Segundo despacho conjunto dos Ministro da Justiça e Reitor da Universidade de Coimbra, hoje publicado na Série II do Diário da República, foi criada a comissão de preparação da criação do Tribunal Universitário Judicial Europeu, com a seguinte composição: Doutor José Joaquim Gomes Canotilho, coordenador; Doutor Joaquim José Coelho de Sousa Ribeiro, por indicação do reitor da Universidade de Coimbra; Doutor José Manuel Aroso Linhares, por indicação do reitor da Universidade de Coimbra; Juiz conselheiro Álvaro José Brilhante Laborinho Lúcio, por indicação do Ministro da Justiça; Licenciada Inês Leonor Lopes Horta Pinto, por indicação do Ministro da Justiça; Licenciada Olga Sofia de Carvalho Seguro Canas, que presta apoio de secretariado.
O Tribunal Universitário Judicial Europeu propõe-se contribuir para um ensino do Direito mais próximo da prática judicial e para uma justiça aberta ao ensino e à comunidade universitária. Permitirá também a observação e a reflexão sobre o funcionamento da justiça, o estudo e a experimentação de formas de inovação nos serviços de justiça e o investimento nas novas tecnologias, sempre convocando os saberes das várias faculdades.
sexta-feira, 30 de junho de 2006
quinta-feira, 29 de junho de 2006
Mais um capítulo da guerra ao terrorismo: A declaração da invalidade das comissões militares
Muito embora não seja claro nalguns pontos o efeito prático mediato do acórdão Hamdam v. Rumsfeld do Supremo Tribunal dos EUA (nomeadamente a susceptibilidade de a aplicação das Convenções de Genebra, para além do art. 3, poder ser judicialmente imposta, vejam-se as motivações dos juízes Stevens e Kennedy, bem como a circunstância de se invocar essencialmente o poder legislativo do Congresso e não violações da Constituição material), a decisão hoje anunciada tem um inequívoco efeito simbólico, em especial se for lida em conjunto com o acórdão Rasul v. Bush & Al Odah v. United States (sumário pode ser visto aqui).
PS- Não se entusiasmem, são só 177 páginas em que, para além das declarações dos vencidos, é necessário confrontar as justificações dos juízes Stevens e Kennedy que integraram a maioria tangencial com variantes, sobretudo, importantes para definir o sentido de jurisprudência futura.
Casa da Suplicação LXXIV
Recusa de juiz - princípio do juiz natural ou legal - imparcialidade - controvérsia com a advogada do demandado civil
1 - A consagração do princípio do juiz natural ou legal, segundo o qual intervirá na causa o juiz determinado de acordo com as regras da competência legal e anteriormente estabelecidas, surge como uma salvaguarda dos direitos dos arguidos, e encontra-se inscrito na Constituição (art. 32.°, n.° 9).
2 – No entanto, podendo ocorrer, em concreto, efeitos perversos desse princípio, foi acautelada a imparcialidade e isenção do juiz, também garantidos constitucionalmente (art.ºs 203.° e 216.°) quer como pressuposto subjectivo necessário a uma decisão justa, mas também como pressuposto objectivo na sua percepção externa pela comunidade, e que compreendem os impedimentos, suspeições, recusas e escusas, através de mecanismos a que só é licito recorrer em situação limite, quando exista motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
3 - Para que possa ser pedida a recusa de juiz é necessário que:
- A sua intervenção no processo corra risco de ser considerada suspeita;
- Por se verificar motivo, sério e grave;
- Adequado a gerar desconfiança, um estado de forte verosimilhança sobre a sua imparcialidade, ou seja o propósito de favorecimento de certo sujeito processual em detrimento de outro.
4 - Do uso indevido da recusa resulta, como se viu, a lesão do princípio constitucional do juiz natural, ao afastar o juiz por qualquer motivo fútil.
5 - O TEDH tem entendido que a imparcialidade se presume até prova em contrário; e que, sendo assim, a imparcialidade objectiva releva essencialmente de considerações formais e o elevado grau de generalização e de abstração na formulação de conceito apenas pode ser testado numa base rigorosamente casuística, na análise in concreto das funções e dos actos processuais do juiz.
6 – Não é de conceder a recusa de juiz que mantem com a advogado do demandante civil uma forte controvérsia, por não se ter demonstrado a relação entre essa controvérsia e os factos em julgamento, e o reflexo dessa situação na imparcialidade do juiz quanto à parte representada por aquela advogada.
7 – Esta solução não é violadora do disposto no art. 208.º da Constituição e 62.º, n.º 2 do EOA.
Ac. do STJ de 28.06.2006, proc. N.º 1937/06-5, Relator: Cons. Simas Santos
1 - A consagração do princípio do juiz natural ou legal, segundo o qual intervirá na causa o juiz determinado de acordo com as regras da competência legal e anteriormente estabelecidas, surge como uma salvaguarda dos direitos dos arguidos, e encontra-se inscrito na Constituição (art. 32.°, n.° 9).
2 – No entanto, podendo ocorrer, em concreto, efeitos perversos desse princípio, foi acautelada a imparcialidade e isenção do juiz, também garantidos constitucionalmente (art.ºs 203.° e 216.°) quer como pressuposto subjectivo necessário a uma decisão justa, mas também como pressuposto objectivo na sua percepção externa pela comunidade, e que compreendem os impedimentos, suspeições, recusas e escusas, através de mecanismos a que só é licito recorrer em situação limite, quando exista motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
3 - Para que possa ser pedida a recusa de juiz é necessário que:
- A sua intervenção no processo corra risco de ser considerada suspeita;
- Por se verificar motivo, sério e grave;
- Adequado a gerar desconfiança, um estado de forte verosimilhança sobre a sua imparcialidade, ou seja o propósito de favorecimento de certo sujeito processual em detrimento de outro.
4 - Do uso indevido da recusa resulta, como se viu, a lesão do princípio constitucional do juiz natural, ao afastar o juiz por qualquer motivo fútil.
