segunda-feira, 7 de outubro de 2013

«TWILIGHT ZONE»

Manuel António Pina: JN, 07/10/2010
   No centenário da implantação da República, juntamente com o fim dos privilégios de sangue e a adopção do princípio republicano, festejou-se algo que não existiu: um regime democrático. A I República foi estruturalmente antidemocrática, não só tendo instaurado a censura, perseguido sindicatos e organizações de trabalhadores, proibido manifestações, promovido a intolerância e a violência política, mas sobretudo rejeitando o voto universal e excluindo do colégio eleitoral a imensa maioria analfabeta da população portuguesa (bastará dizer que, em 1910, havia 850 mil eleitores recenseados que, com a lei eleitoral republicana de 1911, ficaram reduzidos a 400 mil).
   Também reis, damas, valetes e outras cartas do pitoresco baralho monárquico escolheram o 5 de Outubro para festejar uma ficção, indo a Guimarães prestar vassalagem ao carrolliano «pretendente» a algo que não existe, o «Trono de Portugal» (além de a uma caterva de títulos que igualmente não existem). Em Guimarães viram-se mesmo cartazes vindos directamente, através da curvatura do espaço-tempo, de uma realidade paralela: «Portugal tem um rei». O tal «rei», num discurso de 1400 palavras de que 1200 eram citações, classificou a revolução republicana como de «ocupação de Portugal» por uma «invasão mental estrangeira».
   De um lado, uma «democracia», do outro uma «invasão mental». Quem estes dias viu TV andou pela «Twilight Zone».


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