quinta-feira, 31 de março de 2011
Diário da República nº 64 Série I de 31/03/2011
quarta-feira, 30 de março de 2011
Diário da República nº 63 Série I de 30/03/2011
terça-feira, 29 de março de 2011
Tertúlia sobre Eutanásia
«Começaria por lembrar que, como dizia Schopenhauer, se a Filosofia nasce do assombro, a morte é o seu grande génio inspirador.
Mas a problemática da morte que agora nos ocupa motivou também uma página de Miguel Torga, que se pode relevar inspiradora.
Escrevia ele em 1967:
"A tragédia do homem, cadáver adiado, como lhe chamou Fernando Pessoa, não necessita dum remate extemporâneo no palco. É tensa bastante para dispensar um fim artificial, gizado por magarefes, megalómanos, potentados, racismos e ortodoxias.
Por isso, humanos que somos, exijamos de forma inequívoca que seja dado a todos os povos um código de humanidade. Um código que garanta a cada cidadão o direito de morrer a sua própria morte".
E na verdade, trata-se do direito de cada cidadão a morrer a sua própria morte.
A morte biológica não foi ainda vencida (nem nunca será, pois que se insere no mais profundo da nossa concepção celular), mas a técnica adiou esse destino irremediável do nosso horizonte imediato para um momento mais longínquo, o que se traduz no aumento da esperança média de vida.
Paralelamente à pretensão de adiar a morte, o desejo de morrer em paz constitui uma exigência humana cada vez mais generalizada e aceite.
Colocando-se, então, a questão de saber se não será cruel e bárbaro exigir que uma pessoa seja mantida contra a sua vontade, recusando-lhe a libertação doce e suave quando a sua vida perdeu toda a sua dignidade de beleza, significado e perspectivas futuras?
E , se não seria a Eutanásia, então, capaz de proporcionar essa morte tranquila e serena, um gesto de piedade e carinho que eliminaria o desespero e a ansiedade do doente e o sentimento de inutilidade e fardo para os outros, que evitaria também as dores e sofrimentos terminais, sem nenhuma esperança de salvação?
É esta, em síntese, a demanda aqui debatida.
Eutanásia, em sentido restrito, deve ser entendida como provocação directa e deliberada da morte do doente por piedade e compaixão, para evitar sofrimentos absurdos (voluntária – a pedido do doente ou involuntária − decidida pelos médicos e/ou familiares, sem poder contar com a vontade do doente). Distanásia consiste em atrasar o mais possível o momento da morte usando todos os meios, proporcionados ou não, ainda que não haja esperança alguma de cura, e ainda que isso signifique infligir ao moribundo sofrimentos adicionais e que, não conseguirão afastar a inevitável morte, mas apenas atrasá-la umas horas ou uns dias em condições deploráveis para o enfermo. Adistanásia significa o abandono das técnicas necessárias para manter as constantes biológicas de um doente que perdeu definitivamente a sua condição humana, como é o caso de um indivíduo com um corte irreversível de toda a sua função cerebral. Chama-se Ortotanásia, o deixar morrer em paz, morte natural, sem interferência da ciência, permitindo ao paciente morte digna, sem sofrimento, deixando seguir a evolução e percurso da doença evitando métodos extraordinários de suporte de vida em pacientes irrecuperáveis e que já foram submetidos a suporte avançado de vida. A persistência terapêutica em paciente irrecuperável pode estar associada a distanásia.
Sabemos que o homem tem medo da morte, prefere ignora-la, negar a sua existência. Daí que, quando se depara com a sua proximidade, procura transferir a responsabilidade para outrem – o médico. E as outras pessoas, perante o moribundo, usam frequentemente uma atitude ligeira, fruto da sua incapacidade de encarar a morte.
Mas, perante o moribundo deveríamos permitir que este pudesse manifestar a sua dor, insegurança, rebeldia, falta de fé, todas as suas preocupações, o que só se consegue através da nossa aproximação e confiança, constituindo, ao invés, a condenação do moribundo ao silêncio, a sua pior condenação.[1]
Mas tal atitude requer muita compreensão e paciência pois que se tratam de momentos muito densos e comprometidos, necessariamente vividos com grande autenticidade.
Com efeito, ajudar um doente é dar-lhe uma comunicação afectiva em que possa compartir o que vive e o que sente.
Mas, a falta de preparação humana para essa tarefa, a despersonalização dos grandes centros, a redução do tempo de disponibilidade, o temor em relação a este assunto de grande responsabilidade e compromisso conduzem, por via de regra, à saída mais fácil: ou seja à utilização de medicamentos que o colocam na inconsciência e eliminam a necessidade de qualquer comunicação.
No entanto, está disponível outra solução mais digna: unidades de cuidados paliativos, que são já objecto de atenção entre nós e nas quais se dá importância à preocupação especial que o ambiente humano que cerca o doente constitui para se responder às suas exigências afectivas e para o ajudar a superar os seus medos, aliviar as dores físicas e tensões interiores, permitindo-se, por outro lado, que se conserve a sua autonomia e lucidez – respeitando-se a personalidade do paciente.
Salienta-se também que a ética, face à despreocupação humana e psicológica perante o doente, tem de recordar a obrigação de ajuda quando se pretende uma morte digna e tranquila: um direito fundamental do moribundo do qual todos nos temos de sentir responsáveis.
Assente que a eutanásia não está directamente prevista, a primeira norma convocada é a do art. Art. 133.º do C. Penal respeitante ao homicídio (privilegiado) por compaixão: «Quem mata outra pessoa dominado por compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral que diminuam sensivelmente a sua culpa, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos», quando a pena de homicídio simples é de 8 a 16 anos de prisão.
