Público
- 25/03/2013 - 00:00
Furioso com a forma como foi tratado, o ex-Presidente da
República francês quer pôr em causa o juiz que está a instruir o processo
Bettencourt, em que é suspeito de abuso de confiança de pessoa fragilizada
Nicolas Sarkozy é advogado de profissão, mas as suas relações
com os juízes, enquanto político, nunca foram boas. Agora estão piores que nunca.
Thierry Herzog, o advogado de Sarkozy, anunciou que vai contestar a
imparcialidade do juiz Jean-Michel Gentil, que fez o ex-Presidente da República
arguido por suspeita de "abuso de confiança de pessoa fragilizada",
no caso Liliane Bettencourt, a mulher mais rica do mundo.
Sarkozy, considerou o juiz de
instrução após uma acareação com vários trabalhadores da casa de Bettencourt,
ter-se-á aproveitado dos problemas mentais da nonagenária para obter doações
milionárias para a sua campanha eleitoral de 2007, em que foi eleito para o
Eliseu. Principal argumento? O pessoal da mansão testemunhou lembrar-se de ver
Sarkozy lá pelo menos duas vezes em 2007 - e não apenas uma, como o
ex-Presidente sempre disse -, uma com uma camisa vermelha, outra com uma camisola
de gola alta, em Fevereiro daquele ano.
Furioso, Sarkozy quer um
contra-ataque "maciço", relatava ontem oJournal du Dimanche,
citando o ex-Presidente, embora não directamente - publicava também uma
entrevista com o seu advogado de defesa. "Querem-me fazer afundar. Estou
indignado, mas não me vou deixar ficar", terá dito Sarkozy, segundo o
semanário francês.
Uma sondagem publicada ontem pelo Le Parisien pode dar-lhe alguma paz: 63% dos
franceses julgam que o facto de ter sido feito arguido não afectará as
possibilidades de Sarkozy se voltar a candidatar à presidência. A sondagem foi
feita por Internet, numa amostra representativa da população francesa, diz o
Instituto BVA. Mas qual a explicação para este resultado? "Pode ser o
cinismo dos franceses, que consideram que todos os políticos são
corruptos", diz Gaël Sliman, do BVA.
Tanto o lado de Sarkozy como o do
juiz Gentil vieram contar um episódio sucedido no final da acareação a que foi
submetido o ex-Presidente, na quinta-feira à noite, quando o juiz lhe comunicou
que deixaria de ser apenas testemunha e passaria a ter um estatuto semelhante
ao de arguido na justiça portuguesa. Sarkozy disse que era "uma injustiça",
o juiz Gentil considerou que estava a ser "injuriado". O
ex-Presidente acrescentou ainda: "Não me fico por aqui". O juiz
Gentil - considerado apartidário, mas dado a cóleras - levou isto como uma
ameaça.
Mais, considerou injuriosas as
palavras da antiga "pena" de Sarkozy, o seu chefe de gabinete no
Eliseu, Henri Guaino, actual deputado da UMP, que considerou que o juiz Gentil
tinha "desonrado a justiça". Várias figuras gradas da UMP, o partido
de Sarkozy, que ficou com um forte sentimento de orfandade depois de o
Presidente ter perdido as eleições de Maio, vieram a público tecer críticas
violentas contra a magistratura. Mas a que ofendeu mesmo o juiz Gentil foi a de
Guaino. Resultado: o juiz instruiu o seu próprio advogado a apresentar um
processo contra a ex-"pena" presidencial.
O contragolpe de Sarkozy veio
ontem, no Journal de
Dimanche, com a entrevista do advogado do ex-Presidente, que vai pedir a
anulação da classificação de Sarkozy como arguido, que deverá ser analisada em
Abril ou Maio pelo tribunal de instrução de Bordéus, onde está a correr o
processo Bettencourt. O objectivo, diz Thierry Herzog, é "fazer explodir o
castelo de cartas" construído pelo juiz.
A sanha do juiz de instrução de
Bordéus, defendem os próximos de Sarkozy, tem motivações políticas. Para
fundamentar esta afirmação, o advogado foi desenterrar um manifesto assinado
pelo juiz Gentil em Junho de 2012, juntamente com outros 81 juízes de instrução,
polícias ou investigadores que se destacaram na investigação de casos de
corrupção em França, e publicado no Le
Monde. Denunciavam "o abandono da luta contra a grande delinquência
financeira".
Verdade seja dita que a relação de
Sarkozy com os juízes, ao longo do seu mandato presidencial, não foi pacífica.
Em 2007, comparou os magistrados a "pequenas ervilhas sem sabor",
recorda a Reuters, e no início de 2010, pôs a classe em causa após o homicídio
de uma menina. Houve várias manifestações, em protesto contra o seu projecto de
supressão dos juízes de instrução.
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