Manuel António Pina: JN, 07/10/2010
No centenário da implantação da República,
juntamente com o fim dos privilégios de sangue e a adopção do princípio
republicano, festejou-se algo que não existiu: um regime democrático. A I
República foi estruturalmente antidemocrática, não só tendo instaurado a
censura, perseguido sindicatos e organizações de trabalhadores, proibido
manifestações, promovido a intolerância e a violência política, mas sobretudo
rejeitando o voto universal e excluindo do colégio eleitoral a imensa maioria analfabeta
da população portuguesa (bastará dizer que, em 1910, havia 850 mil eleitores
recenseados que, com a lei eleitoral republicana de 1911, ficaram reduzidos a
400 mil).
Também reis, damas, valetes e outras cartas do
pitoresco baralho monárquico escolheram o 5 de Outubro para festejar uma
ficção, indo a Guimarães prestar vassalagem ao carrolliano «pretendente» a algo
que não existe, o «Trono de Portugal» (além de a uma caterva de títulos que
igualmente não existem). Em Guimarães viram-se mesmo cartazes vindos
directamente, através da curvatura do espaço-tempo, de uma realidade paralela: «Portugal
tem um rei». O tal «rei», num discurso de 1400 palavras de que 1200 eram
citações, classificou a revolução republicana como de «ocupação de Portugal»
por uma «invasão mental estrangeira».
De um lado, uma «democracia», do outro uma
«invasão mental». Quem estes dias viu TV andou pela «Twilight
Zone».
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