Consagrou-se a eutanásia activa involuntária[2], por acção.
Mas exclui-se a eutanásia eugénica e a eutanásia económica que se enquadram no homicídio simples ou qualificado.
O homicídio privilegiado é o homicídio que recebe censura mais suave, em razão dos motivos que determinaram a sua perpetração.
No contexto, há homicídio por compaixão sempre que o agente provoca a morte de alguém por piedade, movido pelo exclusivo propósito de poupar a vítima ao sofrimento físico com que se debate.
Os autores costumam incluir a eutanásia (por acção) no homicídio por compaixão, definindo-a como o homicídio misericordioso, que é praticado para aliviar piedosamente o irremediável sofrimento da vítima.
Já quanto à eutanásia homicida por omissão, ela não é enquadrável no Código Penal. Não deve ser considerada punível, pois a lei incrimina o encurtamento da vida e não a atitude negativa que constitui a omissão do seu prolongamento por meios artificiais quando, até onde a ciência dos homens pode alcançar, o fim está à vista…
Com efeito, deve distinguir-se a Eutanásia do simples abandono dos meios desproporcionados. E não se pode, fazer equivaler a acção à omissão, a partir da consideração de que ambas podem produzir o mesmo efeito.
Exemplo clássico do homicídio privilegiado por compaixão é o do médico que, movido por piedade, abrevia a vida do seu doente que se debate em grande sofrimento e sem qualquer esperança, ministrando‑lhe uma substância letal (eutanásia activa por acção).
Esta norma fala também no homicídio por motivo de relevante valor social ou moral, pretendendo o legislador referir-se naturalmente a motivo que diminua sensivelmente a culpa do agente, dominando-o.
Estão naturalmente excluídos as «razões» ideológicas, políticas ou pretensamente científicas, de que foram exemplo as práticas eutanásicas nazis.
Sublinhe-se que a previsão do art. 133.º do C. Penal se refere apenas às situações em que o agente da infracção actua autonomamente, isto é, movido por uma vontade própria que é exclusiva. Se concorrer com a sua vontade a vontade da vítima temos, então, crime diferente, o homicídio a pedido de que fala o art. 134.° (eutanásia a pedido).
Neste âmbito, vale a pena abordar uma situação delicada: o médico, para aliviar o sofrimento do doente, tem que usar e usa de meios que lhe encurtam a vida.
Estamos perante um conflito de deveres:
—de um lado, o dever de proteger a vida do paciente; e
— de outro o dever de lhe aliviar o sofrimento.
Qual sacrificar?
Não será de exigir que, em situações como esta, o médico mantenha o seu doente em sofrimento, que poderá ser insuportável, à custa da conservação da sua vida.
O caso concreto dirá o melhor juízo, mas objectivamente, e com fundamento em estado de necessidade desculpante que é causa de exclusão da culpa[3] poderemos desresponsabilizar criminalmente o agente que na emergência se tenha socorrido das melhores artes da sua profissão.
Dispõe o art. 134.º do C. Penal sobre o homicídio a pedido da vítima, que «Quem matar outra pessoa determinada por pedido sério, instante e expresso que ela lhe tenha feito é punido com a pena de prisão até 3 anos.»
Estamos aqui perante a eutanásia forçada e determinada por pedido da vítima, ou seja, perante a eutanásia activa voluntária.
Convém reter, neste domínio, com o Papa João Paulo II que, «quando a morte é inevitável, independentemente dos meios que se utilizem, é permitido em consciência tomar a decisão de recusar formas de tratamento que poderiam apenas assegurar um prolongamento precário e penoso da vida, de modo a que o tratamento normal concedido a pessoas em condições semelhantes continue a ser prestado».
E que o dever de assistência e tratamento do médico persiste até ao momento em que sobrevém a morte – prevalecendo abertamente, na determinação deste momento, o critério da função cerebral e da chamada morte biológica.
O que coloca a questão das hipóteses do chamado auxílio médico à morte – para os casos, portanto, em que o doente se encontra já incurso num processo que, segundo o conhecimento humano e um razoável juízo de prognose médica, conduzirá sem remissão à morte.
O pedido de que fala o art. 134.º no homicídio a pedido tem de ser:
– sério, proveniente de pessoa capaz e denunciador de um propósito esclarecido e decidido, (idóneo, portanto, para convencer o destinatário);
– instante, firme, insistente, pertinaz, repetido, convincente; e
– expresso, manifestado de forma inequívoca.
Pode colocar-se aqui a questão de saber se a participação no suicídio pode ser prestada por omissão. Quanto à instigação parece-nos não ser possível instigar-se por meio de um non facere, uma vez que a instigação pressupõe uma conduta activa que faça nascer na vítima a vontade de pôr termo á vida ou reforce uma ideia da morte já antes pensada. Quanto à ajuda no suicídio cuido que ela pode resultar, em certas circunstâncias, de uma conduta omissiva, como quando o participante tem o dever jurídico de impedir a morte, e, podendo evitá-la, o não tenha feito.
Finalmente, importa considerar o art. 139.º do C. Penal, propaganda do suicídio, que ocorre quando, por qualquer modo, for feita propaganda ou publicidade de produto, objecto ou método preconizado como meio para produzir a morte, de forma adequada a provocar suicídio.
