JN - Publicado em
2012-11-12
O
presidente do sindicato dos juízes foi à Assembleia da República dizer que a
independência dos magistrados pode estar em causa se o governo lhes aplicar os
cortes salariais previstos na proposta do Orçamento do Estado para todos os
funcionários do estado. José Mouraz Lopes sublinhou que a «independência dos
juízes é uma garantia da sua própria exclusividade» e que os magistrados «têm
de ter uma capacidade económica, estatutária e financeira que permita dizer
não, sem medo». Aproveitou ainda para apresentar aos deputados um conjunto de
propostas relacionadas com os cortes salariais, o suplemento remuneratório nos
turnos e as deslocações dos juízes.
Mouraz
Lopes é um juiz desembargador de Coimbra, honesto e competente, que é
respeitado e que, em geral, recolhe a simpatia das pessoas com quem se
relaciona. Não se lhe conhecem atitudes ou decisões que envolvam desrespeito
pelos advogados ou pelos cidadãos nos tribunais, bem pelo contrário. Por isso,
surpreendeu a sua decisão de aceitar liderar a associação sindical dos juízes
portugueses, ou seja, presidir a um sindicato de titulares do órgão de
soberania tribunais, como se os juízes fossem trabalhadores por conta de outrem
que actuam sob as ordens e a direcção de uma qualquer entidade patronal.
O
sindicato dos juízes é um instrumento para subverter alguns dos princípios mais
relevantes dos estados modernos, principalmente o da separação de poderes,
pois, através dele os titulares de um órgão de soberania estão permanentemente
a interferir e a pressionar outros poderes soberanos do estado. E, como
quaisquer proletários, já chegaram ao ponto de fazerem greves, sem qualquer
respeito pela dignidade das suas funções soberanas.
Mouraz
Lopes deveria saber que há coisas que não podem ser ditas por quem possui
determinadas obrigações sob pena de poderem assumir um significado diferente do
que se lhes queria dar. A independência dos juízes não é um direito
profissional deles, mas sim uma garantia dos cidadãos e do próprio estado de
direito, pelo que não poderão os juízes transformá-la em moeda de troca de uma
qualquer reivindicação «laboral». Dizer que a independência de um magistrado
pode estar ameaçada se eles forem chamados a fazer sacrifícios iguais aos de
todos os outros titulares de órgãos de soberania, assume objectivamente o
significado de uma chantagem intolerável sobre o próprio estado de direito
democrático.
A
independência dos juízes, como a dos titulares de qualquer outra função do
estado, depende da honestidade das pessoas e não daquilo que ganham ao fim do
mês ou dos privilégios que possuem. Há pessoas que ganham pouco e até muito
menos do que os juízes e são absolutamente independentes no exercício das suas
funções. E mais: estão em situação de exclusividade e são mais independentes do
que muitos juízes. Militares, polícias, titulares de funções de regulação e de
supervisão também estão em exclusividade e não ameaçam alienar a sua
independência. Será que o presidente da República e o Provedor de Justiça
também vão perder a sua independência devido aos sacrifícios que lhe são
exigidos?
É um
sinal perigoso de disponibilidade para relativizar o próprio sentido genuíno da
independência judicial andar a pedinchar regalias ao governo, ao parlamento ou
a uma qualquer maioria política. É uma ameaça perigosa para a independência dos
juízes quando estes vão ao Parlamento pedir privilégios aos deputados/advogados
que lá estão.
Quem anda
nos tribunais sabe bem que os juízes não são feitos de carne diferente da dos
dirigentes políticos ou da de qualquer outro cidadão. Por isso, o que a
actuação do sindicato dos juízes pode objectivamente significar é que eles
estão disponíveis para espúrias alianças com o governo desde que este aceite as
suas reivindicações. No fundo, o que os juízes portugueses poderão estar a
tentar dizer, ao quererem ser isentados dos sacrifícios exigidos a todos os
portugueses, é que estão disponíveis para «cooperarem» com o governo numa
altura em que este vai precisar muito deles. Nunca será verdadeiramente
independente quem anda a pedir privilégios a políticos. Não há almoços grátis!
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