5 - O TEDH tem entendido que a imparcialidade se presume até prova em contrário; e que, sendo assim, a imparcialidade objectiva releva essencialmente de considerações formais e o elevado grau de generalização e de abstração na formulação de conceito apenas pode ser testado numa base rigorosamente casuística, na análise in concreto das funções e dos actos processuais do juiz.
6 – Não é de conceder a recusa de juiz que mantem com a advogado do demandante civil uma forte controvérsia, por não se ter demonstrado a relação entre essa controvérsia e os factos em julgamento, e o reflexo dessa situação na imparcialidade do juiz quanto à parte representada por aquela advogada.
7 – Esta solução não é violadora do disposto no art. 208.º da Constituição e 62.º, n.º 2 do EOA.
Ac. do STJ de 28.06.2006, proc. N.º 1937/06-5, Relator: Cons. Simas Santos
terça-feira, 27 de junho de 2006
Canotilho quer Supremo e Constitucional lado a lado
Para Canotilho, os projectos de lei em discussão na Assembleia da República "estão a complicar o protocolo"
Por Susete Francisco, no DN de hoje
Por Susete Francisco, no DN de hoje
O Tribunal Constitucional (TC) e o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) devem ser colocados lado a lado no Protocolo de Estado, mas, a ser dada precedência, esta deve caber ao representante do Supremo. A opinião é defendida pelo constitucionalista Gomes Canotilho, numa altura em que a distribuição de lugares no protocolo está a provocar celeuma no TC - nos projectos de lei em discussão na Assembleia da República, os juízes do STJ têm precedência sobre os conselheiros do Palácio Ratton, o que já levou o presidente deste organismo a protestar junto dos grupos parlamentares.
Em declarações ao DN, Gomes Canotilho diz não ver razões para alterar o que tem sido a prática protocolar relativamente aos representantes do TC e do STJ - colocados ex aequo na quarta posição da hierarquia do Estado (logo atrás do primeiro-ministro), mas com a precedência do presidente do Supremo. Uma situação que merece a concordância do catedrático de Direito: "Os juízes sentem-se representados pelo Supremo e não pelo Tribunal Constitucional: é o tribunal mais antigo e o que representa a generalidade dos juízes." Mas Canotilho defende também que o protocolo deve contemplar unicamente um representante das duas instituições e não prever a presença de todos os conselheiros, quer do TC quer do STJ. Assim como "devia tratar dos órgãos de soberania e não estender-se" a outros organismos, defende, acrescentando que os projectos em discussão "estão a complicar o protocolo".
O projecto de lei do PS coloca o presidente do Supremo na quarta posição da hierarquia do Estado, seguido pelo representante máximo do TC. PSD e CDS colocam-nos lado a lado, mas dando precedência ao STJ. O problema passa pela inclusão dos 60 juízes do Supremo, com precedência sobre os conselheiros. Uma situação que, avançou ontem o Público, levou o presidente do TC, Artur Maurício, a manifestar o seu descontentamento em carta enviada aos grupos parlamentares. É mais um protesto quanto às precedências no protocolo, que vem juntar-se ao descontentamento já expresso por autarcas, deputados e até pelo ministro da Defesa, que criticou já o lugar atribuído pelo PS aos representantes das Forças Armadas.
Sobre a inclusão ou não da Igreja na lista de precedências do protocolo, Gomes Canotilho não tem dúvidas: não deve ser contemplada. Mas, nos casos em que as confissões religiosas sejam convidadas para cerimónias oficiais, o constitucionalista defende "que não será razoável dar o mesmo significado" à Igreja Católica e a outras confissões religiosas. Um tema que Canotilho tinha já abordado no âmbito do debate ontem organizado, em Lisboa, pela Ordem dos Advogados, sobre liberdade religiosa e direitos humanos. "O Estado pode ou não discriminar religiões?", questionou, defendendo que a lei da liberdade religiosa - que definiu como "uma excelente lei" - estabelece alguma discriminação ("uns têm direito à Concordata, outros a acordos, outros não têm direito a nada"), mas deixando também a interrogação sobre se esta diferenciação "não tem, apesar de tudo, justificação".
A revolta das Relações
Por Rui Macedo (advogado), no Público de hoje
A justiça cível piorou nos últimos anos: há mais erros judiciários do que dantes, e sobretudo mais casos de juízos abertamente divorciados da razão e inquinados por parcialidade evidente (o que era muito raro com o colectivo) e que a Relação faz questão de confirmar com muita honra e discurso de louvor e desagravo do juiz recorrido
O sindicato dos magistrados do MP promoveu recentemente uma tertúlia no Majestic. A dado passo ocorreu uma consonância. Silva Leal, que preside à Ordem dos Advogados no Porto, revelou que tem ouvido desembargadores pugnar pelo fim dos recursos em matéria de facto, o que, no seu entender, seria um retrocesso violador dos direitos de defesa dos cidadãos. O conselheiro Simas Santos acabaria por subscrever estas preocupações, acentuando que "as Relações estão a ter muita dificuldade para apreciar a matéria de facto. Há uma rebeldia", frisou. O sentido disto será um enigma para muita gente. Pois posso esclarecer, com o conhecimento de causa de quem já viu recursos dessa espécie serem sumariamente abatidos pela "rebeldia".
No século XX, emergiu nos países da common law e na Europa Ocidental um modelo de processo judicial que conta entre as suas regras (a) com o registo de toda a prova, incluindo os depoimentos prestados oralmente em audiência, e (b) com a garantia de recurso para um tribunal superior do julgamento sobre os factos pelo tribunal de 1.ª instância. O processo português, todavia, foi-se mantendo à margem da corrente, não obstante haver quem, na faculdade e na advocacia, deplorasse a insuficiente garantia de justo processo, decorrente da falta de documentação de toda a prova e duma plena dupla jurisdição. Argumentava-se, para não dar ouvidos àquelas vozes, que o julgamento dos factos por um colectivo de juízes já era uma garantia de justiça eficaz.