Este tipo de crime visa sancionar aquele que, de forma pública, atribuir a produto, ou método idoneidade para provocar a morte a quem queira fazê-lo ou propriedade para a provocar sem sofrimento, constituindo assim um aliciante para quem tenha predisposição para pôr termo à vida e não se encontre ainda suficientemente decidido, em virtude de, por exemplo, temer enfrentar os custos de um expediente de que se não conhece os efeitos ou as dores ou angústias que provoca. Cita-se até o exemplo de livros já dados à estampa que divulgam mecanismos eficazes de suicídio, constituindo como que compêndios de morte segura e sem dor.
Pomos muitas reservas a esta nova incriminação, além do mais porque ela se torna capaz de absorver condutas que estão aquém dos próprios actos preparatórios, o que pode prestar-se a abusos.
ISMAI, 9 de Março de 2011
Manuel Simas Santos
[1] A rebeldia contra o inevitável (a morte) nasce depois do moribundo tomar consciência da sua gravidade. No fundo é um protesto vital ao descobrir que já não existe nenhuma saída para o seu problema. Esta rebeldia expressa-se de formas diferentes, projectando-se sobre médicos, hospitais, familiares e até sobre a sociedade. Trata-se de encontrar um culpado daquilo que já não tem solução, atitude que é igualmente assumida com frequência pelos familiares que não aceitam a morte de um ser querido, que talvez se pudesse ter evitado se tivesse tido outras possibilidade que lhe negaram,
A aceitação da morte não é alcançada pela maioria dos pacientes, sendo que tal aceitação se traduz numa reconciliação pacifica com o destino, na disposição a assumir a proximidade desse futuro.
[2] No sentido usado acima, sem a vontade da pessoa morta.
[3] Art. 35.° do Código Penal.
Diário da República nº 62 Série I de 29/03/2011
segunda-feira, 28 de março de 2011
Diário da República nº 61 Série I de 28/03/2011
Diário da República nº 60 Série I de 25/03/2011 Suplemento 1
Argumentação
Autoridade
domingo, 27 de março de 2011
Recursos Penais
sábado, 26 de março de 2011
Diário da República nº 59 Série I de 24/03/2011
Recrutamento e Formação de Magistrados - passado, presente e futuro
No Cóloquio sobre este tema, foi apresentada pelo Dr. Rui do Carmo, uma comunicação que nos parece da maior utilidade e interesse
(Sindicato dos Magistrados do Ministério Público)
Lisboa, 18 de Março de 2011 – Hotel Real Palácio
I
O tema do recrutamento, selecção e formação dos magistrados regressou à agenda político -judiciária, três anos após a entrada em vigor da lei que actualmente os disciplina. Nenhum drama vem daí ! É bom que este tema sej a obj ecto de debate não só nas estruturas e pelos agentes do sistema de justiça mas também pela sociedade organizada e pelos cidadãos, onde é extremamente deficitária a reflexão sobre esta matéria.
É particularmente importante que todos nos apropriemos deste debate porque os sinais que transpiram dos potenciais centros de decisão e dos centros que aspiram a influenciar os decisores são, a meu ver, pouco claros, mesmo estranhamento contraditórios nalguns aspectos, e surgem num ambiente de pressentidas tensões ou acordos palacianas que sistematicamente o obscurecem. Há que exigir informação e direito à participação. Felicito, por isso, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público pela organização deste encontro, mas a reflexão e o debate têm de ir mais longe, têm de nos confrontar com os destinatários da actividade judiciária, que são simultaneamente, nos termos constitucionais, os titulares originários do poder-dever de administrar a justiça. Reafirmo o que escrevi em 2004, quando se vivia a turbulência de mais um dos muitos e cíclicos anúncios
de revolução coperniciana nesta área, num ambiente com relevantes semelhanças com o actual: “o recrutamento, selecção e formação dos magistrados não é um problema interno deste grupo profissional”. É altura de o reafirmar.
E de deixar claro que, nesta como em qualquer outra matéria, não existe nenhum reduto onde esteja alojada a consciência moral do sistema de justiça, nem, felizmente, nenhum oráculo a que nos devamos dirigir para escutar a receita mágica para a melhoria da sua resposta às exigências da vida actual, da sociedade e dos cidadãos.
Tenho o dever, contudo, de esclarecer a que me refiro quando falo de sinais pouco claros, mesmo estranhamento contraditórios.
Refiro-me à prolongada indefinição sobre a existência ou não, neste ano, de concurso para recrutamento de novos magistrados judiciais, do Ministério Público e para os tribunais administrativos e fiscais, acompanhada por um argumentário que vem oscilando entre, por um lado, a necessidade de racionalizar os meios humanos existentes e a sua eventual suficiência e, por outro, a necessidade de esperar pelos resultados da contratada avaliação do actual modelo de recrutamento e formação.
Refiro-me à simultaneidade da reivindicação de mais meios humanos com o silêncio sancionador da inexistência de concurso para ingresso no CEJ, por parte de responsáveis institucionais das magistraturas.
Refiro-me, ainda, à conjugação de tudo isto com o anúncio de uma “proposta de lei de regime extraordinário de completamento da formação e colocação dos magistrados em
formação no Centro de Estudos Judiciários”, cujo conteúdo se desconhece, e com as diligências em curso para formação pelo CEJ dos substitutos de procurador-adjunto que actualmente se encontram ao serviço nas comarcas.
E as nuvens adensam-se se juntarmos a estes ingredientes a constatação da crescente fragilização do Centro de Estudos Judiciários, incapaz que está de ter um papel activo e esclarecido em todo este processo, não havendo j ogos de palavras, ou de sombras, que o consigam disfarçar.
