terça-feira, 5 de abril de 2005

Casa da Suplicação XXVII


Tráfico de estupefacientes — comparticipação — cumplicidade — medida da pena — suspensão da execução da pena
1 - Tendo-se a arguida mulher limitado a acompanhar o marido por várias vezes à cidade do Porto, onde ele ia abastecer-se de droga, não se pode dizer que tal acompanhamento constituísse um auxílio à aquisição, apesar da formulação que foi dada aos factos provados – que a arguida o ajudava na actividade de compra – uma formulação que traduz uma mera conclusão totalmente desapoiada de factos concretos. A recorrente poderia, muito simplesmente, aproveitar a deslocação do marido para ir à cidade do Porto, por recreio ou por qualquer outro motivo alheio à actividade de tráfico daquele.
2 – Também não ocorre qualquer forma de comparticipação da arguida em relação àquelas situações em que ela se limitou a acompanhar o marido a diversos locais, tendo presenciado actos de tráfico.
3 – Já se verifica cumplicidade, mas não co-autoria, na colaboração prestada pela arguida ao marido no atendimento de telefonemas que eram feitos para a residência de ambos e que eram atendidos indiferentemente por ela ou pelo marido e em que a arguida, nesses casos, combinava os locais de encontro onde se realizavam actos de tráfico, sempre protagonizados pelo marido, sendo ele, exclusivamente, que contactava com os fornecedores, adquirindo-lhes os produtos estupefacientes, que efectuava as entregas destes e que recebia as respectivas contrapartidas, em dinheiro ou objectos, e que preparava as doses para venda.
4 - Sendo de aplicar uma pena de dois anos e meio à arguida, justifica-se a suspensão da execução da pena, atendendo à ausência de antecedentes criminais, à ocasionalidade da conduta, às circunstâncias especiais em que foi levada a ter intervenção nos factos, à circunstância de ter uma profissão remunerada, ter um filho ainda de muita pouca idade, ter vivido até à altura da decisão do recurso em liberdade, sem que conste qualquer acto da parte dela que se não coadune com as regras de conduta impostas pelo direito e, finalmente, ao facto de o marido se encontrar preso em cumprimento de pena em consequência dos actos a que ela deu a sua colaboração – facto este que também representa uma punição indirecta para ela e para o filho de ambos, obrigando-a a um esforço redobrado no sentido de manter a coesão da família.
Ac. de 17.3.2005 do STJ, proc. n.º 144-05-5, Relator: Cons. Rodrigues da Costa

Recurso extraordinário de revisão de sentença — factos novos — novos meios de prova
1 - No recurso extraordinário de revisão de sentença, invocando-se novos factos ou novos meios de prova, estes têm de suscitar grave dúvida sobre a justiça da condenação, não podendo ter como único fim a correcção da medida concreta da sanção aplicada (n.º 3 do art. 449.º do CPP).
2 - A lei não exige certezas acerca da injustiça da condenação, mas apenas dúvidas, embora graves . Essas dúvidas, porém, porque graves têm de ser de molde a pôr em causa, de forma séria, a condenação de determinada pessoa, que não a simples medida da pena imposta. As dúvidas têm de incidir sobre a condenação enquanto tal, a ponto de se colocar fundadamente o problema de o arguido dever ter sido absolvido.
3 - Segundo jurisprudência pacífica do STJ, os factos são novos, para o efeito de fundamentar o pedido de revisão de decisões penais, quando não foram apreciados no processo que conduziu à condenação, embora não fossem ignorados pelo arguido no momento em que o julgamento teve lugar.
4 - Não interessa tanto, a nível do juízo rescindente, avaliar a prova produzida com o rigor que se exige num julgamento para se darem como provados certos factos e não provados outros. Basta que os factos novos sejam de molde a criar sérias dúvidas sobre a justiça da condenação. Se eles podem ou não levar à absolvição do arguido, é coisa que se tem de ver no juízo rescisório, depois de produzida toda a prova.
5 - As restrições constantes do art. 453.º, n.º 2 do CPP quanto à aceitação de novas testemunhas têm de ser vistas, não como um pura exigência formal, mas no contexto do próprio processo em que foi proferida a decisão a rever, segundo as regras da experiência e mesmo levando em conta certos contextos específicos, como o contexto social e cultural, sempre na mira de que o recurso extraordinário de revisão se enquadra numa garantia de defesa, embora de ultima ratio.
Ac. de 31.3.2005 do STJ, proc. n.º 3198/04-5, Relator: Cons. Rodrigues da Costa

Prova pericial — valor probatório — livre apreciação da prova — falta de fundamentação — nulidade da sentença
1 - Não é aceitável que o Tribunal recorrido tenha escrito, acolhendo aí o incorrectamente afirmado na 1ª instância, que o único juízo científico da perícia médico-forense era de que o arguido tinha imputabilidade para os actos praticados, já que «depois o perito faz a proposta "de uma diminuição da imputabilidade", que não é um juízo cientifico de certeza, antes uma simples possibilidade, uma "hipótese concretamente deixada em aberto pelo Relatório Médico...».
2 - Na verdade, a expressão usada pelo perito médico de que o conjunto de certos factores patológicos “autoriza a proposta de diminuição da imputabilidade” é uma linguagem académica que não tem outro significado que não seja a de que, ele perito, face a esses factores e de acordo com a teoria e prática médico-legais de psiquiatria, está autorizado a propor uma diminuição de imputabilidade.
3 - Ora, a Relação, ao aplicar o direito no errado pressuposto de que não existia no recorrente uma imputabilidade diminuída, fê-lo com violação flagrante do disposto no art.º 163.º, n.º 2, do CPP, para além de não ter acatado os factos que ela própria fixou.
4 - Mas, mais do que isso, acabou por não fundamentar as questões que lhe eram colocadas no recurso, designadamente, a de saber se quem age com imputabilidade diminuída pode “revelar a especial censurabilidade ou perversidade” para os efeitos do art.º 132.º do CP (homicídio qualificado) e, em qualquer caso, qual o reflexo dessa situação na determinação da pena concreta.
5 - A falta de fundamentação sobre a decisão de direito e a falta de pronúncia do tribunal sobre questões que devia apreciar são motivo de nulidade da sentença, nos termos dos art.ºs 379.º, n.º 1, als. a) e c), e 374.º, n.º 2, do CPP, nulidade essa que foi invocada pelo recorrente e que, efectivamente, se verifica.
Ac. de 31.03.2005 do STJ, proc. n.º 910/05-5, Relator: Cons. Santos Carvalho

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