terça-feira, 28 de fevereiro de 2006

casa da Suplicação LXIV

Recurso Extraordinário de Revisão – Inconciliabilidade de factos provados
1 - A inconciliabilidade entre factos que tenham sido considerados na decisão revidenda e numa outra decisão tem de materializar-se numa contradição entre factos provados, como decorre claramente da proposição normativa: os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença -, e não entre factos provados e factos não provados.
2 - Na verdade, só existe verdadeira contradição para o efeito que aqui interessa, entre factos provados que se não conciliem. Só a contradição daí resultante é capaz de gerar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, como sucederá, por exemplo, se numa decisão se der como provado que A matou B e noutra se tiver dado como provado que a morte de A resultou da sua queda involuntária num precipício. Já o mesmo não sucede se num processo se tiver dado como provado que A matou B e noutro tiver ficado não provado que a morte de A resultou de uma acção de B.
Ac. do STJ de 16/2/06, Proc. n.º 99/06–5, Relator: Cons. Artur Rodrigues da Costa


Recurso para o STJ – decisão que não põe termo à causa – violação de caso julgado
Se a decisão recorrida não se prende com a decisão de fundo e, portanto, com a matéria da causa, sendo uma questão meramente instrumental, processual, encontrando-se aquela já decidida e se a decisão da causa não admite recurso para o STJ, por se tratar de crime punível com pena de prisão ater três meses ou multa, também a não há-de admitir a decisão de uma questão (adjectiva) que se não prende com o fundo da causa, ainda que com fundamento na violação do caso julgado.
Não prevendo a lei processual penal o recurso com fundamento autónomo na violação de caso julgado, não se está perante uma lacuna que fosse necessário colmatar por recurso às normas do processo civil, mas perante uma opção do legislador.
De resto, quanto à decisão da causa objecto do processo, o trânsito em julgado (o designado caso julgado material), na sua dimensão negativa, obsta à repetição do procedimento e consequentemente do seu julgamento, estando esse efeito coberto pela garantia fundamental consagrada no n.º 5 do art. 29.º da Constituição.
Ac. do STJ de 16.02.2006, Proc. n.º 3608/05–5, Relator: Cons. Artur Rodrigues da Costa

A prova dos nove

A cronologia dos factos parece óbvia e ingénua. Pede-se à Portugal Telecom o registo do tráfego telefónico de um determinado número num determinado período de tempo e a Portugal Telecom, benemérita e eficaz, responde com a indicação do tráfego de outros tantos números em outros dilatados períodos de tempo. Durante uns meses, largos, ou anos, poucos, ninguém deu por nada, e o registo por lá ficou, sem peso específico no processo já que era discretamente virtual. Não será de admirar se não se ignorar a incultura militante da maioria dos magistrados no labirinto da informática. Após aturada, sem ironia, investigação jornalística, descobriu-se que o gesto benemérito da Portugal Telecom incorporava a vida telefónica de altos dirigentes do Estado, podendo-se, quase, a partir desses elementos, reconstituir o seu dia-a-dia. O Senhor Presidente da República, com razão, zangou-se, e, logo pelas 7 horas e 30 minutos, deu em convocar, dramaticamente, o Senhor Procurador-Geral da República, o qual prometeu investigação rápida não se sabe bem sobre o quê. Nos entretantos, a Portugal Telecom cultivou a sabedoria de um prudente silêncio, só quebrado pela resposta hostil ao assalto do Engenheiro Belmiro. O que, hoje, a investigação prossegue é a prova dos nove de elementos que não deveriam estar, mas estão, com certeza à revelia incompetente de quem, na ignorância, os acolheu. É uma prova frágil em redor de um envelope, do seu conteúdo, e do respectivo uso ou desuso. Mas é de ciência certa que a dita prova não é, matematicamente, suficiente, nem, politicamente, determinante. O que está por contabilizar é a prova real do lado obscuro de uma estória sobre a (in)segurança do Estado e a (des)protecção dos seus dirigentes. O que está por explicar é como um qualquer funcionário, à distância de uma tecla, obtém o quotidiano telefónico dos Senhores Presidentes ou dos Senhores Ministros, sem qualquer controlo aparente. É ao Governo que cabe esta prova, mais que não seja para dar um sentido útil à golden share que detém, ainda, na Portugal Telecom. O tráfego telefónico de pessoas ou instituições pelas quais passam, pela ordem natural das suas funções, assuntos de Estado, integra alguma base de dados específica? Ou tem um tratamento idêntico ao do utilizador comum? O acesso àquela, a existir, está condicionado por especiais normas de segurança? Quem e em que condições tem acesso às ditas e para que fins? E estão disponíveis durante quanto tempo? É garantido que os elementos que foram ter ao envelope 9 não poderiam ir parar a qualquer outra pasta? A qualquer outro serviço? Todos sabemos, no tempo que passa, que a Procuradoria-Geral da República tem as culpas, todas as culpas, deste mundo e do outro, mas que as desculpas, neste caso, pertencem ao Governo por via dos poderes que lhe cabem e do Dr. Horta e Costa de que dispõe.

Da liberdade, hoje

«Está em marcha uma avançada do poder do Estado em nome da nossa protecção. [...] Mas quem nos protege dos danos causados pelo Estado?
A querela do momento (ou a de sempre?), dentro e fora de portas, é a dos limites da liberdade e da segurança. O episódio dos ‘cartoons’ inflamou o debate que já estava em curso, com a particularidade de revelar que muitos dos que defendem acerrimamente a liberdade de expressão na arena internacional são os mesmos que se têm confessado compreensivos com medidas de limitação individual na ordem interna dos Estados Ocidentais.
Em Inglaterra, pátria de John Locke, o Governo de Blair prossegue a sua batalha parlamentar para que seja introduzido um bilhete de identidade nacional obrigatório para todos os cidadãos, ao mesmo tempo que aprova a proibição de fumar em todos os locais públicos, incluindo todos os PUBs e clubes privados. Por cá, se a regra em relação ao fumo continua a ser relativamente liberal ou em alguns casos simplesmente a não ser cumprida, em matéria de registo central dos indivíduos ninguém nos dá lições. Se a burocracia vigente nos inferniza a vida, crie-se um documento único para cada cidadão. Se a constituição proíbe expressamente que nos codifiquem, qual produto de prateleira no supermercado, com um número único, o Governo propõe então um único cartão com vários números.
Agora, segundo foi amplamente noticiado, a Unidade de Missão para a Reforma do Código Penal, coordenada por Rui Pereira, prepara-se para apresentar uma proposta de alteração ao Código Penal, de forma a punir os jornalistas por “crime de perigo” dos danos eventualmente causados por divulgação de matérias em segredo de justiça. Não querendo ficar atrás, o Bloco de Esquerda, pela voz de Ana Drago, anunciou que vai propor a “punibilidade dos órgãos de comunicação social pela violação do segredo de justiça”, para que a responsabilidade recaia sobre as empresas de comunicação social e não sobre os jornalistas. Sem querer entrar na disputa, e com a devida vénia, apenas poderemos classificar as duas propostas como de igualmente insensatas e perigosas. Thomas Jefferson, terceiro presidente dos Estados Unidos e, ao que diz a História, o homem que redigiu o texto da Declaração de Independência, resolveu a questão assim: “Se pudesse decidir se devemos ter um Governo sem jornais ou jornais sem governo, eu não vacilaria um instante em preferir o último.”
Passados duzentos anos, parece que ainda não aprendemos. Está em marcha uma avançada do poder do Estado em nome da nossa protecção. O Governo quer zelar pela nossa saúde adoptando medidas que visam combater os malefícios do tabaco, sobre o qual cobra impostos, da burocracia, que ele próprio criou, do terrorismo internacional e do mau jornalismo. Mas quem nos protege dos danos causados pelo Estado? Sim, viver em democracia acarreta riscos e ameaças, mas nenhum deles é comparável ao perigo de um Governo com poder absoluto.
Nuno Sampaio, Diário Económico, 28FEV06