Neste quadro, é, por outro lado, ainda mais importante que se conheçam publicamente, se é que existem, os termos de referência que orientam a avaliação que está actualmente a ser feita, pelo Observatório Permanente da Justiça, ao sistema de recrutamento e formação de magistrados e ao Centro de Estudos Judiciários, tomando ainda em consideração as palavras do Senhor Ministro da Justiça na tomada de posse dos novos directores-adjuntos do CEJ, circunstância em que falou em “acentuar a vocação do CEJ para a formação permanente e aumentar a intervenção de outras entidades, designadamente universidades, na formação inicial dos magistrados”.
Ou seja, a primeira mensagem que aqui quero trazer é a da necessidade de informação, de transparência e de alargamento do debate.
II
Quando se aborda o tema do recrutamento, selecção e formação de magistrados, trata-se, antes de mais, e necessariamente, de saber o que deles se espera.
Não se espera, decerto, que sejam magistrados funcionalizados, reprodutores de rotinas, sem espírito crítico e sem capacidade de iniciativa e de inovação, paralisados em face da novidade dos problemas e das respostas, insistindo em velhas ideias para responder aos novos desafios, impreparados para os compreender e para o debate interdisciplinar.
Espera-se, sim, que sejam magistrados capazes de assumir o seu estatuto de independência ou de autonomia, com uma boa compreensão do seu estatuto constitucional e profissional, preparados para apreender e compreender o facto e responder de forma esclarecida e pragmática aos desafios da actual complexidade social, conscientes da sua função e comprometidos com as consequências das decisões e com a sua efectiva execução.
Só estes estarão preparados para serem magistrados nos tempos de hoje, que exige, repito, competência técnica, capacidade de diálogo com os outros saberes cada vez mais presentes e essenciais à actividade judiciária, para interagir com os outros intervenientes no processo, de o conduzir de forma esclarecida e pragmática tendo sempre presente o seu objectivo, de concretizar o programa da lei em cada caso concreto e de fazer cumprir as decisões.
A formação, seja a formação inicial seja a formação contínua, que é um instrumento ao serviço da melhoria da qualidade e da capacidade de resposta do sistema de justiça, tem de ter sempre isso presente. Tendo por referência a prática judiciária, só cumprirá essa função se, na sua programação e execução, for capaz de a questionar, de transformar experiência em conhecimento e de introduzir inovação.
Ao longo destes mais de 30 anos, as tensões vividas reconduziram-se ao que j á fora enunciado na exposição do motivos do primeiro anteprojecto do diploma de criação de Centro de Estudos Judiciários, que passo a citar pela inutilidade de inventar novas palavras: ”a necessidade de evitar que [a formação de magistrados] se transforme em actividade de pósgraduação apenas dirigida ao desenvolvimento teórico de anterior aprendizagem; a necessidade de evitar esquemas utilitaristas em que se privilegie excessivamente o adestramento prático em prejuízo da investigação, da reflexão e da elaboração doutrinal; a necessidade, sobretudo, de evitar fórmulas que imponham ou insinuem modelos de comportamento impeditivos do enriquecimento da personalidade”.
A segunda mensagem que aqui quero trazer é, pois, a de oposição a um modelo de formação/reprodução assente na imitação e no “mito da experiência” e, consequentemente, a mensagem da necessidade de manutenção e fortalecimento do Centro de Estudos Judiciários enquanto centro de formação profissional das magistraturas, mas também enquanto centro de “investigação e estudo no âmbito judiciário”, faceta que, embora continue a constar expressamente da definição legal da sua missão, tem sido completamente abandonada.
III
Claro que há aspectos a repensar, claro que é importante monitorizar a actividade do CEJ, promover o estudo e o debate – a inquietação é um alimento essencial para a vitalidade de uma instituição com esta difícil missão, tão permeável à evolução científica, social, económica e política.
Um dos aspectos a repensar é o dos critérios de recrutamento e selecção de novos magistrados – que merece uma grande reflexão, centrada fundamentalmente na necessidade de conter a cíclica criação de regimes excepcionais, de clarificação sobre o que se deve pretender avaliar nos exames de acesso ao CEJ e na reponderação quanto ao actual regime de acesso pela via profissional. Esta, por exemplo, a via profissional, que constitui um positivo contributo para o enriquecimento do tecido sócioprofissional das magistraturas, pela maior diversidade de idades, trajectos e experiências profissionais que nelas incorpora, precisa urgentemente de ser clarificada quanto aos requisitos de admissão ao concurso e repensada quanto aos métodos de selecção.
Outro motivo de reflexão deve ser o acentuar da vertente interdisciplinar e de tratamento do facto na fase teórico-prática da formação inicial, cosendo-se os seus dois ciclos com a linha de um objectivo comum, e definindo de forma clara o contributo que se pede a cada um deles para o alcançar.
O 1º ciclo deve procurar alcançar quatro grandes objectivos – compreensão da inserção constitucional dos tribunais na organização do poder político e das suas funções; interiorização das regras estatutárias, éticas e deontológicas que terão de reger o exercício da magistratura; aquisição de conhecimentos que não resultam da formação de base dos auditores de justiça e que se mostram essenciais ao exercício da função para que se estão a preparar; aprendizagem do método judiciário de apreensão, compreensão e tratamento do facto. Para que os cumpra, o núcleo essencial das suas actividades não deverá ser organizada por “disciplinas”, antes deve consistir na abordagem de temas seleccionados pela sua relevância sócio -judiciária, de forma multifacetada e interdisciplinar, que inclua a vertente jurídica substantiva e processual, o tratamento do facto, a sua compreensão, os contributos de outras disciplinas imprescindíveis ao seu conhecimento e abordagem, a análise das expectativas e dos efeitos da intervenção judiciária.
