Público - 13/03/2013 - 00:00
Autarca de Faro anunciou que, apesar de mais uma decisão adversa
do Tribunal Constitucional (TC), continuará em funções. Tem na manga novo
recurso. O TC acusa-o de recorrer a expedientes dilatórios para se manter no
cargo
O Tribunal Constitucional respondeu a 7 de Março a um pedido de
"aclaração" de Macário Correia confirmando a perda do seu mandato de
presidente da Câmara de Faro. Com esta diligência, o autarca esgotou os
recursos para travar a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo
(STA) no Verão passado. Quando esta decisão transitar em julgado, o que deverá
suceder dentro de meses, Macário deixará de poder exercer funções autárquicas,
sob pena de os actos que praticar serem considerados inválidos.
O social-democrata não se dá,
porém, por vencido. "Ao abrigo da lei, continuarei a exercer as funções
para que fui eleito", anunciou ontem num comunicado em que dá conta de ter
sido notificado da terceira e derradeira decisão do Tribunal Constitucional
sobre a sua perda de mandato. O comunicado do autarca, que preside à Comunidade
Intermunicipal do Algarve, termina com uma promessa: "Aguardarei e
cumprirei com serenidade a última decisão do STA, qualquer que ela seja e no
momento que venha a ser conhecida".
Condenado por ter violado leis do
ordenamento e urbanismo em 2006, quando era presidente da Câmara de Tavira,
Macário prepara-se para entregar um recurso extraordinário, alegando que o STA
proferiu no passado, num qualquer caso idêntico ao seu, uma decisão
diametralmente oposta. Mas este tipo de recurso só pode ser entregue depois de
o acórdão que o condena transitar em julgado, ou seja, após perder o mandato. E
os recursos extraordinários não suspendem a pena, explica o constitucionalista
José Fontes. "Se lhe for dada razão nesta questão isso pode suceder depois
do mandato já ter terminado", refere. Quando, daqui a algum tempo, perder
o mandato, o social-democrata terá de abandonar a Câmara de Faro. "Não
pode continuar num serviço público sem ter um título jurídico que o habilite a
tal", refere o mesmo especialista.
"É como se estivesse impedido
de exercer funções", corrobora o administrativista da Universidade
Católica do Porto Mário Aroso de Almeida, que se mostra surpreendido com as
declarações do autarca de que pretende continuar a exercer o cargo. "Não
estou a ver como", observa. Se insistir em continuar à frente da Câmara de
Faro, Macário Correia depois de o acórdão do STA transitar em julgado,
"estará a usurpar funções". Uma vez declarada a perda de mandato, não
se torna necessário fazer novas eleições. "O seu substituto legal é o
vice-presidente da câmara", esclarece Mário Aroso de Almeida.
O caso poderá, no entanto, ainda
voltar uma quarta vez ao Tribunal Constitucional, equaciona o advogado Artur
Marques, que em 2003 não conseguiu evitar a ida para a prisão do presidente da
Câmara de Vila Verde. "Macário Correia pode evocar a inconstitucionalidade
da norma que diz que os recursos extraordinários não têm efeitos suspensivos. E
essa diligência já tem efeitos suspensivos" da perda de mandato, faz
notar. Mas José Fontes não acredita que os juízes do Tribunal Constitucional,
que já acusaram o autarca de recorrer a expedientes dilatórios para se manter
em funções, vão nisso. Pensa que deixarão a perda de mandato efectivar-se antes
de se pronunciarem sobre uma eventual alegação deste tipo.
O comunicado de Macário Correia
deixa entrever que a via que escolheu não será, de resto, esta, "O
processo regressa ao STA, onde já se solicitou a correcção de erros materiais
do acórdão. Isto porque o mesmo assentou sobre sete situações, das quais se
sabe agora que três não existem na realidade. Das outras, quatro soube-se que
não foram, até ao momento, consideradas ilegais em ações administrativas
especiais", diz o seu comunicado.
Na Justiça, porém, a sucessão de
recursos merece críticas aos magistrados. No seu mais recente acórdão, datado
de 7 de Março, os conselheiros do Constitucional consideram que o requerimento
do autarca do PSD pedindo a "aclaração" da sentença que haviam
proferido em Janeiro, e que já confirmava uma decisão sumária de Outubro de
2012, não é senão uma manobra destinada a adiar o inevitável: "Revela que
apenas pretende obstar ao trânsito em julgado do acórdão". Já no acórdão
de 6 de Fevereiro passado o mesmo tribunal dissera "só por mero lapso"
ou por "uma leitura desatenta do respectivo conteúdo" da sentença
Macário Correia pode ter alegado no seu recurso contradição entre a decisão
proferida e os respectivos fundamentos.
Piscinas na REN
O autarca foi condenado por
aprovar, contra o parecer emitido pelos técnicos, a construção de duas
piscinas, duas moradias e a reconstrução de duas casas antigas em zonas
classificadas de Reserva Ecológica Nacional. "Eu também sou arquitecto e
engenheiro e conheço o território". Assim justificara, no passado mês de
Janeiro, os actos que violaram o Plano Director Municipal. A emissão dos
alvarás, alegou o autarca, foi suportada pelas "razões ponderosas" -
um poder discricionário que o Plano de Ordenamento (Prot/Algarve) conferia aos
autarcas.
Por outro lado, os Projectos de
Potencial Interesse Nacional aprovados pela administração central
multiplicaram-se pelas falésias e outras zonas sensíveis. A Comissão de
Coordenação e Desenvolvimento Regional, há cerca de seis anos, quando avaliou a
entrada do novo Prot, concluiu que na faixa dos 500 metros junto ao mar já só
estava por ocupar 1,3% da área disponível para construção. Assim, a um interior
cada vez mais deserto, impôs-se um litoral de prédios encavalitados - e,
actualmente, muitos deles abandonados.
Talvez com base nesta percepção
dos desequilíbrios entre a serra e o litoral algarvio, do ponto de vista
público as ilegalidades praticadas por Macário Correia ainda não mereceram
reprovação. "Sou contra o abandono e a desertificação da serra algarvia.
Esta é uma causa da qual não abdico", tem vindo a afirmar o presidente da
Câmara de Faro, sublinhando que só "prendeu ajudar as pessoas".
O presidente da comissão política
local do PS, Luís Graça, resume todo o caso numa palavra:
"Isaltinices". Ao autarca, diz, "faltam condições para exerce o
cargo. Não está a dignificar o poder local", sublinha. Graça considera que
o "mais grave" na conduta do autarca é ele "ter desrespeitado os
pareces técnicos, foi avisado e não quis saber de nada". Ao persistir no
cargo, sublinha, "dá uma imagem pública de que há uma Justiça para os
grandes, outra para os pequenos". Já no que toca aos actos praticados,
admite, "situações de outros autarcas que falharam, mas tiveram a
humildade de reconhecer o erro".
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