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2006

"Há um esforço muito grande" para terminar o processo o "mais brevemente possível"


Envelope 9: Souto Moura quer concluir investigação mas sem prazos a pressionar
20.02.2006 - 12h01 Lusa

O procurador-geral da República garantiu hoje que "há um esforço muito grande" para terminar o "mais brevemente possível" o inquérito ao caso "envelope 9", mas considerou que a investigação não ser pressionada por prazos.

Souto Moura, que falava à margem de uma conferência sobre "Incêndios florestais e Investigação" em Lisboa, diz que está pessoalmente interessado em que lhe sejam comunicados "o mais depressa possível" os elementos recolhidos pelos investigadores sobre este caso. O caso "envelope 9" prende-se com os registos de chamadas telefónicas de altas figuras do Estado apensos ao processo de pedofilia da Casa Pia e revelados em Janeiro pelo jornal "24Horas".

O procurador-geral da República insistiu que está a ser feito um "esforço importante" para que o inquérito seja concluído o mais cedo possível "para corresponder às expectativas não só do país mas de um pedido feito pelo primeiro-ministro e pelo Presidente da República".

Contudo, considera que "é evidente para qualquer pessoa que lida com os tribunais e os inquéritos crime que não faz sentido nenhum fazer um processo e uma investigação a prazo, dizendo que em tal dia tem de estar acabado".

Souto Moura sublinhou que "o Presidente da República teve a delicadeza de não lhe estabelecer qualquer prazo para a conclusão do inquérito", embora seja sabido que Jorge Sampaio pediu a maior celeridade possível às investigações.

O caso do envelope 9 já motivou uma busca da Policia Judiciária à redacção do matutino e à casa do jornalista Jorge Van Krieken, um dos autores da notícia no "24horas". Jorge Van Krieken e Joaquim Eduardo Oliveira, autores da primeira notícia no "24horas", foram constituídos arguidos no processo.

A busca ao jornal "24horas" realizada quarta-feira pela PJ sob a direcção do Ministério Público (MP), por suspeita de "acesso indevido a dados pessoais", foi o primeiro acto público do inquérito pedido há um mês pelo procurador-geral da República sobre o caso.
www.Publico.pt

Constitucional

Suspensão provisória do processo - competência do Ministério Público - reserva de função jurisdicional - concordância do arguido - dispensa da assistência de defensor - princípio da independência dos tribunais e dos juízes

I - A norma do artigo 281.º do Código de Processo Penal, na interpretação de que, na fase de inquérito, cabe ao Ministério Público a competência para decidir a suspensão provisória do processo, com a concordância do juiz de instrução, não viola a reserva de função jurisdicional consagrada nos n.ºs 1 e 2 do artigo 202.º da Constituição.

II- A norma do artigo 281.º em conjunto com o artigo 64.º do mesmo Código, interpretada no sentido de ser dispensada a assistência de defensor ao arguido no acto em que este é chamado a dar a sua concordância à suspensão provisória do processo, não viola o n.º 3 do artigo 32.º da Constituição».

III - A norma em causa não viola o princípio da independência dos tribunais e dos respectivos juízes, consagrado no artigo 203.º da Constituição.

AcTC n.º 116/2006 de 8-2-2006, Proc. nº 422/05-1, Relatora: Cons. Maria João Antunes

domingo, 19 de fevereiro de 2006

Conflito entre civilizações e abdicação

Os cartoons: nove notas
1. É aceitável que os jornais publiquem opiniões «ofensivas». Todas as opiniões são potencialmente ofensivas. E só o politicamente correcto mais doentio ou o reaccionarismo mais infecto admitem que existam outros limites que não os consagrados na lei de imprensa e no código penal. As opiniões inadmissíveis são essencialmente as que caluniem ou ofendam de forma grave pessoas concretas, sobretudo se alegarem falsidades lesivas da sua integridade moral. Já as opiniões que ataquem ideias ou convicções são todas admissíveis, porque a liberdade de crítica e sátira (mesmo a mais selvagem) faz parte integrante do núcleo inalienável da liberdade.
2. Os cartoons sobre Maomé e os muçulmanos são sensatos e pertinentes? É uma questão de opinião. Uns serão inócuos, outros perspicazes e outros patetas. Mas os cartoons em causa não ultrapassaram nenhum dos limites da liberdade de expressão. O que é lamentável nesta polémica é que haja gente no Ocidente que discute mais afincadamente a sensatez dos cartoons do que a absoluta admissibilidade dos cartoons, como se a cautela fosse mais importasse que a liberdade.
3. As opiniões racistas, xenófobas ou quaisquer outras são admissíveis, desde que não incitem directamente à violência. Uma pessoa pode atacar nos termos mais violentos os católicos, os pretos, os árabes, os comunistas, os homossexuais, os conservadores e assim por diante. Algumas dessas opiniões são detestáveis e cheiram mal à légua. Mas a liberdade de imprensa é também a liberdade de exprimir opiniões detestáveis. É também a liberdade da estupidez e do lixo. O importante é lembrarmos que opiniões são opiniões, não são actos. Quando criminalizamos as opiniões (mesmo as mais detestáveis) estamos a demolir por dentro a nossa liberdade.
4. Podemos criticar, satirizar e atacar todas as ideias e convicções, incluindo as religiosas. É isso que define a liberdade. Quem se sente ofendido protesta, responde, escreve cartas, faz petições, organiza boicotes, exprime o seu desagrado por meios pacíficos. Contesta as opiniões, não contesta a liberdade de expressão.
5. As convicções e as leis de uma comunidade religiosa só vinculam os crentes dessa religião. Eu tenho direito a representar Maomé, a comer carne de porco, a trabalhar ao sábado e o mais que me apetecer. Assim como um muçulmano ou um judeu ou um ateu têm direito a não ligar nenhuma aos meus costumes e crenças e usos católicos.
6. Numa democracia, as pessoas não têm o direito de protestar com actos de violência. E o conceito de actos de violência inclui apelos directos ao homicídio (como os que ouvimos na boca de alguns muçulmanos ingleses).
7. Não há civilizações «superiores» em abstracto. Mas há sociedades organizadas de modo globalmente mais justo e mais decente. A Dinamarca (em 2006) é uma sociedade mais justa e mais decente do que o Irão (em 2006). Não numa abstracção «civilizacional» mas no concreto dos direitos, liberdades e garantias, do nível de vida e das condições necessárias à dignidade humana. Os ocidentais que dizem o contrário disto estão em simples denegação sectária. Ninguém prefere viver no Irão do que na Dinamarca. É apenas nesse sentido que a Dinamarca é «superior» ao Irão. Mas esse sentido não é coisa de somenos.
8. No Ocidente, valem as regras do Ocidente. As regras que estão plasmadas nas nossas constituições, na nossa legislação e nos nossos costumes. Quem não aceita essas regras básicas - quem acha nomeadamente que pode apelar ao homicídio por delito de opinião - não tem lugar nas nossas comunidades. Temos o dever de tolerar opiniões intolerantes, mas não temos o direito de tolerar actos intolerantes e criminosos.
9. O conflito entre civilizações não deve ser fomentado. A abdicação também não.