O 2ºciclo, que decorre nos tribunais, esse sim, deverá ser o ciclo por excelência do aprender a “saber fazer”. A que se segue o estágio.
São duas fases de formação complementares, que terão de ser concebidas e executadas de forma articulada, mas a verdade é que a ligação entre elas nunca foi obj ecto de intervenção suficientemente clarificadora, o que em certa medida as autonomizou e potenciou a construção de uma praxis que, por vezes, se assemelha à da coexistência de dois modelos de formação rivais.
A formação contínua e especializada tem sido, do ponto de vista do que nela é investido, dos meios que estão disponíveis para nela investir, o parente pobre do CEJ. Situação que terá de ser urgentemente modificada. Porque não é compatível com as crescentes exigências de actualização profissional, com a importância que lhe é atribuída na mais recente legislação sobre a organização judiciária e os estatutos socioprofissionais. Porque o seu reforço é fundamental para promover a inovação e limitar as tendências pedagógico-reprodutivas nas inspecções. Para que a formação contínua e especializada sej a, efectivamente, um direito e um dever dos magistrados.
O modelo de governação do Centro de Estudos Judiciários é condição da capacidade de provocar aperfeiçoamentos, da vitalidade da sua afirmação e do cabal cumprimento da sua missão, tendo, para isso, de garantir uma ampla legitimação da definição do seu programa de trabalho, o efectivo acompanhamento da sua execução pelos órgãos da instituição e um funcionamento corrente colegial, democraticamente participado, motivador e criativo.
A terceira mensagem que vos quero trazer é, pois, que as questões respeitantes à formação não são, obviamente, questões fechadas, muito há a reflectir e a inovar, há aspectos que necessitam manifestamente de ser melhorados e reequacionados, e o funcionamento do Centro de Estudos Judiciários é um factor de grande relevância, e preocupação, nesse processo.
IV
É essencial que se crie um ambiente de confiança para a reflexão sobre o recrutamento, selecção e formação de magistrados. A não disponibilização da informação e o sentido contraditório dos sinais que têm marcado esta matéria nos últimos meses têm provocado e agravado o sentimento de incerteza, e são responsáveis pela circulação do boato e pela degradação das condições para um diálogo aberto e esclarecedor.
É preciso libertar a palavra. É decisivo que se exija informação e se provoque o debate.
Obrigado pela vossa atenção.
Rui do Carmo
sexta-feira, 25 de março de 2011
Sangue sob investigação
Decorrem em 1 e 2 de Abril de 2011 as V Jornadas de Ciências do ISCS-N, sob o nome de Sangue sob investigação, na Alfândega do Porto:
Dia 1 de Abril:
(Manhã)
9H00 - Palestra Inaugural "Vida e obra do glóbulo rubro"
Sessão I - Sangue em investigação:
Novos Anticoagulantes: uma perspectiva da Química Medicina, Marta Correia da Silva
"Investigação Genética e Clínica: diagnóstico citogenético e molecular a partir de amostras de sangue", Beatriz Porto
Análises Toxicológicas e Forenses do Sangue", Ricardo Dinis
SESSÃO II-A - Sangue, doenças e terapias
“O Complexo Major de Histocompatibilidade (MHC) visto pelo Imunologista e pelo transplantador", Hélder Trindade
"Uma gota de Sangue do Pé: Diagnóstico e Vida", Hugo Rocha
(Tarde) SESSÃO II-B - Sangue, doenças e terapias
"Bases de Dados Genéticas", Manuel José Carrilho de Simas Santos
- "Transplantação de progenitores hematopoiéticos: uma terapia celular de sucesso", Manuel Abecasis
Dia 2 de Abril de 2011
(Manhã)
SESSÃO III - Sangue, novas fronteiras
"Investigação Genética Forense a partir de amostras de sangue - realidade e interferências", Fátima Pinheiro
Doenças do Sangue e Transmissão", Patrícia José Anastácio Jardim
Dádivas de Sangue, Promoção, Publicidade e Relações Públicas", Maria João Medeiros
Tratamento com Sangue: Evolução dos conhecimentos ao longo do séc. XX", Benvindo Justiça
quinta-feira, 24 de março de 2011
Noções de Processo Penal
Sem perder de vista a necessária conceptualização, optou-se por abordar a matéria acompanhando sequencialmente todo o articulado do Código de Processo Penal, com referência à jurisprudência e doutrina relevantes, deixando pistas que possam contribuir para o eventual aprofundamento por parte dos leitores.
Obviamente foram tomadas em consideração também as alterações introduzidas pela Lei n.° 26/201 0, de 30 de Agosto.»
Medida da Pena, Finalidades, Escolha
Passa em revista o principal dessa jurisprudência em tais matérias, a partir da vigência do CP1982, mas especialmente depois da Revisão de 1995. E intenta patentear ue a aplicação das penas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma, abalada pela prática do crime, isto 4, a tese da predominância da prevenção geral sobre as finalidades da retribuição e da prevenção especial, não parece coadunar-se com a melhor interpretação das normas do Código Penal e levará a resultados que não são os mais adequados. Propende-se para que a praxis siga um outro fio doutrinário, sustentado nomeadamente por penalistas nacionais como Sousa e Unto e Faria Costa, na esteira também da junsprudõncia alemã, em que se põe o acento na pena ligada ao moderno conceito de retribuição — a «pena merecida» —, onde o papel da culpabilidade do agente é essencial como fundamento, medida e seu limite, dando-se prioridade à prevenção especial (a recuperação do delinquente e a sua reintegração na sociedade) sobre a prevenção geral.
