segunda-feira, 1 de julho de 2013

Provedor queixa-se de Paulo Núncio ao Parlamento

Quatro casos que aguardam resposta do secretário de Estado
Provedor queixa-se de Paulo Núncio ao Parlamento
Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais tem reiteradamente ignorado as queixas dos contribuintes que pediram a intermediação do Provedor de Justiça, diz Alfredo José de Sousa
ELISABETE MIRANDA
O Provedor de Justiça escreveu à Assembleia da República para informar os deputados sobre queixas “prementes e graves” de contribuintes singulares e empresas que lhe têm chegado, e às quais o Governo tem feito orelhas moucas. A carta de Alfredo José de Sousa apresenta Paulo Núncio, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, como a principal causa para os bloqueios na comunicação, e constitui a derradeira tentativa para levar as questões a bom porto.
Na carta endereçada a Assunção Esteves, Alfredo José de Sousa fala de uma “postura de manifesta e reiterada indisponibilidade para o diálogo do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e, inclusivamente, por parte do ministro das Finanças”, postura essa que tem vindo a impedir que o Provedor faça o seu trabalho de intermediário das queixas dos cidadãos. O Provedor de Justiça elenca quatro problemas concretos, por estes serem, “por ora, os mais prementes e os mais graves”, mas sublinha, que, “lamentavelmente”, tem muitos outros exemplos de violação do dever de colaboração por parte do Ministério das Finanças.
Dos quatro casos descritos, três envolvem Paulo Núncio e um Vítor Gaspar. Todos têm em comum o facto jade terem sido objecto de estudos ou tomadas de posição por parte dos serviços técnicos, mas de ficarem bloqueados na secretária dos responsáveis políticos, que têm ignorado os ofícios do Provedor. Na mesma carta, Alfredo José de Sousa constata, “com pesar, que as situações se arrastam, arrastando com elas contribuintes, cidadãos e pequenas empresas”.
O Estatuto do Provedor de Justiça diz que as entidades públicas são obrigadas a cooperar, prestando toda a informação que lhes for solicitada, e a sua violação configura crime de desobediência.
Contudo, as participações ao Ministério Público têm sido raras, não havendo notícia de condenações no passado. Escrever ao Parlamento expondo os casos e solicitando a intervenção dos deputados é, por isso, um dos derradeiros gestos que o Provedor tem ao seu dispor.
Alfredo José de Sousa termina o seu mandato a 15 de Julho e sabe já que não continuará no cargo. As suas declarações sugerindo a realização de eleições antecipadas caíram mal junto dos partidos da maioria.
CASO 1
PEC degrada tesouraria das empresas
Além do IRC, as empresas estão obrigadas a entregar anualmente um pagamento especial por conta (PEC). Se tiverem lucros fiscais, o PEC é abatido ao IRC pago mas, se não os tiverem, o Fisco fica com o dinheiro. Para que a situação não configure uma colecta mínima, que poderia ser inconstitucional, estabeleceu-se que o PEC pode ser devolvido, se a empresa pedir uma inspecção do Fisco e pagar por ela, uma regra duplamente dissuasora
A polémica arrasta-se há anos, mas a intervenção do Provedor deu-se por uma situação concreta: uma empresa que, para ter direito ao reembolso do PEC, teve de pagar pela inspecção uma taxa superior ao valor do próprio reembolso.
Reconhecendo a importância destes temas, o último secretário de Estado do PS encomendou um estudo ao Centro de Estudos Fiscais com urgência. O Provedor diz que sabe que estudo e recomendação técnica estão prontos desde 2011. “O silêncio a que a SEAF se remeteu parece-me claramente inaceitável”, regista e surge em prejuízo da tesouraria das empresas.
CASO 2
Mãe e filha deficiente não podem ‘fundir’ IRS
Mãe e filha, esta última com uma deficiência profunda, vivem em economia comum mas estão impedidas de serem consideradas como um casal para efeitos de IRS, com o argumento de que não haveria regulamentação para o efeito.
O Provedor intercedeu junto das Finanças, argumentando que a regulamentação para este tipo de situações é desnecessária, já que a lei define a economia comum “a situação de pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação há mais de dois anos e tenham estabelecido uma vivência em comum de entreajuda ou partilha de recursos”, entre outros argumentos. E pediu à direcção de Serviços do IRS que revisse a sua posição ou, em alternativa, indicasse concretamente que diligências precisam de ser tomadas para que ela se resolva. O caso foi exposto em Abril de 2011 aos serviços do IRS e o Provedor diz ter sabido informalmente que a resposta foi remetida por estes serviços para o gabinete de Paulo Núncio a 16 de Novembro de 2011. Desde então, e apesar de “diversas diligências de insistência”, não obteve qualquer resposta
CASO 3
Empresas multadas por impostos que queriam pagar
Devido a inconsistências entre a informação das Finanças e da Conservatória do Registo automóvel, várias empresas do sector automóvel foram chamados a pagar multas por atraso IUC anos 2007 e 2008. Tentaram fazê-lo pela internet, mas não conseguiram, porque este estava em baixo, e não puderam pagar presencialmente porque o Fisco não o autorizou, descreve Alfredo José de Sousa Acontece que, quando o sistema informático se restabeleceu, já o prazo tinha expirado e o Fisco, implacavelmente, multou-as.
As entidades reclamaram em 2011 junto do Provedor, que escreveu ao Director-geral dos Impostos em Janeiro de 2012 e Azevedo Pereira terá respondido pouco tempo depois que a decisão já estava tomada e remetida para sancionamento do secretário de Estado. Paulo Núncio foi directamente interpelado, mas, segundo o Provedor de Justiça, “o nosso ofício permanece sem resposta e, ao que julgo saber, permanecem sem resposta também as associações queixosas e as suas associadas, obrigadas, entretanto a arcar com o pagamento de coimas por atraso no pagamento de impostos que quiseram pagar.
CASO 4
Recibos verdes prejudicados no crédito bonificado
Na hora de decidir quem tem direito ao crédito bonificado à habitação, os trabalhadores independentes são prejudicados em relação aos trabalhadores por conta de outrem. A causa para a discriminação está na forma como é apurado o rendimento anual destes profissionais, que o Provedor considera inadequado.
O assunto estava encaminhado com Teixeira dos Santos, que tinha prometido a Alfredo José de Sousa uma alteração legislativa a corrigir a situação, de uma forma que o Provedor considerava aceitável.
A mudança de Governo levou a que o assunto fosse retomado apenas em Agosto de 2011 com Vítor Gaspar, mas, “não obstante inúmeras diligências de insistência, não foi, até hoje, dada resposta”, garante o responsável. “Quase dois anos volvidos, o assunto mantém-se inalterado, em prejuízo, uma vez mais, de agregados carenciados.” Ao todo, Alfredo José de Sousa diz já ter recebido 60 queixas.
Jornal Negócios | Segunda, 01 Julho 2013

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