Pedro Mexia, http://estadocivil.blogspot.com/

«Juízes que se assumem como funcionários e que estão dispostos a destruir o sistema, como forma de luta reivindicativa, não são juízes»

No ano de 1976, a reacção legislativa à campanha do PCP contra Sá Carneiro com uma violação grosseira do segredo bancário tomou impossível, até há muito pouco, o controlo fiscal. A espantosa acumulação de erros do processo Casa Pia vai criar um tal regime de escutas telefónicas que vai liquidar por muitos anos a investigação criminal. A campanha do PCP contra Sá Carneiro merece ser recordada: antes do 25 de Abril, Sá Carneiro tinha contraído um empréstimo no BES para comprar acções. Com o encerramento da Bolsa, o pagamento parece ter sido adiado. O PCP, que tinha ocupado o BES e vasculhado minuciosamente a sua contabilidade, obteve a informação pormenorizada sobre este tremendo escândalo e desencadeou uma campanha contra Sá Carneiro. (...) O remédio foi blindar as contas bancárias contra qualquer acesso externo, criando um regime parecido com o da Suíça. A diferença é que o segredo bancário não serviu para atrair dinheiro em busca de refúgio contra investigações policiais ou fiscais. Serviu para fomentar a fraude fiscal e a economia paralela e contribuir para o apodrecimento da administração fiscal manietada por leis absurdas. Com o processo da Casa Pia vai suceder precisamente o mesmo: o processo constituiu uma espantosa acumulação de erros e de crimes impunes, sem que fosse possível encontrar, dentro do sistema, remédios, com um mínimo de eficácia, contra os atropelos sistemáticos aos direitos humanos de uma investigação ainda por cima ineficaz. As sucessivas violações do segredo de justiça não são graves apenas pela divulgação de informações que nunca deveriam ser públicos: foram gravíssimas pelo que foram revelando sobre o modo como foi conduzida a investigação. Ao centrar a investigação de tais atropelos nos jornais e jornalistas que revelaram aquilo que nunca deveria ter acontecido (sem que ninguém fosse responsabilizado), a acusação pública agiu como os governos ditatoriais que processam os que denunciam crimes ou escândalos porque afectam a imagem do país: não se trata de saber se houve ou não atropelos; o que importa é que a divulgação dos atropelos prejudica a imagem da justiça. Só isso explica que possam surgir em Portugal, onde se julgava existir um estado constitucional baseado na separação de poderes, a proposta de uma comissão destinada a controlar as decisões judiciais. Já sabemos o que têm sido as decisões judiciais. Também sabemos que juízes que se assumem como funcionários e que estão dispostos a destruir o sistema, como forma de luta reivindicativa, não são juízes. Já sabemos que os conselhos são o exemplo perfeito do fenómeno muito estudado da captura dos reguladores pelos regulados. No entanto, o Governo não pretende mudar nem o autogoverno das magistraturas nem a forma como são escolhidos ou promovidos os juízes: constatando, como aquele Presidente do Conselho que por cá reinou longos anos, que essas coisas da democracia e da separação de poderes não são para os portugueses (que têm uma outra tradição), resolveu criar um órgão para controlar os juízes. «Chassez le naturel, il revient au gallop». Em França foi criada uma comissão para controlar as escutas administrativas. Por cá, vamos criar uma para controlar as escutas judiciais. «Só foi pena», deve pensar o inenarrável major, «que tivessem acordado tão tarde; bem sei que os meus advogados já me garantiram que as minhas vão ser anuladas: há sempre uma nulidade qualquer, porque o legislador teve o cuidado de as tornar inexequíveis; mas se esta comissão já existisse, não estaria agora com estes problemas que têm posto em causa a minha imagem e criado dificuldades à minha carreira de gestor de árbitros e de fundos públicos».
Saldanha Sanches, Expresso/Economia, 18Fev06

Fundação para a promoção do direito francês

Em Dezembro último, o senador Robert Del Picchia (que tem um blogue) chamou a atenção para a oportunidade e a necessidade de erigir uma fundação para a promoção do direito francês.
O Ministro da Justiça, atento, logo se apressou a dar resposta.
Um bom exemplo!

Justiça "Quem é Quem" - 2006

Primeiro por acaso e depois por curiosidade, entrei na página do Ministério da Justiça e na rubrica que assinalo aqui.
Deparamo-nos com a identificação de titulares de diversos cargos, acompanhados de fotografias para os mais importantes na hierarquia.

Nada tenho de princípio contra a transparência de cargos e funções, tendo ficado ciente, por exemplo, que o Ministro da Justiça dispõe de três assessores de imprensa – bem os precisará. Mas, ao invés, cada um dos gabinetes dos seus secretários de Estado, entre adjuntos e assessores (de outro tipo), possui um staff mais numeroso que o seu.

O que me chocou foi o seguinte:

1) Cabe ao Ministério da Justiça, através da Secretaria – Geral, organizar e exibir num site com o seu logotipo, esta amálgama de personalidades, serviços e instituições, dando a imagem ao cidadão desprevenido e não familiarizado com a separação de poderes de que todos se inserem nele?
E por esta ordem?
Repare-se: membros do Governo e seus gabinetes, Serviços do Ministério, Tribunais Superiores, Procuradoria-Geral da República, Conselho Superior da Magistratura, Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, Conselho dos Oficiais de Justiça, Associações Sindicais, “Outros Órgãos”, no caso, o Tribunal Constitucional e a Provedoria de Justiça, por último, a Ordem dos Advogados e a Câmara dos Solicitadores.

2) Sendo os Tribunais um órgão de soberania independente do Governo, porquê incluir os seus mais altos representantes neste site? Se por absurdo fosse admissível, depois de todos os Serviços do Ministério? Mais surprendente quando o sector da Secretaria-Geral que organiza o “ficheiro” se intitula de Divisão de Relações Públicas e Protocolo.

3) Porquê a inclusão do Tribunal Constitucional e da Provedoria de Justiça ( esta também pertence à Justiça no sentido tradicional?), com sites próprios, como aliás a generalidade dos tribunais superiores?