Considera-se a teoria mista ou integradora dos fins das penas a que mais se adapta ao quadro legal português, contendo as melhores respostas a uma salutar vivência em sociedade, ao colocar no centro da atenção o homem e a sua culpa, deixando em segundo plano os clamores difusos da sociedade.
Recolhem-se as correntes jurisprudenciais mais importantes s as penas aplicadas no tráfico de droga, no concurso dc crimes e temas em conexão (como o cúmulo com penas suspensas, por «arrastamento» ou o cúmulo juridico com penas perdoadas), em acidentes de viação com «culpa grave» ou «negligência grosseira», no crime continuado, enfim, sobre o uso do princípio da igualdade e a extensão dos poderes de sindicãncia da medida da pena no Supremo Tribunal, procedendo-se á sua análise critica.
Procura-se, na parte final, desenhar um modelo teórico-prático para fixar a medida e a escolha da pena, algo em permanente aperfeiçoamento, numa área que começa a ser objecto de meditação crescente, quer nos sistemas de direito anglo-saxónico quer nos continentais.»
Regime Geral das Infracções Tributárias
terça-feira, 22 de março de 2011
Biblioteca Digital Mundial
Pode ler-se em Português, Francês, Espanhol e Inglês. É só escolher a língua!
A Biblioteca Digital Mundial abriu este mês em Paris. É da Unesco.
Aprendendo a navegar, podemos ampliar fotos, ler comentários e manuscritos raros...
Informação da Sociedade Portuguesa de Criminologia
O 16º Congresso Internacional da Sociedade Internacional de Criminologia acontecerá entre os dias 5 e 9 de Agosto, em Kobe (Japão) e tem como tema “Global Socio-Economic Crisis and Crime Control Policies: Regional and National Comparison”. As inscrições estão abertas e toda a informação pode ser encontrada em: http://wcon2011.com.
O 6º Simpósio de Criminologia de Estocolmo está já agendado para os dias 13, 14 e 15 de Junho de 2011. O tema principal será “Desisting from Crime. It’s never too late!”. Mais informações em http://www.criminologyprize.com/extra/pod.
No dia 15 de Abril decorrerá o Colóquio “50 ans de Victimologie au Québec”, na Universidade de Montréal. O colóquio contará com a presença de nomes como Ezzat Fattah, Jo-Anne Wemmers e Marie-Marthe Cousineau, entre outros. Mais informação em: http://www.cicc.umontreal.ca/activites_publiques/colloques/affiche_colloque_50ans_victimologie_final.pdf
Acontecerá na Universidade de Artois, entre os dias 14 e 15 de Dezembro de 2011, o colóquio internacional intitulado “Violences à l’école: normes et profissionalités en Question”. O colóquio pretende desenvolver 4 eixos temáticos: a violência como objecto cientifico e problema social; sociabilidades e vivências; vitimação; prevenção. Mais informações em: http://www.colloque-violences-arras.eu/
Está já disponível a última newsletter (em linha) do International Juvenile Justice Observatory: http://www.oijj.org/boletin/en/boletin_74_2011.htm
Conferência - Curso de Criminologia do ISMAI
Casa da Supplicação
Tráfico de estupefacientes – correio de droga – atenuação especial da pena
I - No caso em apreço, o ora recorrente, detido em flagrante delito de transporte de cocaína no aeroporto de Lisboa, imediatamente colaborou activamente com a polícia, pois indicou o local e o modo onde iria ser contactado pelo outro co-arguido, para que aquela substância pudesse ser posteriormente transportada para Espanha.
II - Se não fosse tal colaboração do recorrente, traduzida nessas informações e na informação dada ao co-arguido de que estava “tudo bem”, quando este telefonou para o hotel onde ficara combinado o encontro, nunca a polícia teria suspeitado da existência desse co-arguido e, portanto, só através do recorrente foi possível vir a capturá-lo e, mais tarde, a condená-lo no âmbito deste processo.
III - Assim, há que reconhecer que o ora recorrente actuou de forma a “auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou ter lugar a dispensa de pena”.
IV - O recorrente deve, pois, beneficiar de atenuação especial da pena, nos termos dos art.ºs 31.º do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e 73.º do CP, mas não da dispensa da pena, pois a sua colaboração só permitiu a captura de um outro «correio» e não de um dos “mandantes”, da organização criminosa em causa. Teria sido mais importante, por exemplo, que o arguido colaborasse para a detenção de quem lhe entregou a cocaína para transporte, mas sobre isso limitou-se a referir simples nomes indistintos, que para a investigação acabam por ser irrelevantes.
V - Entende-se adequado, face aos facto provados e à personalidade do recorrente, tendo em conta o disposto nos art.ºs 21.º, n.º 1, e 31.º do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e 73.º do CP, condená-lo na pena de 3 anos de prisão (reduzindo a pena de 5 anos e 3 meses de prisão que a 1ª instância lhe aplicou), mas não suspensa na sua execução, pois nos casos em que o agente actua como correio internacional de droga, portanto, como uma peça muito importante para a organização criminosa que dele se serviu e que esperava, através dele, introduzir grande quantidade de produto no mercado europeu, há fortes razões de prevenção geral para impedir a suspensão da pena, pois tal faria desacreditar a expectativa que a comunidade tem sobre a eficácia da norma que pune tais condutas.