As coisas mudaram em 1995. Na revisão do processo civil então aprovada, garantiu-se a gravação dos depoimentos e a real possibilidade de impugnar o julgamento em matéria de facto no recurso para a Relação. Em contrapartida, o tribunal colectivo foi praticamente abolido, passando as causas a ser julgadas pelo juiz singular (a quem a literatura italiana, para não haver engano, chama monocrático). A última parte foi um erro tremendo. Nada aconselha um desinvestimento nas condições para um processo justo na 1.ª instância por troca com uma maior garantia do seu controlo pela Relação. O ideal é que uma causa seja bem julgada na 1.ª instância. A colegialidade cultiva e ilumina. A solidão do poder de dirigir o processo e julgar a causa atrofia e vicia. Em resultado disto, a justiça cível piorou na 1.ª instância.
Mas o pior estava para vir. Há quem veja no poder de julgar com inteira liberdade as controvérsias de facto, isento de escrutínio ou sindicância, limitado apenas pela sua consciência, a pedra de toque do poder, da independência e da autoridade do juiz, sintetizada neste sugestivo mote: o juiz é soberano em matéria de facto. Para esta ideia autocrática da justiça e do juiz, com adeptos fortes nos tribunais superiores (e na direcção da associação sindical dos juízes), a reforma de 95, ao admitir que o juízo sobre os factos seja passível de impugnação e controlo, representa uma intolerável desautorização do juiz. A esta rejeição ideológica, somou-se a rejeição pelos desembargadores da especialização da Relação como 2.ª instância de reapreciação da matéria de facto decidida na 1.ª instância. Confesso que o motivo disto me escapa. A Relação vivia numa penumbra entre dois focos. A questão de facto era arrumada na 1.ª instância. Na questão de direito, era preponderante o Supremo. A reforma de 95 dá à Relação a oportunidade de fazer a diferença, em terreno vedado ao Supremo: inspirar um modelo inteligente e competente de julgar as controvérsias de facto. E a Relação só pensa em reverter à condição anterior! Não entendo.
Mas já posso explicar o que é a "rebeldia" das Relações a que aludiu o conselheiro Simas Santos. A abrir, é uma proclamação de objecção de consciência a controlar a decisão do juiz de 1.ª instância, servida por uma linha de pensamento de fabrico próprio, indefensável e ptolomaica, nascida para servir o juiz e o desembargador, não para servir a justiça, adoptada por todas as Relações a uma velocidade inédita na formação duma jurisprudência, e sobranceiramente reiterada a cada acórdão, não obstante os avisos que vão surgindo de que aquilo rasga mais de 100 anos de estudos jurídicos.
A fechar, a "rebeldia" tem vindo a anular um regime legal com uma orientação dita jurisprudencial, criando uma caricatura de jurisprudência para tornar a lei inoperante. Chacina sistematicamente os recursos sobre a matéria de facto que lhe saem ao caminho, restaurando o regime anterior à reforma como aquele que realmente está em vigor. Remetendo aos advogados acórdãos deliberada e ostensivamente punitivos do acto de recorrer sobre a matéria de facto, está a caminho de levar a cabo o genocídio de uma categoria de recursos, e de exonerar as Relações, por acto de vontade própria, de uma função que lhes é cometida por lei, a de "verdadeira 2.ª instância".
Em resultado de tudo isto, a justiça cível piorou nos últimos anos: há hoje mais erros judiciários do que dantes, e sobretudo mais casos de juízos abertamente divorciados da razão e inquinados por parcialidade evidente (o que era muito raro com o colectivo), e que a Relação faz questão de confirmar com muita honra e discurso de louvor e desagravo do juiz recorrido. Engana-se pois o dr. Silva Leal, ao temer um retrocesso. Já é um facto consumado. Os desembargadores que tem ouvido apenas pretendem do Ministério da Justiça a certidão de óbito da espécie de recursos que vêm matando sem descanso. A consagração legal do poder que se atribuem de des-legislar o que não é do seu agrado nas leis de processo. Por mim, nem sei que dizer perante o arrojo triunfante disto. Pergunto-me de onde veio e como se instalou, e a resposta não condena apenas os seus autores. Condena todos os homens de leis, por termos deixado cair um manto de silêncio, tão raramente rompido, sobre tão grave desafio ao direito.
segunda-feira, 26 de junho de 2006
Acórdão Hudson v. Michigan (Supremo Tribunal Federal dos EUA 15-6-06)
No recente acórdão Hudson v. Michigan (15-6-2006), a maioria (5-4) entendeu que a violação do «knock and announce» na realização de buscas infringe o IV Aditamento à Constituição mas não implica a proibição de utilizar a prova obtida, existindo outros mecanismos que podem ser utilizados para prevenir a prática pela polícia de tal infracção (em particular disciplinares e cíveis), tendo a opinião vencida sido expressa numa fundamentação ainda mais longa do que a da maioria (a qual aliás teve matizes expressas na declaração do juiz Kennedy). A opinião maioritária do acórdão que pode ser consultado aqui foi assim resumida:
«JUSTICE SCALIA delivered the opinion of the Court with respect toParts I, II, and III, concluding that violation of the "knock-andannounce" rule does not require suppression of evidence found in a search. Pp. 2–13.
(a) Because Michigan has conceded that the entry here was a knock-and-announce violation, the only issue is whether the exclusionary rule is appropriate for such a violation. Pp. 2–3.