4) Com todo o respeito pelas Associações Sindicais, mas a Ordem dos Advogados, representante de uma instituição que a CRP considera elemento essencial à administração da justiça, colocada no fim da lista?

5) Ainda assim, mesmo que confinado ao Ministério da Justiça, a transparência deve ir ao ponto de colocar em “exposição” as chefias de serviços como a PJ , a DGSP, etc.?

A meu ver, haveria que reformular rapidamente tal “ficheiro”, desde logo amputando-o do que está a mais, o que releva de um certo bom senso – digo eu!

sábado, 18 de fevereiro de 2006

Ao Dr. António Neves Ribeiro

Porque este também é um lugar de Justiça, onde há lugar a sentimentos partilhados, proponho um voto de pesar.

Perdemos um magistrado insigne e dedicado, um Homem Justo e Solidário, um amigo Verdadeiro.
Ficou mais pobre a Justiça em Portugal.

À Exmª Família do Exmº Sr. Juiz Conselheiro Dr. António Neves Ribeiro,
As nossas sentidas condolências

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

Parabéns!

Crimes Sexuais com Adolescentes - Particularidades dos Artigos 174 e 175 do Código Penal Português, de Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias (magistrada judicial e docente do CEJ)
2006, 413 pags.

Esta obra trata de crimes sexuais com adolescentes, analisando particularmente os previstos nos artigos 174 e 175 do Código Penal, discutindo a pertinência da sua manutenção hoje em dia. O capítulo I aborda, numa perspectiva crítica, os antecedentes históricos. O capítulo II procede a uma incursão pelo direito comparado na actualidade, particularizando tipos legais dirigidos especialmente à protecção de adolescentes, quando está em causa o "relacionamento sexual hoc sensu consentido". O capítulo III analisa a ratio das incriminações em estudo, o bem jurídico a proteger na área dos «crimes sexuais», enunciando considerações críticas quanto à perspectiva do legislador português. Distinguindo o abuso sexual das demais intromissões que não chegam a ser abuso, o capítulo IV sugere a posição a adoptar de lege ferenda, atendendo, por um lado, à tutela nào penal e, por outro, aos pressupostos que podem justificar a intervenção penal dirigida à protecção dos adolescentes.

Nota Prévia

O texto que agora se publica corresponde, no essencial, à dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Criminais apresentada com o titulo "Sobre as incriminações previstas nos artigos 174 (actos sexuais com adolescentes) e 175 (actos homossexuais com adolescentes) do Código Penal Português", em 2001, na Faculdade de Direito do Porto da Universidade Católica Portuguesa.
Esse primeiro trabalho académico resultou, em larga medida, da superior orientação e do constante estímulo científico e humano da Professora Doutora Anabela Miranda Rodrigues e teve a honra e o privilégio de ter sido arguido pelo Professor Doutor Manuel da Costa Andrade. A ambos, bem como ao Professor Doutor Taipa de Carvalho que participou nas respectivas provas públicas de Mestrado realizadas em 1/7/2002, a autora presta a sua admiração e reconhecimento pelas proveitosas lições que recolheu e continua a recolher, as quais têm sido relevantes ao longo da sua carreira profissional - não deixando, também, de dedicar uma palavra de agradecimento a todos quantos a ajudaram e apoiaram na consecução deste projecto.
Este livro, como se dizia, retoma esse estudo, contudo, dado o par de anos entretanto decorrido, actualiza esse texto anterior à luz da legislação portuguesa e internacional ultimamente publicada, bem como da bibliografia entretanto produzida.
Com esta amplificação documental e com as reflexões que já constavam da sua versão académica, pretende contribuir para uma aberta discussão sobre "abusos sexuais com adolescentes" e lançar algumas questões que se prendem com as reconhecidas perplexidades do Direito. Neste sentido, é também dirigido a todos quantos se confrontam, no seu dia a dia, com as dificuldades inerentes ao exercício da prática judiciária.

A apresentação pública do livro, feita pelo Professor Doutor Manuel da Costa Andrade, realizou-se hoje na Sala de Convívio do CEJ.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006

Casa da Suplicação LXIII

Antecedentes criminais - Declarações do arguido - Tráfico de estupefacientes - Medida da pena - Princípio da igualdade
1 – A circunstância de no registo criminal do arguido nada constar, não invalida as suas declarações que levaram a dar como provado que cometeu anteriormente crimes e, por isso, não é delinquente primário.
2 – Na verdade, constitui a matéria respeitante aos antecedentes criminais do arguido objecto da prova, por se tratar de factos juridicamente relevantes para a determinação da pena (n.º 1 do art. 124.º do CPP), sendo admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (art. 125.º do CPP, n.º 3 do art. 141.º do CPP), não actuando aqui a proibição de prova (art. 126.º do CPP), com a limitação de que esses factos não podem ser valorados na determinação da culpabilidade do arguido. Por outro lado, não se trata de factos em relação aos quais a lei exija uma prova tarifada ou tabelada, que não pode ser substituída por outra.
3 – O princípio da igualdade, no domínio da aplicação do direito significa que nessa aplicação não há lugar a discriminação em função das pessoas; todos beneficiam por forma idêntica dos direitos que a lei estabelece, todos por forma idêntica se acham sujeitos aos deveres que ela impõe.
4 – Um dos princípios fundamentais do direito penal é o da igualdade nas decisões de justiça, preocupando quase todas as sociedades democráticas o problema conexo das disparidades na aplicação das penas. Com efeito, a desigualdade no sistema de justiça penal é uma questão fundamental pois que, mal é notada, perturba não só a paz social mas também as infracções a que pretende responder, problema a abordar de maneira operacional, pois seria uma operação vã confrontar os sistemas de justiça penal com um ideal absoluto e mítico – por essência, inacessível.
5 – Na individualização da pena o juiz deve procurar não infringir o princípio constitucional de igualdade, o qual exige que, na individualização da pena, não se façam distinções arbitrárias. Sem deixar de reconhecer que considerações de justiça relativa impõem que se considerem na fixação de penas em caso de comparticipação as penas dos restantes co-autores, importa notar que a questão das disparidades injustificadas nas penas deve gerar essencialmente uma resposta sistémica, tendente a, em geral, compreender e reduzir o fenómeno
6 – No plano constitucional, ao lado do princípio da igualdade, ao menos no mesmo plano, situam-se os princípios da proporcionalidade, da adequação, da necessidade e da justiça e devem ser especialmente considerados os princípios da legalidade e da culpa, uma vez que devem ser respeitados os critérios e valores legais e a pena deve ser ajustada à culpa, que constitui um limite inultrapassável.
7 – Se é patente, no quadro de facto, o diferente o posicionamento dos dois arguidos, e de muito maior responsabilidade, para o arguido, que se situa num patamar acima no tráfico de droga, de que a co-arguida é mero correio, colaborando esta com a Polícia e aceitando a materialidade dos factos apurados e negando-os o arguido, procurando debalde construir uma versão que o inocentasse, justificasse a imposição de uma pena mais grave para este último.
Ac. do STJ de 16.02.2006, Proc. N.º 124/06-5, Relator: Cons. Simas Santos

