segunda-feira, 20 de maio de 2013

Morte de menina por julgar porque juízes não se entendem


Dois médicos do Hospital Pediátrico de Coimbra estão há mais de nove anos para serem julgados por homicídio negligente. Tudo por causa de dúvidas entre juízes sobre a comarca competente para analisar o processo.
O caso, que culminou com a morte de uma menina de Tábua, em março de 2004, começou a ser julgado no Tribunal de Penacova, tendo chegado quase às alegações finais, mas após uma violenta troca de palavras entre a juíza e o advogado Rodrigo Santiago (defensor de um dos arguidos), a magistrada apresentou queixa-crime contra o causídico e invocou escusa.
O juiz substituto também invocou escusa e o terceiro a assumir o julgamento, que já contava com quase uma dezena de sessões realizadas e cerca de 30 testemunhas ouvidas, entendeu que a comarca competente era a de Coimbra, pelo que remeteu o processo para a Relação. Esta discordou e ordenou que o julgamento decorresse em Penacova e começasse do zero, anulando os testemunhos prestados, que terão de ser repetidos. O (re)início ainda não está agendado.
Ana Rita Almeida Santos, de 10 anos, sentiu-se mal no dia 15 de março de 2004 e foi ao centro de saúde de Tábua, tendo-lhe sido diagnosticada uma gastroenterite. No dia seguinte, os sintomas agravaram-se e a médica do mesmo centro de saúde, suspeitando de apendicite aguda, reencaminhou a doente para o Hospital Pediátrico de Coimbra (HPC), dando nota aos colegas da gravidade da situação. Um cirurgião e um pediatra deram-lhe alta sem realizar exame complementar de diagnóstico. Um deles terá garantido à mãe de Ana Rita que esta não sofria de apendicite aguda.
A menina foi para casa e não dormiu a noite toda. No dia 17, foi a outro médico, em Arganil, que confirmou “sinais característicos de apendicite” e ordenou que Ana Rita fosse de imediato para o HPC. Perto de Penacova, Ana perdeu os sentidos e foi transportada para o centro de saúde local, onde declararam o óbito. A autópsia confirmou que a causa da morte foi “apendicite aguda perfurada complicada de peritonite”. O Ministério Público acusa os dois médicos do HPC de coautoria do crime de homicídio negligente. Os pais da menor exigem mais de cem mil euros de indemnização. O crime pode prescrever em 2014.
Ao JN, o bastonário da Ordem dos Advogados disse que “a questão da competência territorial já estava decidida quando a juíza deu início ao julgamento”. “Não percebo como é que outro magistrado desfaz na colega”, afirmou Marinho Pinto. O bastonário considera que “esta atitude favorece os arguidos” e “é o exemplo do mau funcionamento da justiça”. “Chutar para canto é o grande problema de muitos magistrados”, diz.
JN Online, 20 Maio 2013

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