Reclamação para o presidente - esgotamento do poder jurisdicional - tráfico de estupefacientes - tráfico de menor gravidade - medida da pena
I - O despacho que decidiu a reclamação para o Presidente do STJ do despacho de não admissão dos respectivos recursos só tem eficácia em relação ao reclamante, pois as arguidas, que não reclamaram, conformaram-se com essa situação.
II - Daí que, em relação a tais arguidas, não podia ser modificada a decisão que não admitiu os recursos, já que estava esgotado o poder jurisdicional do Juiz Desembargador relator (art.º 666.º, n.ºs 1 e 3, do CPC).
III - Por isso, o Juiz Desembargador relator não podia estender os efeitos da reclamação às arguidas não reclamantes, pois quanto a estas estava fixado na ordem jurídica, por despacho anterior não impugnado, que não cabia recurso do acórdão da Relação.
IV – Tendo-se provado que o recorrente dedicava-se a uma “actividade de venda de estupefacientes”, “de forma regular e reiterada, no intuito de angariar(em) meios económicos”, pois “dela retirava(m) a maioria e em alguns casos a totalidade dos proveitos económicos que auferia(m)”, que vendia heroína e cocaína, designadamente na residência que habitava com a sua irmã, que lhe foram apreendidas 46 embalagens de heroína com um peso líquido de 9,738 gramas e 50 embalagens de cocaína com um peso líquido de 14,984 gramas, que lhe pertenciam e que destinava à venda aos consumidores e que, na sua residência, foi-lhe apreendido um saco de plástico, com recortes circulares, tendo em vista embalar a droga que vendia e a quantia global de € 255, produto de venda da droga e que ainda lhe foi apreendido um veículo ligeiro de passageiros, marca Opel, modelo Corsa, que utilizava no transporte da droga que comercializava, está-se perante uma actividade de venda de cocaína e heroína, de forma reiterada e regular, tendo em vista angariar os meios económicos de subsistência, o que não se compadece com uma imagem global de menor gravidade no tráfico, ainda que não se tenha a percepção de quanto tempo durou até ter sido interrompida pela intervenção policial.
V - Por isso, considera-se adequada a qualificação dos factos imputados ao recorrente no tráfico comum, p. e p. no art.º 21.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, mas, considerando a baixa ilicitude e as condições pessoais do arguido, mostra-se mais ajustada uma pena de 5 (cinco) anos de prisão.
AcSTJ de 03/07/2008, Proc. n.º 1969/08-5, Relator: Cons. Santos Carvalho
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Recurso para fixação de jurisprudência - oposição de julgados
I - A fixação de jurisprudência, como recurso extraordinário que é, não está vocacionada para resolver uma questão particular do sujeito processual interessado (pois pressupõe o prévio trânsito em julgado do acórdão recorrido), embora, reflexamente, possa vir a ter essa consequência final. Dirige-se primordialmente a uniformizar a jurisprudência e, por isso, tem como principais destinatários os tribunais e a comunidade jurídica em geral, em relação a qualquer questão jurídica que tenha sido decidida pelos tribunais superiores em sentido oposto.
II - Daí que, tratando-se de um meio jurídico que está para além dos previstos ordinariamente pela lei processual e em que se faz intervir um tribunal próprio, expressamente constituído para esse fim, com o seu peso e solenidade – o Pleno das Secções Criminais do STJ – é necessário, como requisito prévio, que tenha havido decisões jurídicas fundamentadas e expressas sobre o mesmo ponto de direito, por dois tribunais superiores e em sentido oposto.
III - Não bastará, portanto, para que haja oposição de julgados relevante que um tribunal superior tenha decidido fundamentadamente num sentido e que outro da mesma ou maior hierarquia tenha decidido em sentido oposto sem se debruçar especificamente sobre a questão jurídica que esteve na base da decisão diferente.
AcSTJ de 03/07/2008, Proc. n.º 1955/08-5, Relator: Cons. Santos Carvalho
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Aplicação na lei no tempo - recorribilidade - data da prolação da decisão condenatória - medida da pena - recurso de revista - suspensão da execução da pena - relatório social
1 – Tem vindo a entender-se, por consenso no STJ, por forma preservar a igualdade na aplicação da lei e sustentasse a previsibilidade que na matéria de aplicação da lei no tempo se impõem, face à inexistência de qualquer disposição transitória, designadamente na fase de recurso que, para o efeito do disposto no art.º 5.º, n.º 2, al. a), do CPP, os direitos de defesa, para além dos que têm eficácia em todo o decurso do processo (art.º 61.º, n.º 1), são apenas os que se encontram consignados para a fase processual em curso no momento da mudança da lei.