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

Processo civil e ideologia

Saiu em Espanha uma obra colectiva de processualistas de diversos países latinos (Espanha, Itália, Brasil, Argentina, Perú e Portugal) coordenada por Juan Montero Aroca com o título Proceso Civil e Ideologia (ver aqui e o índice aqui).
Se uma viagem, ainda que insuficientemente detida, pelo livro permite constatar o grande interesse da obra, enquanto se lamenta o atraso do debate científico em Portugal sobre processo (civil, mas também penal) e ideologia, é com particular agrado que leio, com mais atenção, o texto que encerra a obra, aliás o único da autoria de um português, Luís Correia de Mendonça, «80 anos de autoritarismo: uma leitura política do processo civil português» (pp. 381-438).
A título de mero aperitivo retiro da parte final do artigo o seguinte trecho:
«O problema da reforma processual [com a instauração da democracia] continuou a ser considerado como uma questão a ser discutida e resolvida segundo critérios e opções técnicas, como se não fosse também e essencialmente uma questão política dependente do lugar que o Estado, na ordem de valores, destina à liberdade e à autoridade, à certeza e à justiça, ao individual e ao colectivo. Da colocação do debate sobre a justiça civil em plano tão redutor resultou que a concepção plublicística do processo se manteve intocada e que a figura do juiz forte, activo e informado, a qual não por acaso nunca se conseguiu impor antes do aparecimento da ditadura, se reforçou e, conjuntamente com ela, a inquisitoriedade».

PS- Enquanto docente do CEJ, tenho o prazer e a honra de há alguns anos trabalhar e conviver com o juiz de direito Luís Correia Mendonça, e a amizade levou-me a hesitar em fazer a referência ao carácter seminal de mais este seu trabalho. Optei por não o deixar em branco, porque me parece que a importância do acontecimento editorial e o perigo de o mesmo passar despercebido em Portugal o exigiam, ficando salvaguardadas as exigências éticas nesta matéria com esta «declaração de interesse» e a renúncia, com alguma pena minha, à recensão do estudo do Luís Mendonça.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

Revisão do Código de Processo Penal

Ministro da Justiça ouve partidos sobre escutas, segredo de justiça e prisão preventiva

Lisboa - O ministro da Justiça, Alberto Costa, recebe amanhã, quarta-feira, os partidos políticos com representação parlamentar, no âmbito da preparação duma proposta de lei revendo normas do Código de Processo Penal, e em particular com referência a escutas telefónicas, segredo de justiça e prisão preventiva

As reuniões decorrem no Ministério da Justiça, em Lisboa. O primeiro a ser ouvido será o Partido Popular (CDS-PP), às 11h30, seguindo-se o Partido Comunista Português (PCP), às 12h30.

À tarde, são ouvidos o Bloco de Esquerda (BE), às 15h30; o Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV), às 16h30; o Partido Social Democrata (PSD), às 18h30; e o Partido Socialista (PS), às19h30.

Segundo uma nota divulgada esta terça-feira pelo Ministério da Justiça, estes encontros realizam-se na sequência da intervenção do ministro da Justiça na cerimónia de abertura do Ano Judicial, em 26 de Janeiro.

Na ocasião, Alberto Costa considerou importante para a revisão daquelas normas de verdadeiro constitucional aplicado, um suporte democrático alargado que vá «para lá duma normal maioria política»

Jornal Digital 14FEV06

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006

Tout s' en va

La raison
Moi, je me sauve.

Le droit
Adieu! Je m' en vais.

L' honneur
Je m' exile.

Alceste
Je vais chez les hurons leur demander asile.

La chanson
J' émigre. Je ne puis souffler mot, s' il vous plaît,
Dire un refrain sans être empoignée au collet
Par les sergents de ville, affreux drôles livides.


Une plume
Personne n' écrit plus: les encriers sont vides.
On dirait d' un pays mogol, russe ou persan.
Nous n' avons plus ici que faire; allons nous-en,
Mes soeurs, je quitte l' homme et je retourne aux oies.

La pitié
Je pars. Vainqueurs sanglants, je vous laisse vos joies.
Je vole vers Cayenne où j' entends de grands cris.


La Marseillaise
J' ouvre mon aile et je vais rejoindre les proscrits.

La poésie
Oh! je pars avec toi, pitié, puisque tu saignes!
...

24 novembre 1853, Victor Hugo, Les Châtiments

[tirado daqui]

Reutilização de informações do sector público

A Directiva 2003/98/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 17
de Novembro de 2003 relativa à reutilização de informações do sector
público
apareceu no jornal oficial da União Europeia em 31 de Dezembro de 2003.

Portugal tinha que a transpor até Julho do ano passado.

Terrorismos

Afinal o terrorista preso pela Polícia Judiciária e alardeado por esta como tal, parece que não é terrorista na opinião da Procuradoria da Holanda. Se não estivéssemos habituados às estórias da Polícia pátria, teríamos de considerar a Procuradoria neerlandesa mentirosa ou ignorante. Mas admitindo que o preso prendido pela Polícia Judiciária é mesmo um terrorista, só à dita lembraria vir para a comunicação social, sem mais nem menos, gritar um sucesso cujo silêncio é a alma do negócio. Parece que a Judiciária continua a brincar às caixas com que inunda uma comunicação social suburbana. O que, a brincar a brincar, não deixa de ser uma forma, ainda que modesta, de terrorismo.

Curiosidade terminológica

Os franceses designam por “filoutage” (ou philoutage) a técnica fraudulenta tendente a obter informações confidenciais, como passwords ou números de cartões de crédito, através do envio de mensagens ou da duplicação enganosa de sites por forma a conseguir a usurpação da identidade de instituições financeiras ou de empresas comerciais.
Também costumam usar o termo “hameçonnage”, expressão que os canadianos, mais bizarros, preferem.
Os ingleses chamam-lhe "phishing".
E nós? Será “gamanço”?
Enquanto não inventarmos o nosso neologismo, contentemo-nos com uma consulta ao Google.

Dever de reserva...

... ou direito ao disparate?