(b) This Court has rejected "[i]ndiscriminate application" of the exclusionary rule, United States v. Leon, 468 U. S. 897, 908, holding itapplicable only "where its deterrence benefits outweigh its ‘substantial social costs,’ " Pennsylvania Bd. of Probation and Parole v. Scott, 524 U. S. 357, 363. Exclusion may not be premised on the mere factthat a constitutional violation was a "but-for" cause of obtaining theevidence. The illegal entry here was not the but-for cause, but even ifit were, but-for causation can be too attenuated to justify exclusion. Attenuation can occur not only when the causal connection is remote,but also when suppression would not serve the interest protected bythe constitutional guarantee violated. The interests protected by theknock-and-announce rule include human life and limb (because an
unannounced entry may provoke violence from a surprised resident),property (because citizens presumably would open the door upon anannouncement, whereas a forcible entry may destroy it), and privacy and dignity of the sort that can be offended by a sudden entrance. But the rule has never protected one’s interest in preventing the government from seeing or taking evidence described in a warrant. Since the interests violated here have nothing to do with the seizure of the evidence, the exclusionary rule is inapplicable. Pp. 3–7.
(c) The social costs to be weighed against deterrence are considerable here. In addition to the grave adverse consequence that excluding relevant incriminating evidence always entails—the risk of releasing dangerous criminals—imposing such a massive remedy would generate a constant flood of alleged failures to observe the rule, and claims that any asserted justification for a no-knock entry had inadequate support. Another consequence would be police officers’ refraining from timely entry after knocking and announcing, producing preventable violence against the officers in some cases, and the destruction of evidence in others. Next to these social costs are the deterrence benefits. The value of deterrence depends on the strengthof the incentive to commit the forbidden act. That incentive is minimal here, where ignoring knock-and-announce can realistically beexpected to achieve nothing but the prevention of evidence destruction and avoidance of life-threatening resistance, dangers which suspend the requirement when there is "reasonable suspicion" that theyexist, Richards v. Wisconsin, 520 U. S. 385, 394. Massive deterrence is hardly necessary. Contrary to Hudson’s argument that without suppression there will be no deterrence, many forms of police misconduct are deterred by civil-rights suits, and by the consequences of increasing professionalism of police forces, including a new emphasis on internal police discipline. Pp. 8–13.»
«JUSTICE SCALIA delivered the opinion of the Court with respect toParts I, II, and III, concluding that violation of the "knock-andannounce" rule does not require suppression of evidence found in a search. Pp. 2–13.
(a) Because Michigan has conceded that the entry here was a knock-and-announce violation, the only issue is whether the exclusionary rule is appropriate for such a violation. Pp. 2–3.
(b) This Court has rejected "[i]ndiscriminate application" of the exclusionary rule, United States v. Leon, 468 U. S. 897, 908, holding itapplicable only "where its deterrence benefits outweigh its ‘substantial social costs,’ " Pennsylvania Bd. of Probation and Parole v. Scott, 524 U. S. 357, 363. Exclusion may not be premised on the mere factthat a constitutional violation was a "but-for" cause of obtaining theevidence. The illegal entry here was not the but-for cause, but even ifit were, but-for causation can be too attenuated to justify exclusion. Attenuation can occur not only when the causal connection is remote,but also when suppression would not serve the interest protected bythe constitutional guarantee violated. The interests protected by theknock-and-announce rule include human life and limb (because an
unannounced entry may provoke violence from a surprised resident),property (because citizens presumably would open the door upon anannouncement, whereas a forcible entry may destroy it), and privacy and dignity of the sort that can be offended by a sudden entrance. But the rule has never protected one’s interest in preventing the government from seeing or taking evidence described in a warrant. Since the interests violated here have nothing to do with the seizure of the evidence, the exclusionary rule is inapplicable. Pp. 3–7.
(c) The social costs to be weighed against deterrence are considerable here. In addition to the grave adverse consequence that excluding relevant incriminating evidence always entails—the risk of releasing dangerous criminals—imposing such a massive remedy would generate a constant flood of alleged failures to observe the rule, and claims that any asserted justification for a no-knock entry had inadequate support. Another consequence would be police officers’ refraining from timely entry after knocking and announcing, producing preventable violence against the officers in some cases, and the destruction of evidence in others. Next to these social costs are the deterrence benefits. The value of deterrence depends on the strengthof the incentive to commit the forbidden act. That incentive is minimal here, where ignoring knock-and-announce can realistically beexpected to achieve nothing but the prevention of evidence destruction and avoidance of life-threatening resistance, dangers which suspend the requirement when there is "reasonable suspicion" that theyexist, Richards v. Wisconsin, 520 U. S. 385, 394. Massive deterrence is hardly necessary. Contrary to Hudson’s argument that without suppression there will be no deterrence, many forms of police misconduct are deterred by civil-rights suits, and by the consequences of increasing professionalism of police forces, including a new emphasis on internal police discipline. Pp. 8–13.»
quinta-feira, 22 de junho de 2006
Casa da Suplicação LXXIII
Habeas corpus - Fundamentos - Cidadão estrangeiro indocumentado - Permanência irregular em território nacional - Motivação imprópria - Excesso de prazo - Detenção
1 – O habeas corpus, tal como o configura a lei (art. 222.º do CPP), é uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, que tem, em sede de direito ordinário, como fundamentos, que se reconduzem todos à ilegalidade da prisão (art. 222.º do CPP):
– incompetência da entidade donde partiu a prisão [al. a)];
– motivação imprópria [al. b)]; e
– excesso de prazos [al. c)].
2 – Se um cidadão estrangeiro indocumentado, não comunitário, que entrou e permanece irregularmente em território português, é detido, em quase flagrante delito, pela prática, em co-autoria, de um crime de furto simples e é apresentado ao Juiz de Instrução Criminal nas 24 horas seguinte, verificando-se perigo de fuga e perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas sendo então decretada a sua prisão preventiva por 60 dias (art. 177.º do DL n.º 34/2003 de 25/2) e feita a comunicação ao Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, não se pode falar em prisão impropriamente motivada: por facto que a lei não consente.
3 – O prazo de 48 horas de apresentação do detido ao Juiz, destina-se à apreciação da detenção e não visa a prisão preventiva decretada exactamente na sequência dessa apresentação.
