domingo, 3 de setembro de 2006

Novo CPP: comentário ao artigo 1º

Comentemos, pois, a alteração que a Unidade de Missão propõe para o artigo 1º do CPP. Não se diga que é logo embirrar com o primeiro artigo. É antes um gesto de boa-vontade cívica.
1. É discutível se um Código deve conter definições e se o CPP, ao contê-las, não deveria tê-las sistematizado todas neste preceito, em vez de ter deixado algumas, como por exemplo, a de indícios suficientes para uma previsão esparsa como a do artigo 283º.

2. Mais, é discutível se um CPP, uma vez que optou por conter definições e sistematizá-las, não deveria ter tido o cuidado de proceder ao enunciado de algumas, precisamente aquelas que mais dúvidas têm suscitado na prática e mais disparidades têm consentido. Veja-se o caso de «fortes indícios», que o Código não define, definindo embora, como vimos [em local atípico] proceda à definição do que sejam «indícios suficientes». Casos a carecer de definição abundam, pois o CPP em aspectos nevrálgicos deixou ao intérprete, para seu uso discricionário, conceitos inteiramente abertos: veja-se o que se passa com o «perigo de fuga» [artigo 204º do CPP] e tantas outras situações.
3. Na definição de terrorismo, para efeitos processuais penais consideram-se abrangidas as condutas que integrarem os crimes de organização terrorista, terrorismo e terrorismo internacional, critério que me parece inaceitável, pois significa a unificação sob um mesmo conceito de enunciado típicos completamente diversos, como se o legislador processual penal fosse arbitrariamente livre de chamar pelo mesmo nome o que a lei penal considera distinto e diferenciado.
4. Diferenciam-se os conceitos de criminalidade violenta e especialmente violenta, mas sempre sob a noção de que haverão de ser crimes que atentem contra os seguintes bens jurídicos referentes a pessoas singulares: a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas. Ora não se compreende que os crimes contra outros bens jurídicos trans-individuais não possam integrar o objecto de uma criminalidade violenta ou especialmente violenta, quando tudo mostra que actualmente são precisamente aqueles que atingem formas mais drásticas de violência, nomeadamente pondo em causa a segurança do Estado e a vida em sociedade.
5. Quanto à criminalidade altamente organizada (i) sabendo como se sabe em que medida vai surgir o problema consistente em saber se as associações crimininosas previstas no Direito Penal secundário podem integrar este conceito, não se compreende que o legislador não atalhe desde já o problema (ii) estranha-se que os crimes de terrorismo e de organização terrorista fiquem excluídos (iii) e note-se que este enunciado restritivo pode levar a conflitos de enunciados, bastando lembrar, por exemplo que a Lei de Segurança Interna [Lei n.º 20/87, de 12.06, no seu artigo 1º, n.º 3 define que «as medidas previstas na presente lei visam especialmente proteger a vida e a integridade das pessoas, a paz pública e a ordem democrática contra a criminalidade violenta ou altamente organizada, designadamente sabotagem, espionagem ou terrorismo», o que mostra que o conceito em causa encontra âmbitos materiais de incidência completamente diferenciados no nosso ordenamento.

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