quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Rever a Constituição, reformar a Justiça

CELESTE CARDONApor CELESTE CARDONA

Abrimos os jornais e ligamos a televisão e só ouvimos diagnósticos, criticas, falta de soluções para o crescimento, "confusão" entre as finalidades da TSU e as finalidades das medidas de austeridade, aumento de impostos (intolerável) e outras matérias com aquelas ligadas.
Alternativas não há. Porventura porque não existem! Vou aguardar até logo à tarde [ontem] para saber o que nos vai acontecer.
Mas, entretanto, decidi escrever sobre outra matéria que faz parte das nossas preocupações intermitentes, mas que, na generalidade dos casos, não é tratada, a meu ver, com a profundidade que a mesma requer.
Trata-se da Justiça, na sua vertente penal e de investigação criminal. Diz-se, ainda recentemente o senhor procurador-geral da República o afirmou, que procurou (e não teria conseguido) "despolitizar" a magistratura do Ministério Público.
Diz-me, ouvimos esse clamor vezes sem conta, que há demasiadas ligações entre a política e a Justiça, de que a política é justicialista e que a Justiça está politizada. Não nos faltam exemplos!
Diz-se que as investigações demoram tempo demais, as prescrições "rondam", as acusações são tão frágeis que quando chegam a julgamento as absolvições são uma consequência inevitável.
Diz-se que inexistem meios, humanos e técnicos para a realização da justiça!
Pois é! Mas então e as soluções quais seriam? Recorde-se que o actual sistema, consagrado na Constituição e nas leis da República, foi concebido e consagrado num tempo diferente do actual. Tratava-se de garantir a autonomia do Ministério Público, mas do mesmo passo assegurar alguma relação com o poder político, nomeadamente financiamento, relacionamento orgânico e poderes funcionais entre magistratura e polícia de investigação criminal.
Hoje, quando falamos de Justiça, nesta vertente, devemos ter presente que já passaram mais de trinta anos e que as finalidades que então foram traduzidas na lei são porventura outras.
A discussão que deve e é obrigatório que seja feita é a de saber se pretendemos uma Justiça verdadeiramente autónoma e independente na concretização da definição das prioridades de política que o Estado determina através da Assembleia da República.
Ou se, pelo contrário, o que queremos é que se mantenha o actual modelo no domínio da investigação criminal.
Uma justiça verdadeiramente autónoma, independente e hierarquizada sem qualquer relação, mesmo orgânica, com o poder político seria porventura a solução para os grandes problemas que afligem a nossa sociedade, não sendo o menor deles o de "não se saber quem é o responsável".
Um dos valores fundamentais da democracia é, a meu ver, sabermos a quem pedir contas. De quem é a responsabilidade e perante quem responde! Será que, neste domínio, sabemos?
Claro que esta solução exige a revisão da Constituição. Até hoje não vi nem ouvi ninguém assumir que esta é a discussão a fazer e que se a não fizermos, serena e tranquilamente, os problemas vão continuar e as soluções não vão despontar.
No nosso sistema actual, o presidente do STJ e, por inerência, do Conselho Superior da Magistratura, é eleito pelos seus pares. Desta forma pretende-se garantir o princípio fundamental da separação de poderes e a independência do poder judicial.
Ainda bem que assim é!
Embora sabendo que é diferente o estatuto de que quem investiga e de quem julga e de que até aqui se tem entendido que quem investiga não deve ser "tão independente", parece-me fundamental que se caminhe para a consagração dessa independência.
Claro que esta solução tem consequências, designadamente a das regras de financiamento da magistratura do Ministério Público, a da disponibilidade de meios, operacionais, humanos e técnicos, para a realização das suas atribuições e a da consagração de um sistema de eleição idêntico ao da magistratura judicial.
Não tenho dúvidas quanto às "críticas" que serão feitas a esta reflexão. Mas não posso deixar de a fazer e de a partilhar. Assim o exige a minha consciência, a experiência que vivi e o conhecimento que tenho do sistema.



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