2 – A prolação da decisão final na 1ª instância encerra a fase processual do julgamento (Livro VII) e inicia, consoante o caso, a dos recursos (Livro IX) ou a das execuções (Livro X).
3 – Ao se iniciar a fase dos recursos, o arguido inscreve nas suas prerrogativas de defesa o direito a todos os graus de recurso que a lei processual lhe faculta nesse momento.
4 – A lei processual posterior que retirar o direito a um desses graus de recurso constitui um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.
5 – É recorrível para o STJ a decisão proferida pela Relação já depois da entrada em vigor da nova lei de processo que não reconheça esse grau de recurso, se a lei que vigorava ao tempo da decisão da 1ª instância o mandasse admitir.
6 – É aplicável a nova lei processual à recorribilidade de decisão que na 1ª instância já tenha sido proferida depois da entrada em vigor dessa lei, independentemente do momento em que se iniciou o respectivo processo.
7 – A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido.
8 – A escolha e a medida da pena, ou seja a determinação das consequências do facto punível, é levada a cabo pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, traduzindo-se numa autêntica aplicação do direito, sindicável por via de recurso, mas com limitações no recurso de revista.
9 – Tendo a arguida de 24 anos de idade. Sem antecedentes criminais, com uma filha de tenra idade, participado no tráfico conduzido essencialmente pelo seu companheiro, de Junho a Agosto do ano de 2006, traduzido na venda de heroína, cocaína e haxixe a consumidores que procuravam esses produtos, tendo sido apreendidos 430,856 grs de heroína, 24,698 grs de cocaína e 36,190 grs de haxixe, tem-se por adequada a pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
10 – Essa pena impõe a consideração da suspensão da execução e se já no recurso para a Relação e agora no recurso para o STJ, clama a recorrente que, desde a data do acórdão em primeira instância a arguida mudou de vida, e veio trabalhar para outra casa de família, lá fazendo limpezas bem como noutras casas onde pratica a actividade de empregada de limpeza, praticando assim um trabalho honesto e digno que lhe permite proporcionar a si e à sua filha o sustento que necessitam, necessário se torna a elaboração de um relatório social na reabertura da audiência, nos termos do art. 371.º do CPP, e logo a remessa dos autos para tal efeito à 1.ª Instância.
AcSTJ de 25.06.2008, proc. n.º 1799/08-5, Relator: Cons. Simas Santos *
Cúmulo jurídico superveniente - Pena única conjunta - Suspensão da execução da pena
1 - Havendo de fazer um novo cúmulo jurídico, por conhecimento superveniente de mais situações em concurso (art. 78.º do C. Penal) é desfeito o cúmulo anterior, no caso os cúmulos anteriores, e todas as penas parcelares readquirem a sua autonomia, devendo ser todas elas ponderadas na determinação da pena única conjunta, cuja individualização se move numa moldura penal abstracta balizada pela pena parcelar mais grave e pelo limite de da soma de todas a penas parcelares, com o limite absoluto de 25 anos (art. 77.º do C. penal) e que atende às condições pessoais do agente e que se reflectem na sua personalidade, bem como o seu desenvolvimento.
2 - Importa ter em atenção a soma das penas parcelares que integram o concurso, atento o princípio de cumulação a fonte essencial de inspiração do cúmulo jurídico em que são determinadas as penas concretas aplicáveis a cada um dos crimes singulares e é depois construída uma moldura penal do concurso, dentro do qual é encontrada a pena unitária – art. 77.º, n.º 2 do C. Penal, tendo em atenção os factos e a personalidade do agente, Sem esquecer, no entanto, que o nosso sistema é um sistema de pena unitária em que o limite mínimo da moldura atendível é constituído pela mais grave das penas parcelares (numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação – a punição do concurso correrá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes), sem que possa ultrapassar a soma das penas concretamente que seriam de aplicar aos crimes singulares.
3 - É, pois, de toda a relevância a consideração do quantum do limite mínimo a considerar, agravado em função de uma fracção variável, consoante as circunstâncias do caso, do remanescente das restantes penas, em geral não ultrapassando 1/3 daquele remanescente..
4 - A suspensão da execução da pena, medida de conteúdo pedagógico e reeducativo, só deve ser decretada quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias indicadas nos textos transcritos, ser essa medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade.