Ac. do STJ de 22.06.2006, proc. n.º 2330/06-5, Relator: Cons. Simas Santos.
Recurso interlocutório - Interesse na sua apreciação - Ilegalidade das escutas telefónicas - Recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça - Interesse em agir - Declarações de co-arguido - Exame crítico das provas - Tráfico de menor gravidade
1 – Do n.º 5 do art. 412º do CPP, introduzido pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, resulta tão só a necessidade de especificar na motivação do recurso que faz subir o recurso interlocutório retido, o interesse na sua apreciação exactamente por que se tratar frequentemente de processos volumosos recheados de incidentes e recursos interlocutórios, que o desenvolvimento posterior vem a despir de relevância e não de retomar a motivação oportunamente apresentada.
2 – Tratando-se um recurso interlocutório sobre a legalidade das escutas, falece interesse em agir aos arguidos se a 1.ª Instância não valorou o resultado das escutas para formar a sua convicção
3 – Pois que para que o recorrente tenha interesse em agir é necessário que vise qualquer efeito útil que não possa alcançar sem lançar mão do recurso e da solução a seu favor daquela questão nenhum efeito útil retiraria.
4 – Tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça que é irrecorrível o acórdão da Relação que, em recurso que, meramente intercalar, “não pôs termo à causa”, o julga improcedente ou não toma dele conhecimento.
5 – É a posição interessado do arguido, a par de outros intervenientes citados no art. 133.º do CPP, que dita o seu impedimento para depor como testemunha, o que significa que nada obsta a que preste declarações, nomeadamente para se desonerar ou atenuar a sua responsabilidade, o que acarreta que, não sendo meio proibido de prova, as declarações do co-arguido podem e devem ser valoradas no processo, não esquecendo o tribunal a posição que ocupa quem as prestou e as razões que ditaram o impedimento deste artigo.
6 – O art. 125°, do CPP estabelece o princípio da admissibilidade de quaisquer provas no processo penal, e do elenco das provas proibidas estabelecido no art. 126° do CPP não consta o caso das declarações dos co-arguidos, que são perfeitamente possíveis como meios de prova do ponto de vista da sua legalidade, como o são as declarações do assistente, das partes civis, etc.
7 – Assim, o art. 133º do CPP apenas proíbe que os arguidos sejam ouvidos como testemunhas uns dos outros, ou seja, que lhes seja tomado depoimento sob juramento, mas não impede que os arguidos de uma mesma infracção possam prestar declarações no exercício do direito, que lhes assiste, de o fazerem em qualquer momento do processo, nada impedindo que o arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova, ou seja, tanto sobre factos que só ele digam directamente respeito, como sobre factos que respeitem a outros arguidos.
8 – O art. 344º, n.º 3 do CPP não prevê qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova, resultante das declarações do arguido.
9 – Tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça que a proibição constante do art.º 133.º do CPP, tem um objectivo muito próprio: o de garantir ao arguido o seu direito de defesa, que facilmente se mostraria incompatível com o dever de responder, e com verdade, ao que lhe fosse perguntado, com as sanções inerentes à recusa de resposta ou à resposta falsa, mas, apesar do seu regime específico, as declarações de um co-arguido não deixam de ser um meio de prova, cujas limitações o não privam da virtualidade de influenciarem relevantemente, ou até fundamental ou exclusivamente, a convicção dos julgadores.
10 – A exigência do exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal relaciona-se com a questão do duplo grau de jurisdição em matéria de facto e deve ser entendida não no sentido de se traduzir num detalhado exame crítico do conteúdo da prova produzida, mas antes no exame crítico dos próprios meios de prova, designadamente da sua razão de ciência e credibilidade, por forma a explicitar o processo de formação da convicção, assim se garantindo que se não tratou de uma ponderação arbitrária das provas ao atribuir ao seu conteúdo em especial força na formação da convicção do Tribunal.
11 – Vem repetindo o Supremo Tribunal de Justiça que o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª Instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª Instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.
12 – O privilegiamento do crime - tráfico de menor gravidade - dá-se, não em função da considerável diminuição da culpa, mas em homenagem à considerável diminuição da ilicitude da conduta, que se pode espelhar, designadamente:
– Nos meios utilizados;
– Na modalidade ou nas circunstâncias da acção;
– Na qualidade ou na quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
13 – Não se verifica uma considerável diminuição da ilicitude da conduta em apreciação que justifique a desgraduação da qualificação jurídica, se:
– se tratar de tráfico de droga dura (heroína) e que se prolongou por um período significativo de tempo, envolvendo necessariamente quantidades em meda de ½ Kg;
– se o arguido vendia a outros traficantes.
Ac. do STJ de 22.06.2006, proc. n.º 1426/06-5, Relator: Cons. Simas Santos
1 – O habeas corpus, tal como o configura a lei (art. 222.º do CPP), é uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, que tem, em sede de direito ordinário, como fundamentos, que se reconduzem todos à ilegalidade da prisão (art. 222.º do CPP):
– incompetência da entidade donde partiu a prisão [al. a)];
– motivação imprópria [al. b)]; e
– excesso de prazos [al. c)].
2 – Se um cidadão estrangeiro indocumentado, não comunitário, que entrou e permanece irregularmente em território português, é detido, em quase flagrante delito, pela prática, em co-autoria, de um crime de furto simples e é apresentado ao Juiz de Instrução Criminal nas 24 horas seguinte, verificando-se perigo de fuga e perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas sendo então decretada a sua prisão preventiva por 60 dias (art. 177.º do DL n.º 34/2003 de 25/2) e feita a comunicação ao Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, não se pode falar em prisão impropriamente motivada: por facto que a lei não consente.
3 – O prazo de 48 horas de apresentação do detido ao Juiz, destina-se à apreciação da detenção e não visa a prisão preventiva decretada exactamente na sequência dessa apresentação.