AcSTJ de 16-03-2011, Proc. n.º 187/10.4JELSB.S1, Relator: Conselheiro Santos Carvalho
Habeas corpus – prazo da prisão preventiva – recurso da prisão preventiva – prazo para decisão
I - O requerente do habeas corpus alega que se encontra em prisão preventiva para além do prazo fixado na lei, pois que ainda não teria sido decidido um recurso que interpôs sobre a aplicação da medida coactiva e já foi ultrapassado o prazo máximo de 30 dias, contado desde que o recurso foi recebido no tribunal da relação, em violação do disposto no art.º 219.º, n.º 1, do CPP.
II - Apurou-se, posteriormente, contudo, que o recurso foi julgado improcedente por acórdão de 1 de Março de 2011, pelo que a alegação do requerente, enviada também em 1 de Março, mas com carimbo de entrada de 9, já não tinha actualidade (embora o requerente ainda não estivesse notificado do acórdão) e tanto bastaria para indeferir a sua pretensão, pois o habeas corpus destina-se a obviar a uma prisão que padeça de uma ilegalidade ostensiva actual e em curso (princípio da actualidade).
III - Seja como for, o prazo máximo de prisão preventiva na fase processual em que se encontra o procedimento – inquérito antes de deduzida acusação – é de 6 meses, pois tem-se em vista a investigação por criminalidade violenta e por crimes puníveis com prisão superior a 8 anos, conforme resulta do disposto no art.º 215.º, n.ºs 1, al. a) e 2, do CPP. O prazo máximo da prisão preventiva está, assim, muito longe de se esgotar.
IV – O prazo previsto no art.º 219.º, n.º 1, do CPP não faz parte do elenco dos prazos máximos de prisão preventiva configurados na lei, todos vertidos no art.º 215.º, o qual, aliás, tem mesmo a epígrafe “Prazos de duração máxima da prisão preventiva”. E, por essa razão, são os prazos do art.º 215.º que se devem ter em conta para o efeito do disposto na al. c) do n.º 2 do art.º 222.º, quando no habeas corpus se alega excesso de prazo de prisão preventiva. Não quaisquer outros prazos que corram durante o decurso da prisão preventiva, como os de reexame dessa medida (art.º 213.º) ou os da decisão dos recursos.
V - Há que reconhecer, também, que o prazo previsto no art.º 219.º, n.º 1, do CPP não tem natureza peremptória, mas meramente reguladora do andamento do processo, no sentido de que a decisão do recurso é urgente e não deve ser protelada. Pois, se este prazo fosse peremptório, seria obrigatório que alguma norma legal – aquela ou outra – indicasse a consequência directa do seu incumprimento.
VI - As consequências por não haver uma decisão do recurso sobre a prisão preventiva no prazo de 30 dias são as de que o sujeito processual interessado pode solicitar a aceleração do processo (art.º 108.º do CPP) ou de que pode ser instaurado um procedimento disciplinar ao magistrado prevaricador.
VII – A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de que “a demora de 23 dias na decisão sobre a legalidade da prisão preventiva violava o artigo 5.º, § 4.º, da CEDH” tem de ser adaptada ao nosso ordenamento jurídico, pois no CPP português o recurso do despacho que aplicou ou manteve a prisão preventiva não suspende o andamento do processo nem a contagem do prazo da prisão preventiva, pelo que a investigação prossegue e a medida coactiva pode ou não ser alterada ou revogada no processo principal, independentemente do resultado do recurso.
VIII – O prazo de 30 dias previsto no art.º 219.º, n.º 4, foge muitas vezes ao controle do juiz relator da relação, pois é frequente ter de se solicitar à 1ª instância mais elementos para além dos que constam da certidão (já que o recurso é instruído e remetido em separado do processo principal), para além de que o M.º P.º junto do tribunal superior tem o prazo de 10 dias para se pronunciar (art.º 416.º do CPP), o recorrente tem outros 10 dias para responder ao parecer desse Magistrado (art.º 417.º, n.º 2) e o processo tem de ir a vistos dos outros juízes. Tudo somado, muitas vezes o acórdão não pode ser lavrado e aprovado na conferência no prazo indicado na lei processual de 30 dias, quanto mais no prazo de 23 dias aludido pelo TEDH.
IX - “A demora no conhecimento do recurso” tem de reportar-se, à luz do nosso CPP, ao momento em que, depois de o processo ter sido concluso ao juiz relator da relação para decidir, isto é, depois do parecer do M.º P.º e, se for caso disso, do cumprimento do art.º 417.º, n.º 2, do CPP, já tenham decorrido os 30 dias previstos na lei, acrescidos de um razoável prazo de tolerância (que, sendo de 23 dias, o TEDH já considerou como excessivo).
AcSTJ de 16-03-2011, Proc. n.º 155/10.6JBLSB-C.S1, Relator: Conselheiro Santos Carvalho
Nulidade da sentença – regime especial para jovens – fundamentação de facto – concurso de infracções – pena única – cúmulo por «arrastamento» – medida da pena
I - A questão da aplicação do regime decorrente do Dec.-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, que prevê um regime especial para jovens delinquentes, com idades compreendidas entre os 16 e os 21 anos de idade, só se coloca, quer na vertente da escolha de penas não detentivas, quer na da atenuação especial da pena de prisão, em relação à determinação de cada uma das penas parcelares e não quanto à pena única.
II - Efectivamente, a escolha da pena da pena única efectua-se nos termos do art.º 77.º do CP e, ao contrário do que sucede quanto às penas parcelares (cfr. art.ºs 70.º a 72.º do CP), não há nenhuma possibilidade de escolha de pena alternativa à espécie das que compõem o concurso de crimes, nem qualquer permissão para se atenuar especialmente a respectiva moldura, que se situa entre a pena parcelar mais grave e a soma de todas as penas, num máximo de 25 anos de prisão.