5 - Não é de suspender a execução da pena quando os antecedentes criminais do arguido e a sua personalidade (falta de inserção do arguido na vida em sociedade; falta de trabalho regular; ausência de interiorização dos normativos ético-jurídicos) não permitam concluir, como o exige o art. 50.º, n.º1 do C. Penal, que a mera ameaça da pena será suficiente para o afastar da delinquência, tarefa em que o próprio cumprimento de prisão não se mostrou eficaz.
AcSTJ de 03.07.2008, proc. N.º 2298/08-5, relator: Cons. Simas Santos
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Cúmulo jurídico - Medida da pena - Prevenção da reincidência
1 - Numa moldura de concurso de múltiplos crimes idênticos de burla que vai de 3 anos e 8 meses a 40 anos e 4 meses, com o limite de 25 anos, não merece censura a fixação da pena única conjunta de 8 anos de prisão, quando é elevado o grau de ilicitude da conduta dos arguidos, perante o significativo montante dos prejuízos patrimoniais que a mesma acarretou para terceiros, bem como a sofisticação do artifício criado para obter e subsequentemente comercializar os veículos automóveis que envolve já um planeamento prévio bem cuidado, mas ocorre ausência de antecedentes criminais de relevo, o agregado familiar passou dificuldades económicas, que terão constituído o estímulo detonador da situação que veio a ocorrer e concluiu que não se deveria afirmar ainda a insensibilidade dos recorrentes à condenação, e a esperança de pautarão futuramente as suas condutas por padrões de comportamento socialmente aceitáveis.
2 - Procurou-se encontrar um ponto de equilíbrio entre a prevenção da reincidência e a objectiva gravidade dos factos praticados, que se estenderam por período de tempo considerável, atingindo um leque significativo de pessoas, sem que qualquer delas tenha sido, até à data, ressarcida, no entendimento correcto de que na avaliação da personalidade do agente que dá unidade à sua conduta releva fundamentalmente a compreensão do significado do conjunto dos factos: pluriocasionalidade ou tendência criminosa.
AcSTJ de 03.07.2008, proc. n.º 2039/08-5, relator: Cons. Simas Santos
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Omissão de pronúncia - Recurso da matéria de facto - Acórdão da Relação - Cúmulo jurídico - Pena única
1 - A omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença.
2 - O recurso em matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os "pontos de facto" que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham "decisão diversa" da recorrida, ou da renovação das provas nos pontos em que entenda que esta deve ocorrer; e, se for o caso, a análise referente aos vícios das diversas alíneas do n.º 2 do art. 410.º do CPP.
3 - Mas não se basta com meras declarações gerais quanto à razoabilidade do decidido no acórdão recorrido, requerendo sempre, nos limites traçados pelo objecto do recurso, a reponderação especificada, em juízo autónomo, da força e da compatibilidade probatória entre os factos impugnados e as provas que serviram de suporte à convicção. E a não apreciação da questão de facto devidamente suscitada constitui omissão de pronúncia, com a consequente nulidade do acórdão .
4 - Se a decisão recorrida contem declarações genéricas, com alguma extensão, sobre as limitadas possibilidades de reexame da matéria de facto que lhe assistem na prática, mas não se fica por aí e conhece não só dos vícios de matéria de facto a que se referem as mencionadas alíneas do n.º 2 do art. 410.º como aprecia igualmente os pontos impugnados pelo recorrente à luz da prova documentada, não se verifica omissão de pronúncia..
5 - Se a individualização da pena única conjunta deve ser feita numa moldura penal abstracta balizada pela pena parcelar mais grave (3 anos) e pela soma das penas parcelares (9 anos e 6 meses), a pena de 6 anos e 6 meses (n.º 2 do art. 77.º do C. Penal) a pena de 5 anos e 6 meses, com a agravação da pena mais grave em cerca de 1/3 do remanescente das restantes penas parcelares, ponto de referência que não impede, antes convoca na individualização concreta considerações do caso sujeito, se é grave a actuação do arguido, com carácter reiterado, persistente, mesmo estando perante agentes de autoridade no exercício da sua função, a perigosidade da sua conduta e o que tal traduz da personalidade do agente, reconhecível, aliás no percurso de vida e nos seus antecedentes criminais, postulando uma sensível reacção de prevenção da reincidência.
AcSTJ de 03.07.2008, proc. n.º 1312/08-5, relator: Cons. Simas Santos