Jurisprudência Constitucional

Interpretação conforme a Constituição - tribunal que proferiu a decisão - suscitação perante ele de vícios da decisão - inadmissibilidade de recurso
*
Interpretar, nos termos do artigo 80º, nº 3, da LTC, o nº 2 do artigo 379º do CPP, no sentido de ser admissível a suscitação, perante o tribunal que proferiu a decisão, de vícios desta enquadráveis no elenco das nulidades da sentença, mesmo quando desta se não possa interpor recurso.
Ac. do T. Constitucional de 17 de Janeiro de 2006, Proc. n.º 855/05, Relator: Cons. Rui Moura Ramos


Recursos - remédios jurídicos - novo julgamento da causa - julgamento do recurso matéria de facto
1 – O julgamento é efectuado na 1.ª Instância é o verdadeiro julgamento da causa, em que imperam os princípios da imediação e da oralidade e são produzidas todas as provas e as testemunhas, o arguido e o ofendido são ouvidos em pessoa.
2 – O recurso para a Relação, mesmo em matéria de facto, não constitui um novo julgamento em que toda a prova documentada (ou todas as questões abordadas na decisão da 1.ª Instância) é reapreciada pelo Tribunal Superior que, como se não tivesse havido o julgamento em 1.ª Instância, estabeleceria os factos provados e não provados e assim indirectamente validaria ou a factualidade anteriormente assente (ou tornaria a decidir as questões suscitadas).
3 – Antes se deve entender que os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados, ou com referência à regra de direito respeitante à prova que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada.
4 – O Tribunal Superior procede então à reanálise dos meios de prova concretamente indicados (ou as questões cuja solução foi impugnada) para concluir pela verificação ou não do erro ou vício de apreciação da prova e daí pela alteração ou não da factualidade apurada (ou da solução dada a determinada questão de direito).
5 – Assim, o julgamento em 2.ª Instância não o é da causa, mas sim do recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa, em que estão presentes, face ao Código actual, alguns apontamentos da imediação (somente na renovação da prova, quando pedida e admitida) e da oralidade (através de alegações orais, se não forem pedidas a admitidas alegações escritas).
6 – Este o entendimento presente na afirmação do acórdão recorrido que constitui um dado adquirido no estádio actual de evolução do processo penal, entre nós, e que não enferma de nenhum pecado constitucional.
Decisão
Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional a dimensão normativa dos artigos 374°, n° 2, 379°, n° 1, alínea c), 410°, n° 1, e 423°, n° 5, do Código de Processo Penal.
Ac. do T. Constitucional nº 59/2006 de 18.01.2006 , Proc. n.º 199/2005, Relatora: Cons. Maria Fernanda Palma

Suspensão provisória do processo - concordância do arguido - assistência de defensor - dispensa
*
A norma do artigo 281.º do CPP em conjunto com o artigo 64.º do mesmo Código, interpretada no sentido de ser dispensada a assistência de defensor ao arguido no acto em que este é chamado a dar a sua concordância à suspensão provisória do processo, não viola o n.º 3 do artigo 32.º da Constituição.
Ac. do T. Constitucional (Plenário) n.º 67/2006 de 24.01.2006, Proc. n.º 161/05, Relator: Cons. Vítor Gomes

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006

Casa da Suplicação LXII

Declaração de excepcional complexidade do processo — Poderes do Supremo Tribunal de Justiça — Justificação
1 – Não estabelecendo a lei prazo para a prolação do despacho a qualificar o processo como de excepcional complexidade, pode o mesmo ter lugar a qualquer momento de forma a produzir os efeitos adequados a partir desse momento, nomeadamente na validação da prisão preventiva.
2 – E a excepcional complexidade pode ser declarada pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça, sem que isso signifique que a mesma só se verificou em recurso, não existindo antes.
3 – Mostra-se adequada tal declaração num processo com 25 volumes e que contava inicialmente com 13 arguidos, mostrando de especial complexidade na parte de investigação e mesmo julgamento incluindo os recursos, de facto e de direito cruzados, motivando sucessivas delongas no processamento.
Ac. do STJ de 09.02.2006, Proc. n.º 65/06, Relator: Cons. Simas Santos

Tráfico de estupefacientes — objectos declarados perdidos — a favor do Estado — a favor de Região Autónoma — regime especial
1 - O DL n.º 15/93, de 22-01, é uma lei geral da República Portuguesa, com aplicação a todo o território nacional, que prescreve um regime especial de perdimento de bens a favor do Estado, em caso de tráfico de estupefacientes.
2 - O art. 113.º, al. e), do Estatuto da Região Autónoma dos Açores, que se refere apenas aos bens abandonados e aos que integrem heranças declaradas vagas para o Estado, desde que uns e outros se situem dentro dos limites territoriais da Região, não permite que os objectos relacionados com tráfico de droga sejam declarados perdidos a favor dessa Região e não do Estado.
3 – E o mesmo se diga da al. g) do art. 145.º da Lei n.º 13/91 (redacção da Lei n.º 130/99, de 21 de Agosto–Estatuto da Região Autónoma da Madeira) que determina expressamente que constitui património privado da Região: “os bens que, na Região, sejam declarados perdidos a favor do Estado e a que lei especial, em virtude da razão que determine tal perda, não dê outro destino”.
4 – É que o DL n.º 15/93 institui um regime especial, destinando os objectos, valores e vantagens provenientes do tráfico de estupefacientes a fins de interesse público (art. 39.º) já que se destinam ao apoio de acções, medidas e programas de prevenção do consumo de droga, à implementação de estruturas de consulta, tratamento e reinserção de toxicodependentes, quer estejam em liberdade, quer estejam em cumprimento de medidas penais ou tutelares, daí a importância do perdimento dos bens na economia do plano de combate à droga.
Ac. do STJ de 09.02.2006, Proc. n.º 110/06-5, Relator: Cons. Simas Santos

Conclusões da motivação de recurso — convite à correcção — jovem delinquente — atenuação especial da pena — falta de fundamentação — medida concreta da pena
1 – Não se deve convidar o recorrente a completar as lacónicas conclusões da motivação se o texto desta é ainda mais lacónico.
2 – Se o Tribunal, para não atenuar especialmente a pena a um jovem delinquente, se refere aos parâmetros a que a lei manda atender (idade do arguido e a circunstância de ter menos de 21 anos; gravidade dos factos praticados; complexo percurso de vida, já com ligações anteriores à justiça; antecedentes criminais e falta de interiorização das normas), não há falta ou insuficiência da fundamentação.
3 – Não é de fazer uso da faculdade de atenuação especial prevista no art. 4º do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, quando é grande o grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido e é grave a sua culpa, na forma de dolo directo. Como não é legitimo concluir então que há razões sérias para crer que da atenuação especial da pena resultem vantagens para a sua reinserção social.
4 – Por isso, haverá que apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes, pois a idade não determina, por si só, o desencadear dos benefícios do regime, designadamente porque estes não se traduzem numa mera atenuação da dosimetria punitiva, mas numa atenuação especial, que terá de ser concretizada e quantificada de harmonia com o disposto nos artigos 72.º e 73.º do C. Penal, preceitos estes, que embora inseridos em perspectiva diversa, constituem apoio subsidiário daquele regime.
5 – A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura.
Ac. do STJ de 09.02.2006, Proc. n.º 4389/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

