quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Exemplo autárquico

Segunda Opinião
Público de 2012-11-08
Por: Rui Pereira, Professor Universitário
De quando em vez, ouve-se dizer que os políticos devem dar o exemplo para credibilizar a Política (que consiste, ou deve consistir, na nobilíssima missão de governar o Estado e procurar o bem comum).
Creio que alguns interessados em dar o exemplo disporão, dentro em breve, de uma magnífica oportunidade para o fazer. Estarão os partidos dispostos a adoptar a interpretação mais rigorosa possível da lei, que estabelece um número máximo de mandatos dos presidentes de câmara municipal e de junta de freguesia, nas próximas eleições autárquicas?
A revisão constitucional de 2004 veio admitir limites à renovação sucessiva de mandatos dos titulares de cargos políticos executivos e a Lei nº 46/2005 determinou que os presidentes de câmara municipal e de junta de freguesia só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos. No entanto, o parto desta lei não foi fácil (os presidentes dos Governos Regionais, inicialmente abrangidos, ficaram de fora) e a sua interpretação é controversa: o número de mandatos torna-se ilimitado quando os autarcas mudam de concelho ou de freguesia?
Juridicamente, há argumentos para todos os gostos. Como a lei não faz distinções, poderia dizer-se que o intérprete também não as deverá fazer e que a contagem do limite de mandatos inclui mudanças de autarquia. Todavia, a expressão utilizada pelo legislador ("mandato consecutivo") parece apontar para mandatos exercidos na mesma autarquia. Por outro lado, os trabalhos preparatórios do novo regime legal não parecem conclusivos e os seus protagonistas fazem apelo a um nível de subjectividade que não permite apreender com nitidez o espírito da lei.
Mas o problema não é só jurídico e a Constituição nem sequer impõe uma das interpretações. Embora se destine a evitar a criação de nichos de poder e a viabilizar a alternância, a limitação de mandatos também deve ser posta ao serviço da renovação dos autarcas, como se assumiu aquando da aprovação da lei. Ora, a mudança de cadeiras nas próximas eleições será entendida como um modo de defraudar o novo regime legal. Assim, os partidos devem adoptar a interpretação mais rigorosa e apresentar candidatos que não tenham esgotado o limite de mandatos.

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