III - Já noutras circunstâncias temos entendido que «1– Não é necessário, nem desejável, que a decisão que efectua um cúmulo jurídico de penas, todas já transitadas em julgado, venha enumerar os factos provados em cada uma das sentenças onde as penas parcelares foram aplicadas. Isso seria um trabalho inútil e que não levaria a uma melhor compreensão do processo lógico que conduziu à pena única. 2- Mas, será desejável que o tribunal faça um resumo sucinto desses factos, por forma a habilitar os destinatários da sentença, incluindo o Tribunal Superior, a perceber qual a realidade concreta dos crimes anteriormente cometidos, cujo mero enunciado legal, em abstracto, não é em regra bastante. Como também deve descrever, ou ao menos resumir, os factos anteriormente provados que demonstrem qual a personalidade, modo de vida e inserção social do agente».
IV – A inobservância dessas regras pode conduzir à nulidade da sentença, mas tal decisão só encontrará justificação em casos extremos, em que não constam dos autos as certidões das sentenças onde foram aplicadas as penas parcelares e em que o tribunal foi completamente omisso na descrição factual, deixando o tribunal “ad quem” completamente impossibilitado de tomar uma decisão justa.
V - Tanto mais que não podemos olvidar que as circunstâncias concretas de cada caso já foram valoradas nas sentenças respectivas e, portanto, não o podem ser novamente na escolha da pena única, sob pena de violação do princípio “ne bis in idem”.
VI - O acórdão recorrido não efectuou o chamado «cúmulo por arrastamento», pois não cumulou a pena parcelar da primeira sentença a transitar em julgado (a do proc. 69/06.4PAVNF do 1º Juízo Criminal de V. N. de Famalicão – transitada em 23-04-2007) com as penas aplicadas aos crimes cometidos depois dessa data, apesar de muitos outros crimes dos mesmos processos terem sido cometidos anteriormente e estarem as respectivas penas numa situação de concurso com aquela.
VII - O tribunal recorrido optou por separar as penas dos crimes cometidos antes de 23-04-2007 (data do primeiro trânsito das sentenças em causa) das penas dos crimes cometidos depois, o que se mostra juridicamente correcto face ao disposto no art.º 78.º do CP e até corresponde a uma ordem cronológica que tem o mérito de distinguir as penas “que reflictam a advertência solene que foi feita pelo trânsito em julgado da condenação sofrida no processo n.º 69/06.4PAVNF”.
VIII - Contudo, é possível, sem ofensa do disposto na mesma norma legal, distinguir a pena do processo n.º 69/06.4PAVNF, que fica isolada, das penas parcelares de todos os restantes processos, pois, destes, a primeira sentença a transitar em julgado foi a do processo n.º 102/07.8PIPRT, do 1º Juízo Criminal de Santo Tirso (em 22/06/2009) e todos os crimes dos restantes processos foram praticados antes dessa data, pelo que há uma situação de concurso entre os processos que se identificaram como B), C), D), E), F) e G).
X - A opção entre a solução do acórdão recorrido e esta, porém, não é indiferente, pois deve escolher-se a que mais favorece o arguido, embora, tendencialmente, seja lógico, como dissemos, agruparem-se os factos pelas épocas em que foram cometidos, os mais antigos de um lado e os mais recentes do outro, pois tal será o modo mais correcto de avaliá-los em conjunto, bem como a personalidade do arguido durante certo período temporal.
X - Acontece, porém, que numa situação em que se tem de formular mais do que uma pena única para o mesmo arguido, a cumprir sucessivamente, e em que há penas parcelares que tanto podem ser englobadas num dos concursos de penas como no outro, a escolha faz-se de modo a agrupar as penas mais elevadas que sejam cumuláveis entre si.
XI - Na verdade, essa será a situação mais favorável para o arguido, pois, na formação da pena única, quanto maior é o somatório das penas parcelares, maior é o factor de compressão que incide sobre as penas que se vão somar à mais elevada, pois, se assim não fosse, muito facilmente se atingiria a pena máxima em casos em que a mesma não se justifica perante a gravidade dos factos.
XII – O tribunal recorrido condenou o recorrente em duas penas únicas de cumprimento sucessivo, uma de 12 e outra de 11 anos de prisão, mas seria possível, na avaliação conjunta dos factos e da personalidade daquele, reduzir essas penas únicas, agrupadas pelo modo como fez a 1ª instância, para 7 e 8 anos de prisão. Contudo, pelo método de deixar isolada a primeira pena que transitou em julgado, para depois cumular todas as restantes (que estão entre si numa situação de concurso), seria de condenar o recorrente na pena singular de 1 ano de prisão (cuja suspensão ainda se mantém pendente de posterior decisão), a que acresce uma pena única de 10 anos de prisão.
XIII - Vemos assim que, embora a 1ª hipótese fosse a que melhor iria espelhar o percurso de vida do recorrente, a segunda (também juridicamente correcta) é-lhe muitíssimo mais favorável. Não temos dúvida, portanto, em acolher esta última, pois se o mesmo está a ser “prejudicado” pelo facto de algumas condenações terem transitado em julgado mais «cedo» do que as outras (o que, na prática, impediu o cúmulo jurídico de todas as penas), não pode agora ser prejudicado por outras terem transitado mais «tarde», por força da lentidão de alguns processos judiciais.
AcSTJ de 16-03-2011, Proc. n.º 92/08.4GDGMR.S1, Relator: Conselheiro Santos Carvalho