Ac. do STJ de 22.06.2006, proc. n.º 2330/06-5, Relator: Cons. Simas Santos.
Recurso interlocutório - Interesse na sua apreciação - Ilegalidade das escutas telefónicas - Recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça - Interesse em agir - Declarações de co-arguido - Exame crítico das provas - Tráfico de menor gravidade
1 – Do n.º 5 do art. 412º do CPP, introduzido pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, resulta tão só a necessidade de especificar na motivação do recurso que faz subir o recurso interlocutório retido, o interesse na sua apreciação exactamente por que se tratar frequentemente de processos volumosos recheados de incidentes e recursos interlocutórios, que o desenvolvimento posterior vem a despir de relevância e não de retomar a motivação oportunamente apresentada.
2 – Tratando-se um recurso interlocutório sobre a legalidade das escutas, falece interesse em agir aos arguidos se a 1.ª Instância não valorou o resultado das escutas para formar a sua convicção
3 – Pois que para que o recorrente tenha interesse em agir é necessário que vise qualquer efeito útil que não possa alcançar sem lançar mão do recurso e da solução a seu favor daquela questão nenhum efeito útil retiraria.
4 – Tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça que é irrecorrível o acórdão da Relação que, em recurso que, meramente intercalar, “não pôs termo à causa”, o julga improcedente ou não toma dele conhecimento.
5 – É a posição interessado do arguido, a par de outros intervenientes citados no art. 133.º do CPP, que dita o seu impedimento para depor como testemunha, o que significa que nada obsta a que preste declarações, nomeadamente para se desonerar ou atenuar a sua responsabilidade, o que acarreta que, não sendo meio proibido de prova, as declarações do co-arguido podem e devem ser valoradas no processo, não esquecendo o tribunal a posição que ocupa quem as prestou e as razões que ditaram o impedimento deste artigo.
6 – O art. 125°, do CPP estabelece o princípio da admissibilidade de quaisquer provas no processo penal, e do elenco das provas proibidas estabelecido no art. 126° do CPP não consta o caso das declarações dos co-arguidos, que são perfeitamente possíveis como meios de prova do ponto de vista da sua legalidade, como o são as declarações do assistente, das partes civis, etc.
7 – Assim, o art. 133º do CPP apenas proíbe que os arguidos sejam ouvidos como testemunhas uns dos outros, ou seja, que lhes seja tomado depoimento sob juramento, mas não impede que os arguidos de uma mesma infracção possam prestar declarações no exercício do direito, que lhes assiste, de o fazerem em qualquer momento do processo, nada impedindo que o arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova, ou seja, tanto sobre factos que só ele digam directamente respeito, como sobre factos que respeitem a outros arguidos.
8 – O art. 344º, n.º 3 do CPP não prevê qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova, resultante das declarações do arguido.
9 – Tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça que a proibição constante do art.º 133.º do CPP, tem um objectivo muito próprio: o de garantir ao arguido o seu direito de defesa, que facilmente se mostraria incompatível com o dever de responder, e com verdade, ao que lhe fosse perguntado, com as sanções inerentes à recusa de resposta ou à resposta falsa, mas, apesar do seu regime específico, as declarações de um co-arguido não deixam de ser um meio de prova, cujas limitações o não privam da virtualidade de influenciarem relevantemente, ou até fundamental ou exclusivamente, a convicção dos julgadores.
10 – A exigência do exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal relaciona-se com a questão do duplo grau de jurisdição em matéria de facto e deve ser entendida não no sentido de se traduzir num detalhado exame crítico do conteúdo da prova produzida, mas antes no exame crítico dos próprios meios de prova, designadamente da sua razão de ciência e credibilidade, por forma a explicitar o processo de formação da convicção, assim se garantindo que se não tratou de uma ponderação arbitrária das provas ao atribuir ao seu conteúdo em especial força na formação da convicção do Tribunal.
11 – Vem repetindo o Supremo Tribunal de Justiça que o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª Instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª Instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.
12 – O privilegiamento do crime - tráfico de menor gravidade - dá-se, não em função da considerável diminuição da culpa, mas em homenagem à considerável diminuição da ilicitude da conduta, que se pode espelhar, designadamente:
– Nos meios utilizados;
– Na modalidade ou nas circunstâncias da acção;
– Na qualidade ou na quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
13 – Não se verifica uma considerável diminuição da ilicitude da conduta em apreciação que justifique a desgraduação da qualificação jurídica, se:
– se tratar de tráfico de droga dura (heroína) e que se prolongou por um período significativo de tempo, envolvendo necessariamente quantidades em meda de ½ Kg;
– se o arguido vendia a outros traficantes.
Ac. do STJ de 22.06.2006, proc. n.º 1426/06-5, Relator: Cons. Simas Santos
Conflito negativo de competência - Conflito negativo de competência - Acusação
Elementos constantes dos autos
1 – Tem vindo o Supremo Tribunal de Justiça a entender maioritariamente que. em regra, é aos factos descritos na acusação e imputados ao acusado que deve atender-se para definir a competência do tribunal, incluindo a territorial.
2 – Mas se dos autos constam já antes dessa peça elementos que permitem precisar o local da prática do crime, são estes atendíveis para determina a competência territorial para o julgamento do crime em causa.
3 – Nomeadamente quando tais elementos já serviram para determinar a competência do Ministério Público em conflito negativo de competência ocorrido na fase do inquérito.
Ac. do STJ de 22.06.2006 , proc. n.º 1950/06-5, Relator: Cons. Simas Santos
sexta-feira, 16 de junho de 2006
Casa da Suplicação LXXII
Jovem delinquente - Atenuação especial da pena - Omissão de pronuncia - Nulidade
1 - A afirmação de ausência de automatismo na aplicação da atenuação especial aos jovens delinquentes significa que o tribunal só se socorrerá dela quando tiver «sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado», na terminologia da lei, devendo-se apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes.
