorrer aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos e, acima de tudo, de verem uma causa em que intervenham ser decidida em prazo razoável.

Tal, porém, só se consegue com uma séria e empenhada cooperação institucional. Assim não sendo, tudo ficará como dantes. Mas, atenção: os cidadãos deste país estão a ficar fartos de tanta conversa e demagogia (veja-se a cada vez menor participação nas eleições), antes esperam por acções adequadas e resultados concretos.

Queira Deus que os responsáveis entendam a mensagem.

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