Proibição de propaganda política — publicidade — acto eleitoral — contra-ordenação — admoestação
1 - A publicação, como publicidade, através de um encarte num jornal, de uma folha informativa de uma Câmara Municipal, constituída por duas páginas, a primeira com a divulgação de projectos de obras e actividades a levar a cabo pela autarquia, um evento cultural e outro social com fotografias alusivas, e uma segunda página, publicitando obras e melhoramentos efectuados em duas freguesias do concelho, com apresentação de fotografias dos autarcas, bem como a acta da reunião da Câmara do dia 13 de Setembro de 2005, na véspera do acto eleitoral, quando já nenhum contraditório é possível, viola a proibição de propaganda política feita, directamente ou indirectamente, através dos meios de publicidade comercial, a partir da publicação do decreto que marque a data da eleição.
2 – Quis o legislador proibir mais do que a mera propaganda “eleitoral”, pois o termo “propaganda política” usado no preceito tem um âmbito mais vasto do que aquela. E tanto é proibida a propaganda política directa, objectiva e clara e assim apreendida pelos cidadãos, como a indirecta, aquela em a vocação de propaganda se encontra dissimulada, camuflada, escondida, mas continua a ser a de levar o cidadão a, em detrimento de outras, votar numa candidatura.
3 – A gravidade da contra-ordenação e da culpa não consente a aplicação da pena de admoestação.
Ac. do STJ de 09.02.2006, proc. n.º 255/06-5, Relator: Cons. Simas Santos

A reforma e a lei que a rege

Na caixa do correio encontrei este texto lapidar de Marcello Caetano:
*
«Tem-se discutido na doutrina se pelo facto da inscrição como subscritor da Caixa o funcionário adquire ou não o direito a aposentação nos termos da lei vigente nesse momento.
Sem dúvida que a inscrição do funcionário origina mera expectativa, a qual só se transforma em direito quando ele, nos termos legais, reúna as condições necessárias para ser aposentado.
Dentro da orientação objectivista que prevaleceu durante muito tempo nos países latinos, negadora de direitos aos funcionários, entendeu-se que estes não gozavam de qualquer garantia jurídica no respeitante à aposentação, enquanto não se subjectivasse por um acto administrativo para cada situação de aposentado.. Os funcionários ao serviço estariam completamente dependentes do legislador que poderia em qualquer altura aumentar a idade ou o número de anos necessários para a aposentação ordinária, diminuir a pensão ou até suprimi-la, pois o desconto feito nos vencimentos era simples expediente de contabilidade e não o pagamento de um prémio de seguro.
Tais ideias estão inteiramente ultrapassadas e devem considerar-se obsoletas. Como tem sido frisado, a situação dos funcionários não pode ser menos favorecida que a dos empregados das empresas privadas, nem seria moral que o Estado procedesse com o seu pessoal em termos que condena no procedimento dos restantes patrões.
O funcionário, ao pagar as quotas fixadas por lei, adquire o direito a, uma vez reunidas as condições nela estabelecidas, vir a ser aposentado e em termos não menos favoráveis que os então previstos».
*
Manual de Direito Administrativo, vol. II, 9.ª edição, pp. 778-779

Em democracia tal actuação já é tolerável e moderna?...

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2006

terça-feira, 7 de fevereiro de 2006

Casa da Suplicação LXI


Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça — pedido de aclaração infundado — arguição de nulidade com os mesmos fundamentos — demoras abusivas — remessa à 1.ª instância para execução
Se o arguido pede a aclaração de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, quando nada há para aclarar e é patente que bem o compreendeu, aclaração que é desatendida, e depois argúi a nulidade do mesmo acórdão utilizando exactamente os mesmos elementos, tendo decorrido cerca de 10 anos sobre os factos, é manifesto que quer obstar ao transito em julgado da decisão condenatória, pelo que, nos termos do n.º 2 do art. 720.º do CPC, aplicável por força do art. 4.º do CPP, devem os autos ser remetidos à 1.ª instância para execução e o incidente prosseguir em traslado, para o efeito, extraído.
Ac. do STJ de 02.02.2006, Proc. n.º 2646/05, Relator: Cons. Simas Santos

Natureza dos recursos — questão nova — correcção das conclusões da motivação — matéria de facto — conhecimento oficioso dos vícios de facto — especificações — texto da motivação
1 – Os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim para apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso.
2 – Assim se o arguido só recorreu da decisão final da 1.ª Instância para a Relação invocando a existência de erro notório na apreciação da prova, não pode depois recorrer para o STJ invocando outros vícios da decisão ou impugnando a qualificação jurídica ou a medida da pena.
3 – Pois não pode o Supremo Tribunal de Justiça pode conhecer de questões que, embora resolvidas pelo Tribunal de 1.ª Instância não foram suscitadas perante a 2.ª Instância, de cuja decisão agora se recorre.
4 – O entender o STJ que pode conhecer oficiosamente dos vícios da matéria de facto, só significa que, se o tribunal reconhecer espontaneamente a existência de tais vícios, pode/deve conhecer deles e declará-lo. Não significa que os interessados os podem indicar como fundamento do recurso, pois isso seria «a requerimento das partes». Não tendo o Tribunal reconhecido a existência de um desses vícios não se pode afirmar que, não só o tribunal o reconheceu, como, nessas circunstâncias, dele não conheceu, assim omitindo pronúncia devida.
5 – Entendendo a Relação que o recorrente não forneceu os elementos legais necessários para reapreciar a decisão de facto nos pontos que questiona, a solução não é "a improcedência", por imodificabilidade da decisão de facto, mas o convite para a correcção das conclusões. A ausência de tal convite e a subsequente ausência de pronúncia sobre matéria que devia conhecer torna nulo o acórdão da Relação
6 – Mas deve distinguir-se a deficiência resultante da omissão na motivação dessas especificações, caso em que o vício seria insanável, da omissão de levar as especificações constantes do texto da motivação às conclusões, situação que impõe o convite à correcção. O texto da motivação constitui o limite à correcção das respectivas conclusões.
Ac. do STJ de 02.02.2006, Proc. n.º 4409/05-5, Relator: Cons. Simas santos

«Temos de assumir o nosso estatuto por inteiro»

Devo dizê-lo com toda a frontalidade: sou contra a tão (hoje) badalada "greve de zelo" nos tribunais. É um comportamento que só degrada ainda mais a imagem de magistrados e oficiais de justiça junto da população. Para nós, magistrados, o Governo não é o "nosso" patrão, nós não trabalhamos para o MJ ou para o Governo! Não temos que estar "motivados" ou "desmotivados", conforme o MJ sorria ou faça cara feia para nós. Nós não somos funcionários (mesmo os oficiais de justiça são, e eles tendem a esquecê-lo quando isso importa desvantagens, um corpo especial). Temos de assumir o nosso estatuto por inteiro. Assumir a condição de funcionários-burocratas, ainda que como forma de "luta", tem um custo demasiado alto. Quem não quer ser funcionário não veste "mangas de alpaca"! Se as veste, não se pode queixar...


Publicado por Eduardo Maia Costa, em Sine Die

A providência de habeas corpus e a (ir)regularidade de actos do processo

I - No âmbito da decisão sobre uma petição de habeas corpus, não cabe julgar e decidir sobre a natureza dos actos processuais e sobre a discussão que possam suscitar no lugar e momento apropriado (isto é, no processo), mas tem de se aceitar o efeito que os diversos actos produzam num determinado momento, retirando daí as consequências processuais que tiverem para os sujeitos implicados.
II - A providência de habeas corpus não decide, assim, sobre a regularidade de actos do processo com dimensão e efeitos processuais específicos, não constituindo um recurso de actos de um processo em que foi determinada a prisão do requerente, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis.
III - Na providência há apenas que determinar, quando o fundamento da petição se refira a uma dada situação processual do requerente, se os actos de um determinado processo, valendo os efeitos que em cada momento produzam no processo, e independentemente da discussão que aí possam suscitar (a decidir segundo o regime normal dos recursos), produzem alguma consequência que se possa acolher aos fundamentos da petição referidos no art. 222.°, n.° 2, do CPP.