2 - Mas este poder de atenuar é um verdadeiro poder-dever. Ou seja, perante a idade entre 16 e 21 anos do arguido, o tribunal não pode deixar de investigar se e verificam aquelas sérias razões, e se tal acontecer não pode deixar de atenuar especialmente a pena. Não o fazendo, deixa de decidir questão de que devia conhecer e consequente de cometer a nulidade de omissão de pronúncia do art. 379.º, n.º 1, al. c), primeira parte, do CPP.
Ac. do STJ de 14.06.2006, proc. n.º 2037/06-5, Relator: Cons. Simas Santos
Recusa de juiz - princípio do juiz natural ou legal - imparcialidade - direito ao silêncio
1 – A consagração do princípio do juiz natural ou legal (intervirá na causa o juiz determinado de acordo com as regras da competência legal e anteriormente estabelecidas) surge como uma salvaguarda dos direitos dos arguidos, e encontra-se inscrito na Constituição (art. 32.°, n.° 9).
2 – Mas a possibilidade de ocorrência, em concreto, de efeitos perversos desse princípio, levou à necessidade de os acautelar através de mecanismos que garantam a imparcialidade e isenção do juiz, também garantidos constitucionalmente (art.ºs 203.° e 216.°), quer como pressuposto subjectivo necessário a uma decisão justa, mas também como pressuposto objectivo na sua percepção externa pela comunidade, e que compreendem os impedimentos, suspeições, recusas e escusas. Mecanismos a que só é licito recorrer em situação limite, quando exista motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
3 – Para que possa ser pedida a recusa de juiz é necessário que:
− A sua intervenção no processo corra risco de ser considerada suspeita;
− Por se verificar motivo, sério e grave;
− Adequado a gerar desconfiança (estado de forte verosimilhança) sobre a sua imparcialidade (propósito de favorecimento de certo sujeito processual em detrimento de outro).
4 – Do uso indevido da recusa resulta, como se viu, a lesão do princípio constitucional do juiz natural, ao afastar o juiz por qualquer motivo fútil.
5 – O TEDH tem entendido que a imparcialidade se presume até prova em contrário; e que, sendo assim, a imparcialidade objectiva releva essencialmente de considerações formais e o elevado grau de generalização e de abstracção na formulação de conceito apenas pode ser testado numa base rigorosamente casuística, na análise in concreto das funções e dos actos processuais do juiz.
6 – A particular sensibilidade, susceptibilidade ou mesmo animosidade do arguido para com os actos processuais do juiz que, com ou sem razão, o afectem ou tenham afectado, se não podem ser ignorados, não podem, neste contexto, constituir padrão de referência absoluta, dadas as condicionantes do processo penal, onde necessariamente surgem situações de conflito entre a actuação funcional de um e os interesses pessoais do outro.
7 – Um arguido que mantém o silêncio em audiência, não pode ser prejudicado, pois não é obrigado a colaborar e goza da presunção de inocência, mas prescinde assim de dar a sua visão pessoal dos factos e eventualmente esclarecer determinados pontos de que tem um conhecimento pessoal. Daí que quando tal suceda não possa pretender que foi prejudicado pelo seu silêncio.
Ac. do STJ de 14.04.2006, Proc. n.º 2175/06.5, Relator: Cons. Simas Santos
1 - A afirmação de ausência de automatismo na aplicação da atenuação especial aos jovens delinquentes significa que o tribunal só se socorrerá dela quando tiver «sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado», na terminologia da lei, devendo-se apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes.
2 - Mas este poder de atenuar é um verdadeiro poder-dever. Ou seja, perante a idade entre 16 e 21 anos do arguido, o tribunal não pode deixar de investigar se e verificam aquelas sérias razões, e se tal acontecer não pode deixar de atenuar especialmente a pena. Não o fazendo, deixa de decidir questão de que devia conhecer e consequente de cometer a nulidade de omissão de pronúncia do art. 379.º, n.º 1, al. c), primeira parte, do CPP.
Ac. do STJ de 14.06.2006, proc. n.º 2037/06-5, Relator: Cons. Simas Santos
Recusa de juiz - princípio do juiz natural ou legal - imparcialidade - direito ao silêncio
1 – A consagração do princípio do juiz natural ou legal (intervirá na causa o juiz determinado de acordo com as regras da competência legal e anteriormente estabelecidas) surge como uma salvaguarda dos direitos dos arguidos, e encontra-se inscrito na Constituição (art. 32.°, n.° 9).
2 – Mas a possibilidade de ocorrência, em concreto, de efeitos perversos desse princípio, levou à necessidade de os acautelar através de mecanismos que garantam a imparcialidade e isenção do juiz, também garantidos constitucionalmente (art.ºs 203.° e 216.°), quer como pressuposto subjectivo necessário a uma decisão justa, mas também como pressuposto objectivo na sua percepção externa pela comunidade, e que compreendem os impedimentos, suspeições, recusas e escusas. Mecanismos a que só é licito recorrer em situação limite, quando exista motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
3 – Para que possa ser pedida a recusa de juiz é necessário que:
− A sua intervenção no processo corra risco de ser considerada suspeita;
− Por se verificar motivo, sério e grave;
− Adequado a gerar desconfiança (estado de forte verosimilhança) sobre a sua imparcialidade (propósito de favorecimento de certo sujeito processual em detrimento de outro).
4 – Do uso indevido da recusa resulta, como se viu, a lesão do princípio constitucional do juiz natural, ao afastar o juiz por qualquer motivo fútil.
5 – O TEDH tem entendido que a imparcialidade se presume até prova em contrário; e que, sendo assim, a imparcialidade objectiva releva essencialmente de considerações formais e o elevado grau de generalização e de abstracção na formulação de conceito apenas pode ser testado numa base rigorosamente casuística, na análise in concreto das funções e dos actos processuais do juiz.
6 – A particular sensibilidade, susceptibilidade ou mesmo animosidade do arguido para com os actos processuais do juiz que, com ou sem razão, o afectem ou tenham afectado, se não podem ser ignorados, não podem, neste contexto, constituir padrão de referência absoluta, dadas as condicionantes do processo penal, onde necessariamente surgem situações de conflito entre a actuação funcional de um e os interesses pessoais do outro.
7 – Um arguido que mantém o silêncio em audiência, não pode ser prejudicado, pois não é obrigado a colaborar e goza da presunção de inocência, mas prescinde assim de dar a sua visão pessoal dos factos e eventualmente esclarecer determinados pontos de que tem um conhecimento pessoal. Daí que quando tal suceda não possa pretender que foi prejudicado pelo seu silêncio.
Ac. do STJ de 14.04.2006, Proc. n.º 2175/06.5, Relator: Cons. Simas Santos
sexta-feira, 2 de junho de 2006
Casa da Suplicação LXXI
Emissão de cheque sem provisão - Cheque postdatado - Descriminalização - Recurso de revisão
1 – A emissão de cheque em data posterior à da sua entrega ao tomador foi descriminalizada, por força da redacção introduzida pelo DL n.º 316/97 no n.º 3, do art. 11°, do DL n.º 454/91, pelo que se sucederam no tempo dois regimes diversos quanto à penalização desses cheques quando sem provisão emitido, o que pode colocar diversos problemas de aplicação da lei no tempo.
2 – Tendo sido o agente condenado no domínio da redacção inicial do DL n.º 454/91 como autor desse crime pode pôr-se a questão de saber se não teria essa conduta sido descriminalizada por se tratar de cheque postdatado, devendo distinguir-se três situações:
(i) a sentença dá como assente que o que era postdatado mas condena por entender que essa conduta era penalizada pela redacção original do DL 454/91, caso em que o tribunal onde se encontrar o processo (tribunal da condenação ou o tribunal de recurso) perante a entrada em vigor da nova redacção verifica que a sentença condenatória estabelece os pressupostos da descriminalização e declara-o com as consequências legais (independentemente de já ter transitado em julgado a condenação);
(ii) a sentença não toma expressamente posição sobre essa questão, mas dos factos fixados é possível extrair, sem margem para dúvidas, a conclusão de que assim fora, caso em o Tribunal extrai a consequência inevitável dos factos provados e procede da mesma forma que na primeira situação;
(iii) a sentença não fornece qualquer subsídio para essa questão, podendo ser requerida a revisão da sentença, com fundamento na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP.
3 – Neste último caso, se é certo que a sentença condenatória terá sido "justa" no momento da sua prolação, tendo em conta os factos (ao tempo provados) e o direito aplicado, não é menos certo que a questão se impõe igualmente no decurso da aplicação, da execução da sentença condenatória; e deve concluir-se que a mesma é injusta quanto à sua aplicação que ocorre num momento em que a conduta sancionada já não é punível, por o cheque ser postdatado.
4 – E os factos são novos no sentido de não terem sido tidos em consideração pelo Tribunal, mesmo que não desconhecidos para as partes e são-no essencialmente, no significado jurídico da sua consideração, podendo concluir-se que, se tivessem sido levados à sentença, o problema se reconduziria às situações enunciadas não impeditivas da decisão em matéria de descriminalização.
5 – Mas se não se descobriram novos factos sobre a postdatação do cheque que suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação, é de negar a revisão.
Ac. do STJ de 01-06-2006, proc. n.º 1586/06-5, relator: Cons. Simas Santos
1 – A emissão de cheque em data posterior à da sua entrega ao tomador foi descriminalizada, por força da redacção introduzida pelo DL n.º 316/97 no n.º 3, do art. 11°, do DL n.º 454/91, pelo que se sucederam no tempo dois regimes diversos quanto à penalização desses cheques quando sem provisão emitido, o que pode colocar diversos problemas de aplicação da lei no tempo.
2 – Tendo sido o agente condenado no domínio da redacção inicial do DL n.º 454/91 como autor desse crime pode pôr-se a questão de saber se não teria essa conduta sido descriminalizada por se tratar de cheque postdatado, devendo distinguir-se três situações:
(i) a sentença dá como assente que o que era postdatado mas condena por entender que essa conduta era penalizada pela redacção original do DL 454/91, caso em que o tribunal onde se encontrar o processo (tribunal da condenação ou o tribunal de recurso) perante a entrada em vigor da nova redacção verifica que a sentença condenatória estabelece os pressupostos da descriminalização e declara-o com as consequências legais (independentemente de já ter transitado em julgado a condenação);
(ii) a sentença não toma expressamente posição sobre essa questão, mas dos factos fixados é possível extrair, sem margem para dúvidas, a conclusão de que assim fora, caso em o Tribunal extrai a consequência inevitável dos factos provados e procede da mesma forma que na primeira situação;
(iii) a sentença não fornece qualquer subsídio para essa questão, podendo ser requerida a revisão da sentença, com fundamento na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP.
3 – Neste último caso, se é certo que a sentença condenatória terá sido "justa" no momento da sua prolação, tendo em conta os factos (ao tempo provados) e o direito aplicado, não é menos certo que a questão se impõe igualmente no decurso da aplicação, da execução da sentença condenatória; e deve concluir-se que a mesma é injusta quanto à sua aplicação que ocorre num momento em que a conduta sancionada já não é punível, por o cheque ser postdatado.
4 – E os factos são novos no sentido de não terem sido tidos em consideração pelo Tribunal, mesmo que não desconhecidos para as partes e são-no essencialmente, no significado jurídico da sua consideração, podendo concluir-se que, se tivessem sido levados à sentença, o problema se reconduziria às situações enunciadas não impeditivas da decisão em matéria de descriminalização.
5 – Mas se não se descobriram novos factos sobre a postdatação do cheque que suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação, é de negar a revisão.
Ac. do STJ de 01-06-2006, proc. n.º 1586/06-5, relator: Cons. Simas Santos
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