Ac. do STJ de 02-02-2005 - Proc. n.º 351/05 - 3.ª Secção

Henriques Gaspar, Antunes Grancho, Silva Flor, Soreto de Barros

(deferência alheia)

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2006

Mandado de detenção europeu e medidas de coacção

I - A possibilidade (prevista no art. 18.º, n.º 3, da Lei 65/03) de aplicação de medida de coacção de entre as previstas no CPP pressupõe um juízo que (...) não pode deixar de estar mutuamente intercondicionado pela natureza do mandado e pelos fundamentos que determinaram a sua emissão (...).
II - O procedimento de execução do mandado tem de decorrer de modo a que o Estado da execução possa entregar a pessoa procurada, e detida, ao Estado da emissão; para tanto, a entidade de execução deve acautelar o cumprimento efectivo de tal obrigação.
III - Estando em causa a execução de um mandado para cumprimento do remanescente de uma pena de 10 anos de prisão por crime de tráfico de estupefacientes (8 anos, 8 meses e 6 dias), apenas a manutenção da detenção durante o período (curto - 60 dias - previsto no art. 26.º, n.º 2, da Lei n.º 65/03) para a decisão sobre a execução permite assegurar, segura e eficazmente, o cumprimento das obrigações do Estado Português como Estado da execução.

Ac do STJ de 02-02-2005 - Proc. n.º 141/05 - 3.ª Secção

Henriques Gaspar, Antunes Grancho, Silva Flor

(deferência alheia)

Criminologia

É o título do livro de Maurice Cusson, Professor da Universidade de Montreal, agora publicado pela Casa das Letras. A actividade científica do Prof Cusson pode ser consultada aqui.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2006

Jurisprudência Fixada

Pesca proibida - contra-ordenação - lei temporária - despenalização
*
«A Portaria n.º 248/2001, de 22 de Março, revogada pela Portaria n.º 1179/2002, de 29 de Agosto, não era uma lei temporária, pelo que, por via daquela revogação, os factos nela tipificados e ocorridos na sua vigência deixaram de ser pundios, por força do n.º 2 do artigo 2.º do Código Penal, ex vi artigo 32.º do Dec-Lei n.º 433/82, de 27/10».
*
Acórdão de Fixação de Jurisprudência das Secções Criminais do STJ de 1.2.2006, proc. n.º 1829/05-5, Relator: Cons. Pereira Madeira, aprovado por 9 votos com 6 votos.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2006

AS REFORMAS EM CURSO E OS MINISTROS

Começa a ser tradição imposta a tutti quantti assumem o Ministério da Justiça deixar uma impressão digital nas leis que nos regem.
O actual Ministro não podia fugir à regra.
Receio, porém – e sem afirmar o que as evidências denunciam claramente e já foi dito e repisado em várias ocasiões – que este Ministro incorre em claro erro na definição de prioridades e de objectivos a atingir.
Tem sido manifesta a incapacidade para lidar, por exemplo, com o fracasso na Reforma da Acção Executiva e adoptar as soluções que permitam a cobrança coerciva de créditos já reconhecidos ou titulados (Seria curioso analisar o resultado do apuramento da percentagem de execuções findas com o pagamento das quantias exequendas no regime actualmente em vigor).
Mas as reformas de outras leis vigentes estão aí.
A Lei Quadro da Política Criminal, cujas virtudes foram tão enfatizadas enquanto instrumento absolutamente indispensável ao sistema, não trará qualquer mais valia à administração da Justiça Penal e, para além de permitir a imputação de responsabilidades a quem não as tem, constituiu mais um episódio no que se afigura ser uma aposta de descredibilização das magistraturas por parte de quem deveria assumir a defesa das instituições e dos titulares do órgão de soberania que são os Tribunais.
A Reforma Penal tem, de resto, outras vertentes que serão reveladas num futuro que se prevê breve, algumas das quais esperadas.
Mas também o Código de Processo Civil está em vias de mais uma revisão parcial. Esta tocante apenas ao regime dos recursos.
Aliás, teve hoje lugar, em Lisboa, um Debate Público Nacional sobre o assunto.
Em causa está, como se diz, a “requalificação” do Supremo Tribunal de Justiça.
Dúvidas não temos que o Supremo Tribunal de Justiça precisa urgentemente de ser repensado para ter condições para exercer de pleno a sua vocação de uniformizador de jurisprudência.
A pergunta que fica no ar é esta: Qual vai ser o preço a pagar pelos cidadãos em geral (para não falar nos custos para as magistraturas que terão que ser analisados pelas respectivas associações sindicais), pelo fechar das portas do Supremo Tribunal de Justiça e pela dita “requalificação”?
È certo que o Anteprojecto apresentado tem aspectos interessantes (são exemplo a elevação das alçadas e a adopção da regra da dupla conforme para impedir o recurso ao STJ aberto, porém, em caso de relevância jurídica ou social da questão sub judice – mais um conceito indeterminado?).
Mas contém outros muito discutíveis (por exemplo, para quê alegações orais em matéria cível na Relação e no Supremo?) ou perfeitamente deslocados (Num Código de Processo Civil deve constar uma norma que manda o relator elaborar o sumário da decisão para ser inserido numas página da Internet?).
O que virá amanhã nos jornais é que antes do final do ano os processos subirão ao Tribunal da Relação “desmaterializados” – Ministro da Justiça dixit.
Nós acreditamos tão piamente como se nos dissessem que o sol gira à volta do Terreiro do Paço… (aliás estou a ver o processo que tenho em mãos com vários volumes e mais de duas mil páginas, com alguns documentos e actos processuais impugnados, todo digitalizado e a subir ao Tribunal da Relação com estrita observância dos prazos).
Quando até a simples tecnologia de gravação das cassetes áudio tem registado os problemas que se sabem apetece dizer: porque não podemos fazer um país para as leis que queremos temos que fazer leis a pensar no país que temos…
Da parte dos advogados espera-se alguma reacção, de resto logo ali materializada no apelo veemente feito por um ex-bastonário (Dr. José Miguel Júdice): “Não façam esta Reforma!!!”
Seja como for, as reformas fazem-se e desfazem-se ao mesmo ritmo com que nos despedimos dos Ministros.
Infelizmente, os verdadeiros problemas resistem aos Ministros …
E seria bom que, de uma vez por todas, se entendesse que tanto ou mais importante do que as impressões digitais dos Ministros ou do que os computadores com que se equipam os Tribunais são as pessoas que neles trabalham por melhor Justiça.
E que é nelas que é preciso investir.